Natan Donadon, o deputado presidiário |
Natan Donadon, preso no Complexo Penitenciário da Papuda após ser condenado a 13 anos e 4 meses por peculato, manteve o mandato de deputado federal graças a uma conjunção de fatores. Três pilares básicos livraram o parlamentar da degola: o PT, que agiu para proteger os deputados mensaleiros João Paulo Cunha e José Genoino, ambos de São Paulo, das cassações quando os respectivos processos chegarem ao plenário; o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), que operou com a bancada evangélica para mostrar que, apesar de pressionado pelo Planalto, ainda tem muita força para provocar estragos quando resolve se articular; um grupo de 100 deputados que se recusam categoricamente a cassar qualquer deputado e ainda criticam o fato de o Supremo Tribunal Federal ter mandado para a prisão um de seus pares.
O voto secreto, unido ao baixo quórum em plenário no momento da votação, também teve um papel essencial. O número de deputados na Casa foi se desintegrando ao longo do dia. Nas portarias do Congresso, 470 parlamentares registraram presença, mas apenas 459 estiveram em plenário. Destes 11 que sequer apareceram no local da votação, 10 são petistas. Isso também ocorreu em outros partidos, como no PMN, cuja deputada Jaqueline Roriz (DF) evitou participar da sessão que decidiria o futuro de Donadon. Apenas 405 (54 a menos) votaram o pedido de cassação — quatro parlamentares utilizaram indevidamente o processo de obstrução, prerrogativa exclusiva do líder da bancada, e não tiveram o voto computado.
O estrago político da absolvição de Donadon provocou um jogo de empurra na Câmara ontem. Acuado pela denúncia de que teria agido para proteger os mensaleiros, o PT jogou a bomba no colo da presidência da Casa, alegando que o cancelamento da sessão ordinária das quintas-feiras — na qual os deputados precisam marcar presença para evitar descontos no salário — contribuiu para que muitos parlamentares viajassem para os estados na tarde de quarta-feira. "Eu soube que não haveria sessão às 15h de quarta, mas não tinha associado isso a uma manobra para salvar Donadon", concordou o líder do PSol na Câmara, Chico Alencar (RJ).
Segundo apurou o Correio, os mensaleiros, especialmente o ex-presidente da Casa João Paulo Cunha (PT-SP), atuaram intensamente para salvar Donadon, em busca de obter crédito político em votações futuras. Dos quatro deputados condenados pelo Supremo Tribunal Federal, nenhum participou da votação. Reabilitando-se de uma cirurgia cardíaca, Genoino está em São Paulo. Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) compareceram à Câmara, mas não apareceram para votar.
"Murro nas ruas"
Quando a sessão de votação foi aberta, às 19h, pelo segundo secretário da Câmara, Simão Sessim (PP-RJ), poucos imaginavam que Donadon pudesse sobreviver à noite de ontem. "A sessão foi marcada para uma quarta-feira, o quórum das portarias estava alto (470), a votação estava marcada para as 19h. Nós demos um murro na cara das ruas e um murro em nós mesmos", alertou Sessim.
O início tranquilo se transformou em tormenta quando um grupo de deputados do chamado baixo clero começou a comentar pelos corredores do plenário: "Querem cassar o Donadon, amanhã pode ser qualquer um de nós", afirmavam, corporativamente. Os defensores da cassação passaram, então, a prestar atenção em algumas situações estranhas. Apenas Chico Alencar e o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA) usaram a tribuna para defender a perda do mandato. Foram acusados de "pegar pesado demais" contra Donadon.
As horas foram passando e o quórum da votação emperrou em quase 400 deputados. O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), foi à Mesa falar com Henrique. "Henrique, vai ser um desastre", previu. O peemedebista esticou por quase duas horas a votação. Alguns partidos, incluindo os integrantes da Mesa Diretora, passaram a ligar aflitos para deputados, na Casa e fora dela. O painel chegou aos 405 votantes. E Donadon voltou para a Papuda ainda como deputado federal.
Tanto o PPS quanto o PSDB recorreram ontem ao STF — o mesmo que condenou Donadon a 13 anos e quatro meses de prisão — para tentar anular a sessão de quarta-feira à noite. As duas legendas alegam que, como o Supremo já havia condenado o deputado à prisão, a decisão pela perda do mandato teria de ser tomada pela Mesa Diretora, não pelo plenário da Casa. "Uma pessoa sem direitos políticos não pode exercer mandato parlamentar", argumentou o presidente nacional do PPS, Roberto Freire (SP). "Foi uma interpretação totalmente equivocada da Mesa", acrescentou.
Colaborou Diego Abreu
Pizza tradicional
Jaqueline Roriz (PMN-DF) também foi beneficiada em 30 de agosto de 2011 — praticamente dois anos atrás — da tradição corporativa do Congresso e do baixo quórum em plenário para escapar da perda do mandato parlamentar. Ela conseguiu 265 votos contra a cassação, 166 votos a favor e 20 abstenções, e acabou absolvida das acusações de recebimento de dinheiro ilícito e uso da verba de gabinete para o pagamento de aluguel do escritório do marido.