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Rubem Braga (1913-1990) |
Despedida
Rubem Braga
E
no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se
houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido
melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de
carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e
depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a
última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu
que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os
despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio
que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança
boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem
será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um
inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível
remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos
que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a
lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa
solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta
se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem,
nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com
flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia
flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois
bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a
pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é
possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as
pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso;
lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra:
adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido
numa tarde de domingo.