Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial

Resenha da obra de Bresser Pereira




Por Welliton Resende

Nas sociedades modernas, a classe empresarial e a alta burocracia pública são os dois grupos sociais estratégicos, do ponto de vista político. Em todo este processo, porém, a alta burguesia, formada por empresários e rentistas, e a alta burocracia política, constituída de burocratas profissionais e políticos eleitos, desempenharam sempre o papel político preponderante.  

Ainda que a partir do século XX, quando a democracia tornou-se o regime político dominante e os trabalhadores e as camadas, tanto médias burguesas quanto profissionais, tenham aumentado sua influência graças ao poder do voto, os grandes empresários e a burocracia política foram sempre os principais detentores do poder.  Conforme Polianiy (2000, p.65):
Na virada do século XIX - o sufrágio universal já tinha agora uma abrangência bastante ampla - a classe trabalhadora era um fator de influência no estado enquanto esse sistema não é estabelecido, os liberais econômicos apelarão, sem hesitar, para a intervenção do estado a fim de estabelecê-lo e, uma vez estabelecido, a fim de mantê-lo.

É dentro deste quadro amplo, no qual o Estado é a expressão da sociedade, é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação, que devemos compreender a burocracia pública. O objeto de estudo do presente artigo é proceder à caracterização socioespacial que servirá de base para o desenvolvimento da pesquisa que tem como tema a transparência pública como fator de desenvolvimento regional.

De acordo com Bresser Pereira (1977) quatro classes sociais e suas respectivas elites sucederam-se por longos períodos e eventualmente entraram em conflito na história brasileira, conforme quadro abaixo:
QUADRO 1 – FORMAS HISTÓRICAS DE ESTADO E DE ADMINISTRAÇÃO
CATEGORIA
1821-1930
1930-1985
1990-...
Estado/sociedade
Patriarcal-dependente
Nacional-desenvolvimentista
Liberal-dependente
Regime político
Oligárquico
Autoritário
Democrático
Classes dirigentes
Latifundiários e burocracia patrimonial
Empresários e burocracia pública
Agentes financeiros e rentistas
Administração
Patrimonial
Burocrática
Gerencial
Fonte: Elaboração própria

Assim, a burguesia mercantil e patriarcal proprietária de terras, dominante durante toda o período colonial; a burocracia patrimonialista, que emerge da classe anterior decadente, torna-se dirigente a partir da Independência, e começa a se transformar em burocracia moderna a partir da primeira metade do século XX; a burguesia cafeeira, que, aliada à anterior, promoverá um extraordinário desenvolvimento do país entre aproximadamente 1850 e 1930; e a burguesia industrial, que ganha poder político a partir de 1930.

As formas históricas do Estado no Brasil estão naturalmente imbricadas na natureza de sua sociedade e, portanto, expressam, de um lado, as mudanças por que vai passando a sociedade e, de outro, a maneira pela qual o poder originário -derivado ou da riqueza, ou do conhecimento e da capacidade de organização – é distribuído nesta sociedade.
A primeira forma histórica de Estado, o Estado patriarcal-oligárquico, é patriarcal no plano das relações sociais e econômicas internas e é mercantil no plano das relações econômicas externas. Caracteriza-se ainda pela participação na classe dirigente oligárquica de uma burocracia patrimonial. É um Estado dependente porque suas elites não têm suficiente autonomia nacional para formularem uma estratégia nacional de desenvolvimento: limitam-se a copiar ideias e instituições alheias com pouca adaptação às condições locais.

A partir dos anos 1930, quando começa a Revolução Industrial brasileira, a sociedade passa a ser “industrial”, porque, agora, os empresários industriais tornam-se dominantes, enquanto o Estado torna-se “nacional desenvolvimentista”, porque está envolvido em uma bem-sucedida estratégia nacional de desenvolvimento.

No Estado nacional-desenvolvimentista, dominante entre 1930 e 1980, a classe dirigente é caracterizada por uma forte aliança entre a burguesia industrial e a burocracia pública, e o período é marcado por um grande desenvolvimento econômico. Além de ser o momento da Revolução Industrial, é também o da Revolução Nacional: é o único em que a nação sobrepõe-se à condição de dependência. 

Seu sentido político maior é a transição do autoritarismo para a democracia, mas será marcada por dois retrocessos: um em 1937 e o outro em 1964. Os anos 1980 são de crise e de transição, são o momento em que o país atravessará a pior crise econômica de sua história – uma crise da dívida externa e da alta inflação inercial – que merece o nome de Grande crise dos Anos 1980. Esta crise facilitará a transição democrática, mas, em compensação, debilitará a nação e a tornará novamente dependente. Surge, então, a forma de Estado ainda hoje dominante no Brasil: o Estado liberal-dependente.

Para Bresser Pereira (1977) A partir de 1991, as políticas públicas, embora conservando o caráter social contratualizado durante a transição democrática, tornam-se, no plano econômico, novamente dependentes, passando a seguir à risca as orientações vindas dos países hegemonicamente dominantes. Sociedade e Estado perdem o rumo, o Estado enfraquece-se e torna-se incapaz de fazer o que fizera entre 1930 e 1980: coordenar uma estratégia nacional de desenvolvimento. 

Com as aberturas comercial e financeira, deixa de ter capacidade de proteger-se contra a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio, que caracteriza os países em desenvolvimento, e entra em fase de desindustrialização e quase-estagnação. O retorno à condição de dependência coincide, por pequena diferença, com a transição democrática, porque ocorre em um momento em que as forças políticas que lideraram a transição não contavam com um projeto alternativo para enfrentar a crise do modelo nacional-desenvolvimentista. O quadro abaixo apresenta resumidamente os pactos ajustados: 

QUADRO 2-Pactos políticos
ANOS
PACTOS POLÍTICOS
1930-1959
Popular-nacional
1960-1964
Crise
1964-1977
Burocrático-autoritário
1977-1986
Popular-democrático (crise)
1987-1990
Crise
1991-...
Liberal
Fonte: Elaboração própria

Referência:


Bresser-Pereira, Luiz Carlos & Peter Spink, orgs. (1998).“Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial”. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.


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