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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A nova Política Nacional de Desenvolvimento do Governo Bolsonaro


Por Welliton Resende*

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O Governo Federal bate na tecla que o caminho de redução das desigualdades passa pela valorização da diversidade do país. Assim, a superação do problema da desigualdade regional consiste na exploração dos potenciais endógenos de desenvolvimento das diversas regiões. Por exemplo, a produção de commodities no Maranhão (soja e eucalipto) poderia ser um caminho para alavancar o nosso desenvolvimento.
No último dia 01/10/2019 foi lançado o Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE), que aposta no fortalecimento estratégico das redes de cidades intermediárias. Foram identificados 41 municípios nos 11 estados da área de abrangência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Segundo o ministro Gustavo Canuto, a ideia é investir nas cidades polo identificadas para que as áreas de influência possam crescer economicamente.
Nesse sentido, foram mapeados Polos de Agricultura Irrigada (Polo Oeste da Bahia), Rotas de Integração Nacional (Rota do Cordeiro, do Mel, do Peixe, Leite, Biodiversidade, Tecnologia da Informação e Comunicação, Economia Circular e outros) e os Perímetros Públicos de Irrigação.

Para o governador Flávio Dino (PCdoB) o PRDNE "é de fundamental importância para o Maranhão investir em ações que melhorem a infraestrutura do Estado, melhorando e integrando a logística para facilitar o escoamento da produção de grãos (especialmente da Região de Matopiba). Ligar a Transnordestina à Ferrovia Norte-Sul, implantar polos tecnológicos e dar uma atenção especial à educação também foram apontados como projetos prioritários".

A mudança na política de desenvolvimento se deu por conta da publicação do Decreto nº 9.810, de 30 de maio de 2019. Este normativo, revogou o antigo PNDR instituído ainda no Governo Lula pelo Decreto no 6.047, de 22 de fevereiro de 2007.

Tal qual o anterior, o novo PNDR tem por finalidade reduzir as desigualdades econômicas e sociais, intra e inter-regionais, por meio da criação de oportunidades de desenvolvimento que resultem em crescimento econômico, geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população. Para tanto, serão articulada ações federais, estaduais, distritais e municipais, públicas e privadas que estimulem e apoiem processos de desenvolvimento.

O "new PDDR" traz, de forma inovadora, os seguintes princípios: I - transparência e participação social; II - solidariedade regional e cooperação federativa; III - planejamento integrado e transversalidade da política pública; IV - atuação multiescalar no território nacional; V - desenvolvimento sustentável; VI - reconhecimento e valorização da diversidade ambiental, social, cultural e econômica das regiões; VII - competitividade e equidade no desenvolvimento produtivo; e VIII-sustentabilidade dos processos produtivos.

São seus objetivos promover o nivelamento do desenvolvimento e da qualidade de vida inter e intra regiões brasileiras e a equidade no acesso a oportunidades de regiões que apresentem baixos indicadores socioeconômicos. Também, consolidar uma rede policêntrica de cidades, em apoio à desconcentração e à interiorização do desenvolvimento regional; estimular ganhos de produtividade e aumentos da competitividade regional (regiões que apresentem declínio populacional e elevadas taxas de emigração); e fomentar a agregação de valor e a diversificação econômica em cadeias produtivas estratégicas para o desenvolvimento regional, observados critérios como geração de renda e sustentabilidade, sobretudo em regiões com forte especialização na produção de commodities agrícolas ou minerais. Como é o caso do Maranhão.

Isto posto, não basta a Constituição Federal de 1988 assegurar no inciso III, do Artigo 3º, que as desigualdades sociais e regionais devam ser reduzidas, deverão ser utilizadas estratégias para que o texto magno deixe a frieza dos papeis. Nesse sentido, o novo PDDR enumera as seguintes estratégias:

I - estruturação do Sistema de Governança do Desenvolvimento Regional para assegurar a articulação setorial das ações do Governo federal, a cooperação federativa e a participação social;
II - implementação do Núcleo de Inteligência Regional no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e das Superintendências do Desenvolvimento da Amazônia, do Nordeste e do Centro-Oeste;
III - estruturação de modelo de planejamento integrado, por meio da elaboração de planos regionais e sub-regionais de desenvolvimento, pactos de metas e carteiras de projetos em diferentes escalas geográficas;
IV - aprimoramento da inserção da dimensão regional em:
a) instrumentos de planejamento e orçamento federal; e
b) políticas públicas e programas governamentais;
V - aderência dos instrumentos de financiamento aos objetivos de desenvolvimento regional;
VI - estímulo ao empreendedorismo, ao cooperativismo e à inclusão produtiva, por meio do fortalecimento de redes de sistemas produtivos e inovativos locais, existentes ou potenciais, de forma a integrá-los a sistemas regionais, nacionais ou globais;
VII - apoio à integração produtiva de regiões em torno de projetos estruturantes ou de zonas de processamento; e
VIII - estruturação do Sistema Nacional de Informações do Desenvolvimento Regional, para assegurar o monitoramento e a avaliação da PNDR e o acompanhamento da dinâmica regional brasileira.

O PNDR possui abordagem territorial, abrangência nacional e atuação nas seguintes escalas macrorregional (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e sub-regional (faixa de fronteira,região integrada de desenvolvimento e semiárido). A tipologia referencial definirá os espaços elegíveis por meio do quadro de desigualdades regionais estabelecida pelo IBGE e, após a publicação do Censo Demográfico de 2020, permanecerá vigente a tipologia estabelecida pelo MDR. O planejamento e a implementação das ações da PNDR, por seu turno, observarão os seguintes eixos setoriais de intervenção:




A governança ficará a cargo da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, que é a instância estratégica, presidida pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República, e serão ainda membros os Ministros da Economia e do Desenvolvimento Regional, entre outros. Um Comitê-Executivo ficará responsável por operacionalizar a articulação de políticas e ações. Outrossim, as ações de desenvolvimento serão planejadas por meio dos seguintes instrumentos:

I - Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia;
II- Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste;
III - Plano Regional de Desenvolvimento do Centro-Oeste;
IV- Planos sub-regionais de desenvolvimento;e,
V - Pactos de metas com governos estaduais e distrital e as carteiras de projetos prioritários em diferentes escalas geográficas.
Os objetivos do PNDR serão financiados por meio do Orçamento Geral da União, dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, dos Fundos de Desenvolvimento da Amazônia, do Nordeste e do Centro-Oeste, dos programas de desenvolvimento regional de bancos públicos federais existentes ou que venham a ser instituídos, dos incentivos e benefícios de natureza financeira, tributária ou creditícia, e, por fim, outras fontes de recursos nacionais e internacionais.
Uma inovação interessante é que as aplicações dos recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento e dos Fundos de Desenvolvimento deverão ser planejadas, de forma a considerar a mitigação dos riscos de créditos envolvidos nas aplicações, tendo em vista a heterogeneidade das sub-regiões e dos beneficiários desses recursos, com vistas à redução das taxas de inadimplência, à consecução dos financiamentos concedidos e ao alcance dos objetivos desses Fundos. 

A Sudam, Sudene e Sudeco, em conjunto com o MDR, são responsáveis por publicar anualmente os resultados do monitoramento das concessões e das aplicações dos Fundos Constitucionais. E a cada 180 dias as instituições operadoras devem prestar as informações necessárias ao monitoramento e à avaliação das concessões e das aplicações dos instrumentos de financiamento da PNDR.

O monitoramento e avaliação será realizado por meio do Núcleo de Inteligência Regional, instância permanente de assessoramento técnico às instituições do Governo federal, destinado à produção de conhecimento e informações afetas à PNDR e aos seus instrumentos. De igual modo, vai ser criado o Sistema Nacional de Informações do Desenvolvimento Regional com o objetivo de monitorar e avaliar os instrumentos financeiros, os planos, os programas e as ações da PNDR, inclusive por meio do intercâmbio de informações com os demais órgãos e entidades públicos e com organizações da sociedade civil.
O MDR coordenará a elaboração de Relatório Anual de Monitoramento da PNDR, do Relatório Quadrienal de Avaliação da PNDR e do Relatório Quadrienal de Avaliação da PNDR, que conterá a análise dos indicadores de avaliação a serem apresentados durante as Conferências de Desenvolvimento Regional. Convém ressaltar, que o atual PNDR procura suprir as críticas do Tribunal de Contas da União de baixa aderência aos paradigmas da PNDR anterior (TCU, 2011). Conforme o TCU, os planos anuais não apresentavam um conjunto de indicadores e metas adequados e suficientes para avaliar e direcionar as aplicações de recursos de acordo com as diretrizes e prioridades traçadas pela PNDR e o TCU não enxergava indicadores e metas quantitativas anuais de distribuição por microrregiões prioritárias. 

Assim, a violência da desigualdade regional constitui um fator de entrave ao processo de desenvolvimento do Brasil. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem um PIB de R$ 1,349 trilhões e supera em 9 vezes o de Roraima R$ 6,9 bilhões. Nesses termos, as desigualdades refletem-se na perspectivas de qualidade de vida das populações e diferenciam os cidadãos também com relação ao seu domicílio e local de trabalho.

Por derradeiro, o principal objeto de uma Política Nacional de Desenvolvimento é buscar reduzir as profundas desigualdades de níveis de vida e de oportunidades de desenvolvimento entre unidades territoriais ou regionais do país devendo organizar as ações com autonomia,sustentabilidade, transparência, efetividade e integridade (Resende, 2019).



*Resende é auditor federal e mestrando em Desenvolvimento Regional/UEMA
 


sábado, 14 de setembro de 2019

Governo e racionalidade administrativa em Maquiavel

A dialética entre Virtú e Fortuna seria capaz de explicar o sucesso ou ou fracasso de projetos de poder



Por Welliton Resende



Maquiavel não é idealista como Thomas More (1478 – 1535) na Utopia. É realista.  O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta. Seu maior interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado, procurando compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.

Conclui, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei.  Maquiavel observou que o estadista deve contar, para ter sucesso, com sua própria capacidade pessoal, sua determinação ferrenha. Deve dirigir sua energia para um determinado objetivo. A essas qualidades Maquiavel denominou Virtú. 

Também observou que o estadista, ou político, não poderá garantir-se apenas com suas qualidades pessoais, intrínsecas. Deveria contar também com a sorte (para o bem ou para o mal), a oportunidade, o acaso, ou, como preferem alguns, o destino. Ao imponderável, Maquiavel referia-se como Fortuna.
 

A dialética entre Virtú e Fortuna seria capaz de explicar o sucesso ou ou fracasso de projetos de poder.


Para Maquiavel, o governo fundamenta-se na incapacidade do indivíduo de defender-se contra a agressão de outros indivíduos a menos que apoiado pelo poder do estado. A natureza humana, porém, mostra-se egoísta, agressiva e gananciosa. Por isso mesmo, os homens vivem em conflito e competição, o que pode acarretar uma anarquia declarada a menos que seja controlada pela força que se esconde atrás da lei.

O governo para ser bem sucedido, quer uma monarquia ou república, deve objetivar a segurança das propriedades e da vida, sendo esses os desejos mais universais da natureza humana. "os homens esquecem mais depressa a morte do pai que a perda do seu patrimônio” (O Príncipe, cap. XVII).

Assim, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado.


As repúblicas apresentariam três formas: a aristocrática, na qual uma maioria de governados se encontra diante de uma minoria de governantes, tal como Esparta; a democrática em sentido restrito, em que uma minoria de governados se acha diante de uma maioria de governantes, como em Atenas; e a democracia ampla, quando a coletividade se autogoverna, isto é, o Estado se confunde com o governo, como em Roma após a instituição dos tribunos da plebe e a admissão do povo à magistratura.

Maquiavel acreditava que a forma perfeita de governo republicano é aquele que apresenta características monárquicas, aristocráticas e populares de forma harmoniosa e simultânea, ou seja, uma república mista.

O Estado maquiavélico existe na medida em que não dependa de qualquer vontade estranha, na medida em que seja soberano. Não aceita nenhuma autoridade externa que imponha limites à sua ação, nem a existência de grupos internos que pretendam escapar do seu poder soberano, limitando os desejos individuais de cada um em favor do interesse geral através das leis.


O Estado existe para proteger cada indivíduo contra a violência e defender a coletividade contra ataques externos. A capacidade de um estado defender-se depende também da popularidade do governo, que será tanto maior quanto maior for o sentimento de segurança que conseguir transmitir a seus cidadãos.

E como garantir a soberania do Estado? Primeiramente, deve-se ter a consciência de que a lei reguladora das relações entres os estados é a luta. Se não molestar os demais, buscando viver em paz dentro de seu território, fatalmente será molestado pelos demais pois ” É impossível que uma república consiga permanecer tranquila e gozar sua liberdade dentro de suas fronteiras: porque se não molestar as demais, será molestada por elas; e daí lhe nascerá o desejo e a necessidade de conquistar.”  (Associação com a filosofia beligerante dos Estados Unidos).

Maquiavel transparece a confiança que depositava nas virtudes do governo popular, desenvolvendo a ideia de que “a multidão é mais sábia e constante do que um príncipe”, pois ao comparar um príncipe e um povo subordinado às leis, verifica que o povo mostra qualidades superiores às do príncipe, porque é mais conforme e constante; se ambos estão livres de qualquer lei, resulta que os erros do povo são menos numerosos e mais fáceis de ser reparados do que os do príncipe.

A participação popular no governo é essencial para manutenção da unidade política, tendo em vista que um povo dócil ou aterrorizado não encontra forças ou motivação para defender as causas do Estado como coisa sua, por não se identificar como parte do Estado, faltando o sentimento de patriotismo tão exaltado por Maquiavel em toda a sua obra.

Mas essa participação popular não deve ser confundida com a participação popular em um regime democrático. Maquiavel considerava a maioria do homens desprovidos de virtù.

O Estado nacional soberano está autorizado a promover a qualquer preço a prosperidade e a grandeza temporais do grupo humano – a nação, a pátria – por ele representado, sem que isso trouxesse qualquer condenação ou culpa.

A ideia de que a justiça é o interesse do mais forte, o recurso a meios violentos e cruéis para se alcançar os objetivos não foram receitas inventadas por Maquiavel, mas remontam a Antiguidade e caracterizam a sociedade do cinquecento. assim, podemos dizer que o maquiavelismo antecede a Maquiavel, que é responsável pela sistematização das práticas de ação dos detentores do poder, fazendo da prática uma teoria.

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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Gestão pública e racionalidade administrativa: sobre gestão ambiental urbana no Brasil

 Resenha do artigo de Salviana Pastor


Por Welliton Resende



O presente artigo3 versa sobre a racionalidade administrativa da gestão pública tomando-se como referência a questão ambiental nas cidades brasileiras, ou seja, as contemporâneas relações entre cidade e política. 

O trabalho apresenta como referência analítica três critérios básicos utilizados por Offe (1984) para problematizar a ação político-administrativa nos marcos do capitalismo: (1) atendimento ao estatuto jurídico, (2) consensos de natureza teleológica e (3)acordos de natureza extralegal.

Parte-se da perspectiva de que, nos marcos do capitalismo, a propriedade privada e o contrato são instituições centrais e que esse modo de produção ‚[...] como um todo é absolutamente dissipador, e tem de continuar a sê-lo em proporções sempre crescentes‛ (MÉSZÁROS, 1989, p. 27).

Nesse sentido, a gestão pública da questão ambiental tem feição predominantemente empresarial.

De acordo com Harvey (1996), a partir dos anos 1980, processos como a reestruturação produtiva, a mundialização da economia, o desemprego e a crise fiscal teriam provocado a formação de vasto consenso entre os governos locais no sentido de que as cidades adotassem postura mais agressiva na competição por investimentos privados e por empregos.

Essa postura resultou na superação de métodos e objetivos do planejamento urbano tradicionais.  Assim, o planejamento estratégico de cidades traduz a ideia de gestão empresarial para o setor público.

São cidades competitivas aquelas que se pautam pela perspectiva de atração de capitais, empresas, turistas e capacidades. Por sua vez, cidades sustentáveis são aquelas que se fundam no sentido de favorecer articulação harmoniosa entre desenvolvimento econômico, respeito à natureza e preservação do meio ambiente natural e construído.

O que é disjunção? Vem se disseminando, porém, um apelo pela confluência das ideias de competitividade e sustentabilidade que, muitas vezes, coloca em xeque a agenda dos governos das cidades despreparados para essa dinâmica da inovação (OLIVEIRA, 2001).

No Brasil, os principais problemas ambientais se situam em áreas rurais, como sequelas da expansão capitalista direcionada pela busca indiscriminada por recursos naturais, como água e terra.
Nas áreas urbanas vem se aguçando questões que decorrem da precariedade ou ausência de abastecimento de água, esgotamento sanitário e limpeza.

Nos territórios urbanos esses problemas incidem mais fortemente sobre os moradores que habitam as áreas precárias e segregadas que também tendem a ser culpabilizados, de forma combinada, pela violência e pela de má gestão do manejo dos resíduos sólidos.
 
A racionalidade administrativa da gestão urbana da questão ambiental é de feição empresarial.
Na demarcação dessa questão partiu-se de dois pressupostos:  1) a reprodução do sistema capitalista tem suporte em um processo sistemático de dissipação dos recursos naturais; 2) a gestão pública é premida a estabelecer negociações, formular e desenvolver ações que, muitas vezes, se distanciam do marco regulatório definido no campo da gestão estatal configurando particularidades à racionalidade administrativa.

Ao privilegiar a gestão urbana da questão ambiental no Brasil, pode-se apreender que a vida urbana traduz relações conflitantes entre capital, Estado e usos dos recursos ambientais.

O dano causado ao meio ambiente é um dos alicerces das relações pertinentes à adaptação dos territórios urbanos aos estágios do desenvolvimento das forças produtivas, do trabalho, do mercado e do consumo. E configura-se em um campo permanente de tensões entre as teses da sustentabilidade e da insustentabilidade.

No caso da gestão urbana da questão ambiental no Brasil, o processo de administração pública, ao mesmo tempo em que se assenta no predomínio da gestão de feição empresarial, afasta-se do próprio marco regulatório. 

A racionalidade administrativa se manifesta de forma enviesada incapaz de reverter a crise ambiental instalada nas cidades do Brasil.


Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial

Resenha da obra de Bresser Pereira




Por Welliton Resende

Nas sociedades modernas, a classe empresarial e a alta burocracia pública são os dois grupos sociais estratégicos, do ponto de vista político. Em todo este processo, porém, a alta burguesia, formada por empresários e rentistas, e a alta burocracia política, constituída de burocratas profissionais e políticos eleitos, desempenharam sempre o papel político preponderante.  

Ainda que a partir do século XX, quando a democracia tornou-se o regime político dominante e os trabalhadores e as camadas, tanto médias burguesas quanto profissionais, tenham aumentado sua influência graças ao poder do voto, os grandes empresários e a burocracia política foram sempre os principais detentores do poder.  Conforme Polianiy (2000, p.65):
Na virada do século XIX - o sufrágio universal já tinha agora uma abrangência bastante ampla - a classe trabalhadora era um fator de influência no estado enquanto esse sistema não é estabelecido, os liberais econômicos apelarão, sem hesitar, para a intervenção do estado a fim de estabelecê-lo e, uma vez estabelecido, a fim de mantê-lo.

É dentro deste quadro amplo, no qual o Estado é a expressão da sociedade, é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação, que devemos compreender a burocracia pública. O objeto de estudo do presente artigo é proceder à caracterização socioespacial que servirá de base para o desenvolvimento da pesquisa que tem como tema a transparência pública como fator de desenvolvimento regional.

De acordo com Bresser Pereira (1977) quatro classes sociais e suas respectivas elites sucederam-se por longos períodos e eventualmente entraram em conflito na história brasileira, conforme quadro abaixo:
QUADRO 1 – FORMAS HISTÓRICAS DE ESTADO E DE ADMINISTRAÇÃO
CATEGORIA
1821-1930
1930-1985
1990-...
Estado/sociedade
Patriarcal-dependente
Nacional-desenvolvimentista
Liberal-dependente
Regime político
Oligárquico
Autoritário
Democrático
Classes dirigentes
Latifundiários e burocracia patrimonial
Empresários e burocracia pública
Agentes financeiros e rentistas
Administração
Patrimonial
Burocrática
Gerencial
Fonte: Elaboração própria

Assim, a burguesia mercantil e patriarcal proprietária de terras, dominante durante toda o período colonial; a burocracia patrimonialista, que emerge da classe anterior decadente, torna-se dirigente a partir da Independência, e começa a se transformar em burocracia moderna a partir da primeira metade do século XX; a burguesia cafeeira, que, aliada à anterior, promoverá um extraordinário desenvolvimento do país entre aproximadamente 1850 e 1930; e a burguesia industrial, que ganha poder político a partir de 1930.

As formas históricas do Estado no Brasil estão naturalmente imbricadas na natureza de sua sociedade e, portanto, expressam, de um lado, as mudanças por que vai passando a sociedade e, de outro, a maneira pela qual o poder originário -derivado ou da riqueza, ou do conhecimento e da capacidade de organização – é distribuído nesta sociedade.
A primeira forma histórica de Estado, o Estado patriarcal-oligárquico, é patriarcal no plano das relações sociais e econômicas internas e é mercantil no plano das relações econômicas externas. Caracteriza-se ainda pela participação na classe dirigente oligárquica de uma burocracia patrimonial. É um Estado dependente porque suas elites não têm suficiente autonomia nacional para formularem uma estratégia nacional de desenvolvimento: limitam-se a copiar ideias e instituições alheias com pouca adaptação às condições locais.

A partir dos anos 1930, quando começa a Revolução Industrial brasileira, a sociedade passa a ser “industrial”, porque, agora, os empresários industriais tornam-se dominantes, enquanto o Estado torna-se “nacional desenvolvimentista”, porque está envolvido em uma bem-sucedida estratégia nacional de desenvolvimento.

No Estado nacional-desenvolvimentista, dominante entre 1930 e 1980, a classe dirigente é caracterizada por uma forte aliança entre a burguesia industrial e a burocracia pública, e o período é marcado por um grande desenvolvimento econômico. Além de ser o momento da Revolução Industrial, é também o da Revolução Nacional: é o único em que a nação sobrepõe-se à condição de dependência. 

Seu sentido político maior é a transição do autoritarismo para a democracia, mas será marcada por dois retrocessos: um em 1937 e o outro em 1964. Os anos 1980 são de crise e de transição, são o momento em que o país atravessará a pior crise econômica de sua história – uma crise da dívida externa e da alta inflação inercial – que merece o nome de Grande crise dos Anos 1980. Esta crise facilitará a transição democrática, mas, em compensação, debilitará a nação e a tornará novamente dependente. Surge, então, a forma de Estado ainda hoje dominante no Brasil: o Estado liberal-dependente.

Para Bresser Pereira (1977) A partir de 1991, as políticas públicas, embora conservando o caráter social contratualizado durante a transição democrática, tornam-se, no plano econômico, novamente dependentes, passando a seguir à risca as orientações vindas dos países hegemonicamente dominantes. Sociedade e Estado perdem o rumo, o Estado enfraquece-se e torna-se incapaz de fazer o que fizera entre 1930 e 1980: coordenar uma estratégia nacional de desenvolvimento. 

Com as aberturas comercial e financeira, deixa de ter capacidade de proteger-se contra a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio, que caracteriza os países em desenvolvimento, e entra em fase de desindustrialização e quase-estagnação. O retorno à condição de dependência coincide, por pequena diferença, com a transição democrática, porque ocorre em um momento em que as forças políticas que lideraram a transição não contavam com um projeto alternativo para enfrentar a crise do modelo nacional-desenvolvimentista. O quadro abaixo apresenta resumidamente os pactos ajustados: 

QUADRO 2-Pactos políticos
ANOS
PACTOS POLÍTICOS
1930-1959
Popular-nacional
1960-1964
Crise
1964-1977
Burocrático-autoritário
1977-1986
Popular-democrático (crise)
1987-1990
Crise
1991-...
Liberal
Fonte: Elaboração própria

Referência:


Bresser-Pereira, Luiz Carlos & Peter Spink, orgs. (1998).“Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial”. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.