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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A corrupção nas crises políticas brasileiras


Resenha de Welliton Resende
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Conforme Martuscelli (2005), em seu artigo As lutas contra a corrupção nas crises políticas brasileiras, o tema da corrupção tem marcado o repertório de mobilização de diferentes agentes políticos em diversas conjunturas das formações sociais capitalistas. Isso quer dizer que a luta contra corrupção não pode ser caracterizada como um expediente tático utilizado apenas pelas forças políticas em conflito na fase atual do capitalismo. A presença do discurso contra a corrupção nas crises políticas brasileiras de 1930, 1954, 1964, 1992, 2005 e na crise atual, indica claramente que tal repertório de mobilização não é algo típico da conjuntura histórica recente, assim como, sua ocorrência não está adstrita a países periféricos (caso Watergate nos Estados Unidos e  operação Mani Pulite na Itália).

 
Sobre o uso do tema do combate à corrupção no debate político contemporâneo, vale observar, como faz Bratsis (2014), que, com a dissolução da União Soviética no início dos anos 1990, o assunto passou a ocupar o centro das atenções das instituições internacionais, vindo a ser utilizado como
justificativa para que o capital transnacional interviesse na política doméstica dos Estados menos poderosos com vistas a torná-los mais subservientes aos seus interesses.

Ao valerem-se do argumento de que o combate à corrupção se transformaria num mecanismo que garantiria aos países dependentes certo nível de modernização econômica ou política, as instituições internacionais procuraram criar uma espécie de álibi para aprofundar a dependência dos Estados periféricos em relação aos interesses do capital transnacional na conjuntura mais recente.

No caso brasileiro,  segundo Martuscelli (2005), se tomarmos como base de análise apenas as crises de 1992, 2005 e 2015-2016, é possível notar que a luta contra a corrupção emergiu como tática política utilizada por certos grupos e classes sociais interessados em desgastar forças sociais influentes no processo político para fazer valer seus interesses particulares. Isso significa que tal crítica nunca aparece dissociada de uma posição acerca da política econômica e social executada por um determinado governo, ou ainda, pelo fato de se apresentar sob um véu universalista–afinal, quem pode ser abertamente a favor da  corrupção?–, as lutas contra a corrupção estão profundamente vinculadas aos interesses de classe em disputa na conjuntura. É isso, aliás, que explica a sua seletividade, tão comentada na atual conjuntura brasileira, ou seja, a seletividade do alvo a ser combatido tem relação profunda com os interesses e a correlação das classes em conflito na cena política.

Sobre a atual conjuntura brasileira, o autor assim escreveu:

Do que analisamos até aqui, é possível levantar algumas reflexões sobre a  natureza e o lugar  ocupado pela luta contra a corrupção nos conflitos  emergentes nas crises políticas brasileiras recentes. Em primeiro lugar,  ainda que sejam vistos até mesmo como comunistas pela oposição de direita, não operamos  com a tese de que os governos petistas possam ser caracterizados como governos de esquerda. Preferimos compreendê-los como governos social-liberais e, na melhor das hipóteses, como governos de centro-esquerda, dada a relação que possuem com setores organizados dos trabalhadores e o compromisso que possuem com uma política social mais ampla quando comparada ao neoliberalismo ortodoxo. Uma questão importante a ser analisada seria a crítica à corrupção existente nos partidos social-democratas e comunistas feita pelas organizações e classes populares. No entanto, o  tratamento deste tema fugiria aos propósitos deste artigo (MARTUSCELLI,2015).

Por fim,  cabe salientar que embora a crítica à corrupção tenha um forte componente  retórico universalista, na prática, ela assume uma feição seletiva e particularista. Assim sendo, a  ideologia do combate à corrupção tal como evidenciada nas conjunturas aqui  consideradas, distante de ser uma simples mentira, uma incoerência ou um  cinismo de classe, tem produzido regularmente o efeito de neutralizar a crítica  popular à política de Estado, constituindo-se assim como um elemento funcional à própria dominação burguesia (MARTUSCELLI,2015).


Referência:
MARTUSCELLI, Danilo Enrico.Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil. Curitiba: CRV, 2015.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial

Resenha da obra de Bresser Pereira




Por Welliton Resende

Nas sociedades modernas, a classe empresarial e a alta burocracia pública são os dois grupos sociais estratégicos, do ponto de vista político. Em todo este processo, porém, a alta burguesia, formada por empresários e rentistas, e a alta burocracia política, constituída de burocratas profissionais e políticos eleitos, desempenharam sempre o papel político preponderante.  

Ainda que a partir do século XX, quando a democracia tornou-se o regime político dominante e os trabalhadores e as camadas, tanto médias burguesas quanto profissionais, tenham aumentado sua influência graças ao poder do voto, os grandes empresários e a burocracia política foram sempre os principais detentores do poder.  Conforme Polianiy (2000, p.65):
Na virada do século XIX - o sufrágio universal já tinha agora uma abrangência bastante ampla - a classe trabalhadora era um fator de influência no estado enquanto esse sistema não é estabelecido, os liberais econômicos apelarão, sem hesitar, para a intervenção do estado a fim de estabelecê-lo e, uma vez estabelecido, a fim de mantê-lo.

É dentro deste quadro amplo, no qual o Estado é a expressão da sociedade, é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação, que devemos compreender a burocracia pública. O objeto de estudo do presente artigo é proceder à caracterização socioespacial que servirá de base para o desenvolvimento da pesquisa que tem como tema a transparência pública como fator de desenvolvimento regional.

De acordo com Bresser Pereira (1977) quatro classes sociais e suas respectivas elites sucederam-se por longos períodos e eventualmente entraram em conflito na história brasileira, conforme quadro abaixo:
QUADRO 1 – FORMAS HISTÓRICAS DE ESTADO E DE ADMINISTRAÇÃO
CATEGORIA
1821-1930
1930-1985
1990-...
Estado/sociedade
Patriarcal-dependente
Nacional-desenvolvimentista
Liberal-dependente
Regime político
Oligárquico
Autoritário
Democrático
Classes dirigentes
Latifundiários e burocracia patrimonial
Empresários e burocracia pública
Agentes financeiros e rentistas
Administração
Patrimonial
Burocrática
Gerencial
Fonte: Elaboração própria

Assim, a burguesia mercantil e patriarcal proprietária de terras, dominante durante toda o período colonial; a burocracia patrimonialista, que emerge da classe anterior decadente, torna-se dirigente a partir da Independência, e começa a se transformar em burocracia moderna a partir da primeira metade do século XX; a burguesia cafeeira, que, aliada à anterior, promoverá um extraordinário desenvolvimento do país entre aproximadamente 1850 e 1930; e a burguesia industrial, que ganha poder político a partir de 1930.

As formas históricas do Estado no Brasil estão naturalmente imbricadas na natureza de sua sociedade e, portanto, expressam, de um lado, as mudanças por que vai passando a sociedade e, de outro, a maneira pela qual o poder originário -derivado ou da riqueza, ou do conhecimento e da capacidade de organização – é distribuído nesta sociedade.
A primeira forma histórica de Estado, o Estado patriarcal-oligárquico, é patriarcal no plano das relações sociais e econômicas internas e é mercantil no plano das relações econômicas externas. Caracteriza-se ainda pela participação na classe dirigente oligárquica de uma burocracia patrimonial. É um Estado dependente porque suas elites não têm suficiente autonomia nacional para formularem uma estratégia nacional de desenvolvimento: limitam-se a copiar ideias e instituições alheias com pouca adaptação às condições locais.

A partir dos anos 1930, quando começa a Revolução Industrial brasileira, a sociedade passa a ser “industrial”, porque, agora, os empresários industriais tornam-se dominantes, enquanto o Estado torna-se “nacional desenvolvimentista”, porque está envolvido em uma bem-sucedida estratégia nacional de desenvolvimento.

No Estado nacional-desenvolvimentista, dominante entre 1930 e 1980, a classe dirigente é caracterizada por uma forte aliança entre a burguesia industrial e a burocracia pública, e o período é marcado por um grande desenvolvimento econômico. Além de ser o momento da Revolução Industrial, é também o da Revolução Nacional: é o único em que a nação sobrepõe-se à condição de dependência. 

Seu sentido político maior é a transição do autoritarismo para a democracia, mas será marcada por dois retrocessos: um em 1937 e o outro em 1964. Os anos 1980 são de crise e de transição, são o momento em que o país atravessará a pior crise econômica de sua história – uma crise da dívida externa e da alta inflação inercial – que merece o nome de Grande crise dos Anos 1980. Esta crise facilitará a transição democrática, mas, em compensação, debilitará a nação e a tornará novamente dependente. Surge, então, a forma de Estado ainda hoje dominante no Brasil: o Estado liberal-dependente.

Para Bresser Pereira (1977) A partir de 1991, as políticas públicas, embora conservando o caráter social contratualizado durante a transição democrática, tornam-se, no plano econômico, novamente dependentes, passando a seguir à risca as orientações vindas dos países hegemonicamente dominantes. Sociedade e Estado perdem o rumo, o Estado enfraquece-se e torna-se incapaz de fazer o que fizera entre 1930 e 1980: coordenar uma estratégia nacional de desenvolvimento. 

Com as aberturas comercial e financeira, deixa de ter capacidade de proteger-se contra a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio, que caracteriza os países em desenvolvimento, e entra em fase de desindustrialização e quase-estagnação. O retorno à condição de dependência coincide, por pequena diferença, com a transição democrática, porque ocorre em um momento em que as forças políticas que lideraram a transição não contavam com um projeto alternativo para enfrentar a crise do modelo nacional-desenvolvimentista. O quadro abaixo apresenta resumidamente os pactos ajustados: 

QUADRO 2-Pactos políticos
ANOS
PACTOS POLÍTICOS
1930-1959
Popular-nacional
1960-1964
Crise
1964-1977
Burocrático-autoritário
1977-1986
Popular-democrático (crise)
1987-1990
Crise
1991-...
Liberal
Fonte: Elaboração própria

Referência:


Bresser-Pereira, Luiz Carlos & Peter Spink, orgs. (1998).“Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial”. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.


quinta-feira, 13 de junho de 2013

O êxodo dos renegados pedetistas e petistas maranhenses




Vi, na blogosfera da política maranhense, uma fotografia de um triste significado histórico para o centro-esquerda do nosso Estado. O retrato mostra um pouco mais de uma dezena de retirantes da legenda pedetista, simbolicamente posicionados ao redor da esposa e do filho do saudoso governador Jackson Lago. A maioria, fundadores daquela agremiação partidária. Lutadores de longas datas, de diferentes profissões e origens sociais. Identifiquei-os um por um. Afinal, convivi, com quase todos, ao longo de 30 anos, em várias frentes de lutas populares maranhenses. As lembranças de alguns remontam ao longínquo final da década de 70, anos árduos de resistência à ditadura militar. Muitos deles dedicaram os melhores anos de suas vidas à construção e consolidação do PDT no Maranhão. Agora, todos veem os sonhos trabalhistas sucumbirem após o perecimento físico de suas principais lideranças estaduais e nacionais. À margem do processo decisório interno, eles preferem o rompimento político à legitimação de um comando partidário cujos cardeais são acusados de desfigurarem a agremiação e de se locupletarem, a partir de negociatas engendradas em pastas governamentais, onde foram oportuna e convenientemente alocados. A desagregação no arraial dos pedetistas foi rápida e profunda.

No PT do Maranhão, a situação assemelha-se à debandada dos pedetistas. De sua geração fundadora, poucos permanecem por lá. Porém, a abnegação desses militantes, a cada dia transforma-se em desesperança. Foram isolados e alijados dos fóruns de decisão política. A maioria desses remanescentes, pouco a pouco, vai se afastando da vida partidária, outros já arrumaram os teréns e estão prestes a deixar as hostes petistas. É digno de registro que, no PT, a depuração reformista já se arrasta por mais de um quarto de século. O ponto de inflexão foi o V Encontro Nacional ocorrido em 1987, quando teve início, no Partido, a flexibilização das alianças eleitorais. De lá para cá, muitos grupos e militantes do núcleo originário de construção partidária foram expulsos ou deixaram voluntariamente a sigla, por discordarem da progressiva domesticação do PT.

Noutros tempos, durante as prolongadas discussões a respeito da unidade do centro-esquerda maranhense, ouvi, repetidas vezes, o memorável Jackson Lago afirmar que precisávamos “minimizar as diferenças partidárias”. Para ele, diante da avassaladora máquina econômica e política da oligarquia Sarney, éramos obrigados a marchar juntos nos grandes embates político-eleitorais do Estado. No entanto, a profecia da liderança pedetista confirmou-se em sentido negativo: fomos condenados a cerrar fileiras na diáspora. Nesse turbilhão político, alguns se desgarraram de suas agremiações estimulados pelo simples oportunismo de ocasião. Entretanto, a motivação majoritária foi contrapor-se à banalização da ética, ao adesismo conjuntural a toda e qualquer força política conservadora e ao enriquecimento pessoal como primazia da ação política coletiva.

Aliás, como sabemos, no PT, os veteranos e noviços, postos como vencedores desse embate ideológico e político, têm, em poucas palavras, uma resposta cinicamente pronta para todos os males do definitivo pragmatismo partidário: a “construção da governabilidade” e a “falta de uma reforma política” condicionam a nossa ação conjuntural. É um argumento desonesto, cansativo e pouco inteligente. Enfim, de modo deliberado, são reféns e, ao mesmo tempo, fomentadores dessa lógica conservadora de exercício do Governo. Só que, com esse instrumento de persuasão política, eles garantem, invariavelmente, o controle da estrutura partidária, as benesses daí advindas e a reprodução dos paradigmas da política tradicional, antes tão combatida.


*Salvador Fernandes  é economista, servidor Público Federal  e ex-Presidente Estadual do PT/MA

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Corrupção e política



Por Merval Pereira
O Globo

A luta contra a corrupção foi um tema comum nos últimos dias em várias dimensões, especialmente sua relação com a atividade política.

Pelo inusitado da situação, chamou a atenção do mundo a advertência do presidente chinês Hu Jintao, no discurso de abertura do XVIII Congresso do Partido Comunista da China (PCC), de que a corrupção que afeta a sociedade chinesa, classificada de endêmica, “pode provocar a derrubada do Partido e do Estado”.

A solução para o problema, segundo ele, passa pelo aperfeiçoamento do sistema democrático chinês, “com o objetivo de garantir que o povo possa ter eleições e decisões democráticas”.

Embora a democracia de que fala Hu Jintao tenha pouco a ver com a que se conhece no Ocidente, é interessante notar que ele identifica na ampliação das “decisões democráticas” uma das formas de derrotar a corrupção no país.

Na vida real, a China enfrenta denúncias de escândalos de corrupção na política que são divulgadas seletivamente. O líder Bo Xilai, que deveria estar tendo um papel de destaque no atual Congresso, foi expulso do partido e está preso sob acusações diversas, inclusive de assassinato.

Já as informações da imprensa internacional, especialmente do New York Times, sobre enriquecimento de parentes do futuro presidente Xi Jinping e do primeiro-ministro Wen Jiabao são censuradas no país.

Também a presidente Dilma Rousseff encontrou no discurso de abertura da conferência internacional anticorrupção, que o Brasil sedia pela primeira vez, um momento ideal para falar indiretamente dos efeitos do processo de mensalão na política brasileira, especialmente depois que as eleições municipais revelaram um número acima da média histórica de votos brancos, nulos e abstenções:

“O combate ao malfeito não pode ser usado para atacar a credibilidade da ação política tão importante nas sociedades modernas, complexas e desafiadoras. O discurso anticorrupção não deve se confundir com o discurso antipolítica, ou antiestado, que serve a outros interesses. Deve, ao contrário, valorizar a política, a esfera pública, a ética, o conflito democrático entre projetos que nela tem de ter lugar. Deve reconhecer o papel do Estado como instrumento importante para o desenvolvimento, a transparência e a participação política.”

Um pronunciamento perfeito, que separa as questões de Estado das partidárias e dá uma dimensão valorizada da atividade política, muito além do toma lá dá cá a que a própria presidente cede na rotina diária de seu governo.

Recentemente, em uma entrevista ao Prosa e Verso, do GLOBO, por ocasião de seus 80 anos, o intelectual público Eduardo Portella já repudiava a associação automática entre política e corrupção:

— Há um desinteresse político do intelectual. Não que ele deva ser político, mas deve estar o tempo todo assistido por uma consciência política e deve tomar decisões de repercussão política. Isso é fundamental. Alguns são alienados por natureza, interessados apenas em fazer seu sonetinho. Outros são céticos estruturais, é a turma do voto em branco. E há quem seja desconfiado porque confunde política com mensalão. O mensalão é um absurdo da vida política, mas o exercício da política é necessidade da democracia.

O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e coordenador da ONG Voz do Cidadão, acha que a presidente Dilma tem sido mais feliz como chefe de Estado do que de governo. “A impressão que se tem é a de que se entrincheira na função de chefe de Estado para evitar o embate duro e nem sempre limpo e leal da política cotidiana.”

Mesmo na barganha de cargos em campanhas eleitorais, Maranhão ressalta que “ela não cede além dos cargos do Poder Executivo, de resto direito seu, mas evitando o jogo para os cargos das demais instituições de estado”.

Para ele, sua consciência funcional é inequívoca “quando não submete a políticas de governo de interesse partidário as políticas de Estado de interesse público, como quando se relaciona com instituições como as Forças Armadas, os Tribunais de Justiça, o Ministério Público, a Receita Federal, o Banco Central e a Polícia Federal, por exemplo”.

Mais recentemente, Maranhão lembra que a presidente tem feito prevalecer uma política de Estado também com as instituições de controle e gestão, “e aí é que tem feito toda a diferença, reconhecida, inclusive, por organismos multilaterais da área”.