Resenha de Welliton Resende
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Conforme Martuscelli (2005), em seu artigo As lutas contra a corrupção nas crises políticas brasileiras, o tema da corrupção tem marcado o repertório de mobilização de diferentes agentes políticos em diversas conjunturas das formações sociais capitalistas. Isso quer dizer que a luta contra corrupção não pode ser caracterizada como um expediente tático utilizado apenas pelas forças políticas em conflito na fase atual do capitalismo. A presença do discurso contra a corrupção nas crises políticas brasileiras de 1930, 1954, 1964, 1992, 2005 e na crise atual, indica claramente que tal repertório de mobilização não é algo típico da conjuntura histórica recente, assim como, sua ocorrência não está adstrita a países periféricos (caso Watergate nos Estados Unidos e operação Mani Pulite na Itália).
Sobre o uso do tema do combate à corrupção no debate político contemporâneo, vale observar, como faz Bratsis (2014), que, com a dissolução da União Soviética no início dos anos 1990, o assunto passou a ocupar o centro das atenções das instituições internacionais, vindo a ser utilizado como
justificativa para que o capital transnacional interviesse na política doméstica dos Estados menos poderosos com vistas a torná-los mais subservientes aos seus interesses.
Ao valerem-se do argumento de que o combate à corrupção se transformaria num mecanismo que garantiria aos países dependentes certo nível de modernização econômica ou política, as instituições internacionais procuraram criar uma espécie de álibi para aprofundar a dependência dos Estados periféricos em relação aos interesses do capital transnacional na conjuntura mais recente.
No caso brasileiro, segundo Martuscelli (2005), se tomarmos como base de análise apenas as crises de 1992, 2005 e 2015-2016, é possível notar que a luta contra a corrupção emergiu como tática política utilizada por certos grupos e classes sociais interessados em desgastar forças sociais influentes no processo político para fazer valer seus interesses particulares. Isso significa que tal crítica nunca aparece dissociada de uma posição acerca da política econômica e social executada por um determinado governo, ou ainda, pelo fato de se apresentar sob um véu universalista–afinal, quem pode ser abertamente a favor da corrupção?–, as lutas contra a corrupção estão profundamente vinculadas aos interesses de classe em disputa na conjuntura. É isso, aliás, que explica a sua seletividade, tão comentada na atual conjuntura brasileira, ou seja, a seletividade do alvo a ser combatido tem relação profunda com os interesses e a correlação das classes em conflito na cena política.
Do que analisamos até aqui, é possível levantar algumas reflexões sobre a natureza e o lugar ocupado pela luta contra a corrupção nos conflitos emergentes nas crises políticas brasileiras recentes. Em primeiro lugar, ainda que sejam vistos até mesmo como comunistas pela oposição de direita, não operamos com a tese de que os governos petistas possam ser caracterizados como governos de esquerda. Preferimos compreendê-los como governos social-liberais e, na melhor das hipóteses, como governos de centro-esquerda, dada a relação que possuem com setores organizados dos trabalhadores e o compromisso que possuem com uma política social mais ampla quando comparada ao neoliberalismo ortodoxo. Uma questão importante a ser analisada seria a crítica à corrupção existente nos partidos social-democratas e comunistas feita pelas organizações e classes populares. No entanto, o tratamento deste tema fugiria aos propósitos deste artigo (MARTUSCELLI,2015).
Por fim, cabe salientar que embora a crítica à corrupção tenha um forte componente retórico universalista, na prática, ela assume uma feição seletiva e particularista. Assim sendo, a ideologia do combate à corrupção tal como evidenciada nas conjunturas aqui consideradas, distante de ser uma simples mentira, uma incoerência ou um cinismo de classe, tem produzido regularmente o efeito de neutralizar a crítica popular à política de Estado, constituindo-se assim como um elemento funcional à própria dominação burguesia (MARTUSCELLI,2015).
Referência:
MARTUSCELLI, Danilo Enrico.Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil. Curitiba: CRV, 2015.