Josimo Morais Tavares, conhecido Padre Josimo |
Neste ano, em 10 de maio, faz 27 anos anos que o padre Josimo Morais Tavares, defensor dos lavradores, foi assassinado em Imperatriz. Em um artigo antológico o jornalista Oswaldo Viviani lembra-nos o episódio. Leia abaixo:
“Tenho que assumir. Estou empenhado na luta pela causa dos lavradores indefesos, povo oprimido nas garras do latifúndio.
Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor?
Eu, pelo menos, nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos, riqueza… Só tenho pena de uma coisa: de minha mãe, que só tem a mim e ninguém mais por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidam dela.
Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma causa justa. Agora, quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em prol do Evangelho, que me levou a assumir essa luta até as últimas conseqüências.
A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados, despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar”.
(Testamento escrito pelo padre Josimo Morais Tavares, em Tocantinópolis, poucos dias antes de ser assassinado)
Passavam alguns minutos do meio dia de um sábado de maio, quando o padre Josimo Morais Tavares, de 33 anos, começou a subir a escada do edifício de número 396, na avenida Dorgival Pinheiro de Sousa, quase na esquina da Godofredo Viana, a poucos metros da Igreja Nossa Senhora de Fátima (centro de Imperatriz).
No prédio, funcionava a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Araguaia-Tocantins – conhecida com “CPT do Bico” –, na qual Josimo Tavares atuava como coordenador.
Quase toda semana, o padre Josimo, sacerdote da diocese de Tocantinópolis e pároco da pequena São Sebastião do Tocantins (município do então estado de Goiás), subia aquela escadaria para reunir-se com agentes pastorais, religiosos e advogados. Sua luta: defender os lavradores, constantemente ameaçados por grileiros nos inúmeros conflitos agrários que se espalhavam pela região do Bico do Papagaio (área que abrange o norte do atual estado do Tocantins, o sul do Pará e o sudoeste do Maranhão).
Costumeiramente, antes de se dirigir ao escritório da CPT, Josimo deixava sua Toyota azul a poucos metros dali, na garagem da residência de dom Alcimar Caldas Magalhães, bispo de Imperatriz à época.
Naquela semana de maio, o clima era tenso em toda a região do Bico do Papagaio. No dia 6 de maio, havia acontecido um conflito armado entre posseiros e grileiros, com morte de Sebastião Teodoro Filho, irmão de Osmar Teodoro da Silva, um vereador do PMDB de Augustinópolis (no então estado de Goiás, hoje Tocantins).
O próprio padre Josimo sofrera, no dia 15 de abril, um atentado a bala, na estrada entre Augustinópolis e Axixá, quando se dirigia para Imperatriz. O pistoleiro acertara somente a porta da caminhonete Toyota.
Naquele sábado de maio, porém, o pistoleiro – Geraldo Rodrigues da Costa, o mesmo que atentara contra a vida do padre semanas antes – o aguardou na calçada do prédio onde ficava a CPT.
Josimo já havia subido o primeiro lance da escadaria quando Geraldo, a 5 metros do padre, chamou por seu nome, já apontando para as costas do padre seu Taurus calibre 7.65. Josimo se voltou e recebeu dois tiros. A primeira bala raspou em seu ombro direito e foi alojar-se na parede. A segunda perfurou o rim e o pulmão e saiu pelo peito.
A professora Maria Perpétuo Socorro Oliveira Marinho e uma amiga sua, Maria do Amparo Gomes Cardoso, foram as pessoas que primeiro prestaram socorro ao padre baleado. Perpétua atuava no MEB (Movimento de Educação de Bases), uma entidade ligada à igreja católica que trabalha com educação popular, cuja sala ficava no prédio onde também funcionava a CPT no Bico.
Perpétua e Maria do Amparo ouviram os disparos e saíram para ver o que estava acontecendo. Encontraram o padre Josimo, ainda em pé, ensangüentado e pedindo que elas o ajudassem. Perpétua orientou a Amparo que levasse o padre, de táxi, ao hospital São Marcos, enquanto ela avisava o bispo, dom Alcimar, sobre o ocorrido.
Mais tarde, no hospital, Perpétua ainda conversou com o padre Josimo. “Perguntei-lhe como estava. Ele conseguiu gesticular, com a mão e a cabeça, dizendo que estava bem, mas já havia perdido muito sangue”.
Duas horas depois de ter sido baleado, Josimo Morais Tavares, o “padre negro de sandálias surradas”, como os lavradores o identificavam, morreria, se transformando num dos maiores mártires da luta pela terra no Brasil.
A morte do padre Josimo teve grande repercussão dentro e fora do país. No Vaticano, a rádio da Santa Sé, num extenso editorial, elogiou o trabalho do padre. No Brasil, o então presidente da República, José Sarney, determinou que o diretor da Polícia Federal da época, Romeu Tuma, acompanhasse pessoalmente as investigações sobre o caso. Dias depois do crime, Tuma desembarcou em Imperatriz. Ao enterro de Josimo, em Tocantinópolis, além de uma multidão de gente humilde, compareceram dez bispos e o então ministro da Reforma Agrária, Nelson Ribeiro.
Matador e mandantes condenados – O crime de pistolagem que vitimou o padre Josimo é um caso raro no Brasil em que mandantes e executor foram presos e julgados, mesmo que alguns tardiamente. Os envolvidos, em sua maioria, foram condenados.
O pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa foi preso em Goiânia (GO), cerca de um mês depois de executar o padre Josimo. Ele apontou os irmãos Teodoro da Silva como os principais mandantes do assassinato. Em 1988, Geraldo foi condenado a 18 anos e seis meses de prisão. Fugiu três vezes da cadeia, e num desses momentos de liberdade tentou assaltar um banco e foi morto pela polícia.
Quatro mandantes também foram condenados. Osmar Teodoro da Silva, o “Neném”, principal arquiteto do assassinato do padre, pegou 19 anos, em setembro de 2003; Geraldo Paulo Vieira (que morreu na CCPJ, em Imperatriz, em 1997) e seu filho Adaílson Gomes Vieira foram condenados a 18 anos; Guiomar Teodoro da Silva e Vilson Nunes Cardoso (que deu fuga ao matador, num Corcel 2 amarelo) pegaram 14 anos cada um; João Teodoro da Silva, igualmente envolvido no crime, morreu antes de ser julgado.
Dois dos acusados de também serem mandantes do assassinato – Nazaré Teodoro da Silva, o “Deca”, e Osvaldino Teodoro da Silva – foram absolvidos. O Tribunal de Justiça do Maranhão, no entanto, anulou o júri e os réus recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não pronunciou sua decisão.
Justiça denuncia mais 3 – mais de vinte anos após o assassinato do padre Josimo, outros três acusados de terem mandado matar o padre vão ter de prestar contas à Justiça.
No dia 25 de abril de 2006, o juiz Costa Junior, da 1ª Vara Criminal de Imperatriz, acatou a denúncia oferecida pelo promotor Arnoldo Jorge de Castro Ferreira contra o juiz aposentado João Batista de Castro Neto e os fazendeiros José Elvécio Vilarino e Pedro Vilarino Ferreira, apontados como tendo sido também mandantes do crime.
De acordo com a denúncia, o juiz João Batista e os fazendeiros José Vilarino, Pedro Vilarino, e ainda Osmar Teodoro da Silva e Geraldo Paulo Vieira, reuniram-se várias vezes com o propósito de planejar a morte do padre Josimo, inclusive deliberando acerca da arma que deveria ser utilizada, sobre quem deveria ser contratado para a execução e a forma de pagamento da empreitada criminosa.
Consta ainda na denúncia que, após a prisão de parte dos envolvidos, João Batista, José Vilarino e Pedro Vilarino ajudaram a manter as famílias dos presos, garantindo-lhes auxílio financeiro.