Por Welliton Resende
A concepção jurídico-positiva do Estado burguês, que toma o direito como limitador do exercício do poder, sofre críticas porquanto desconsidera o papel da lei como instrumento de dominação e sua função na organização da violência pública. Consoante Marx e Weber, em toda manifestação histórica de centralização do poder social, este, a despeito de ilimitado, era fundamentado na lei e no direito. Assim, consideram os autores falaciosa a afirmação de que o Estado de direito caminha em sentido oposto ao curso da violência.
Nicos Poulantzas, conceituado filósofo e sociólogo grego, no trabalho O Estado, O Poder, O Socialismo – A Lei, apresenta específica visão do fenômeno jurídico, em análise crítica da postura que toma o direito em face do sistema capitalista. Considera que a lei, longe de constituir conceito antagônico à violência, é parte integrante da ordem repressiva e da organização da coação, exercida por todo o Estado. Diferentemente da corrente prevalecente na filosofia do poder, da qual se aproxima Foucault, entende Poulantzas que o Estado não se vale exclusivamente de uma repressão ideológica, simbólica, pautada em um "consenso" entre dominante e dominado, que se processa no interior do indivíduo, mas que se utiliza de efetiva violência física, manifestada na forma determinada pela lei.
A ideologia dominante, que o Estado reproduz e inculca, tem igualmente por função constituir o cimento interno dos aparelhos de Estado e da unidade de seu pessoal. Esta ideologia é precisamente a do Estado neutro, representante da vontade e dos interesses gerais, árbitro entre as classes em luta [...] (Poulantzas, 1985, p. 179).
Demonstra o autor que, se o consenso fosse perfeito, não haveria "lutas" ou conflitos pelo direito e poder. Essa parcela de dissenso exige a intervenção efetiva do Estado por meio da repressão física.
O uso efetivo da violência se mostra de modo acentuado no Estado capitalista, considerado mais agressivo que os precedentes, na medida em que é o primeiro a deter o monopólio da violência legítima. Fundado em uma legitimidade racional-legal, o denominado "Estado de direito" acumula, como nenhum outro, grande quantidade de meios de coação corporal, concentrando a força organizada.
Poulantzas afirma que é possível constatar a especificidade do Estado capitalista a partir do direito por ele produzido. A noção de sistema axiomatizado, composto por normas abstratas e gerais, formais e estritamente regulamentadas é tipicamente capitalista. A abstração, universalidade e formalidade do direito capitalista encobre a monopolização da violência legítima pelo Estado, opondo-se ao particularismo jurídico revelador das diferenças intersubjetivas. A formalidade e abstração da lei, assim, mostram-se em relação primeira com os fracionamentos reais do corpo social, à luz da individualização dos agentes no processo de trabalho capitalista.
Atuando de forma tanto negativa quanto positiva, a lei funciona, nesse contexto, como organizador da repressão, da violência física organizada. Tendo em vista os "conflitos" persistentes no corpo social, necessário se faz à lei comungar com a aplicação efetiva da coação física. O direito, assim, não intervém contra a violência ou o terror. Funciona como organizador do exercício da violência.
Referência:
POULANTZAS, Nicos. O Estado, O Poder, O Socialismo. Tradução de Rita Lima. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.