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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

"A condição humana", livro de Arendt Hannah

Síntese das ideias centrais do livro "A Condição humana"  de Arendt Hannah"

 por Welliton Resende


Nenhuma vida humana, nem mesmo eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que testemunhe a presença de outros seres humanos. Até mesmo o atual "homo faber".

De todas as atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas, somente duas eram consideradas políticas e constituintes: a ação (praxis) e o discurso (lexis).

É a liberdade da sociedade que requer e justifica a limitação da autoridade política. A liberdade situa-se na esfera do social, e a força e a violência tornam-se monopólio do governo.

A liberdade situa-se exclusivamente na esfera política. A força e a violência são justificadas nessa última esfera  por serem os únicos meios de vencer a necessidade e alcançar a liberdade.

Desse modo, uma vez que todos os seres humanos são sujeitos à necessidade, têm o direito de empregar a violência contra os outros. A violência é um pré-político de libertar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade do mundo.

O conceito de domínio  e de submissão, de governo e de poder, bem como a ordem regulamentada eram tidos como pré-políticos, pertencentes à esfera privada, e não à esfera pública.

Hoje o conformismo é inerente a toda a sociedade.E além disso, houve a desintegração da família. A figura do chefe de família que comandava tudo findou-se. Ocorreu a absorção da família por grupos sociais correspondentes. Vivemos na era da "sociedade de massas".

A sociedade espera de cada um de seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas eles tendentes a normalizar os seus membros, a fazê-los comportar-se , a abolir a ação espontânea ou a reação inusitada.

Grandes números de indivíduos, agrupados numa multidão, desenvolvem uma inclinação quase irresistível na direção do despotismo (poder absoluto), seja o pessoal ou o do governo da maioria.

A triste verdade do behaviorismo e da validade das suas leis é que quanto mais pessoas existem, maior é a possibilidade de que se comportem e menor a possibilidade de que tolerem o não comportamento.

Os feitos perderão cada vez mais a sua capacidade de opor-se à maré do comportamento, e os eventos perderão cada vez mais a sua importância, isto é a sua capacidade de iluminar o tempo histórico.

A nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e portanto da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir da treva  da existência resguardada, até mesmo a meia-luz que ilumina a nossa vida privada e íntima deriva, em última análise, da luz muito mais intensa da esfera pública.

No entanto, há muitas coisas que não podem suportar a luz implacável e crua da constante presença de outros no mundo público.

O homem privado não se dá a conhecer, e portanto é como se não existisse. O que quer ele faça permanece sem importância ou consequência para os outros, e o que tem importância para ele é desprovido de interesse para os outros.



O que chamamos anteriormente de ascensão do social coincidiu historicamente com a transformação  da preocupação individual com a propriedade privada (passou a ser) em preocupação pública

Logo que passou à esfera pública, a sociedade assumiu o disfarce  de uma organização de proletários que, ao invés de se arrogarem acesso à esfera pública em virtude de sua riqueza, exigiram dela proteção para o acúmulo de mais riqueza.

Embora a distinção entre o privado e o público  coincida com a exposição entre a necessidade e a liberdade, entre a futilidade e a realização e, finalmente, entre a vergonha e a honra, não é de forma alguma verdadeiro que somente o necessário, o fútil e o vergonhoso tenham o seu lugar adequado na esfera privada.

Há coisas que devem ser ocultadas e outras que necessitam ser expostas em público para que possam adquirir alguma forma de existência.

Reforço

A esfera pública: o comum 

O termo "público" remete para dois fenômenos distintos embora correlacionados.  acessibilidade: tudo o que vem a público está acessível a todos: pode ser visto e ouvido por todos.

Quando divulgamos um pensamento ou um sentimento através de uma história, bem como quando divulgamos experiências artísticas individuais o privado torna-se de acesso público. A garantia deste fenômeno depende de uma condição essencial: os outros têm de partilhar a realidade do mundo e de nós mesmos. 

No entanto, há sentimentos que não podem ser inteiramente divulgados aos outros no espaço público: a dor física e o amor.

O que é comum: A realidade do mundo tem um bem comum ou interesse comum, na medida em que é partilhado por indivíduos que se relacionam entre si. Com a sociedade de  massas, o homem perdeu a capacidade de viver em comum limitando-se ao mero consumo.

Assim, a filosofia cristã do vínculo da caridade tematizado por S. Agostinho a partir da mensagem de Cristo, é o único princípio capaz de unir as pessoas criando um mundo extraterreno que aceita o amor ao próximo como forma de evitar a condenação do mundo.

As comunidades cristãs foram incapazes de criar uma esfera política própria. Contudo, nas ordens monásticas a esfera pública manifestava-se na adoção comum de regulamentos [por exemplo: a regra de S.Bento] que proibia a excelência e o orgulho defendendo a humildade da ação evangélica.

A recusa cristã do mundo terreno produziu na atualidade um efeito  inverso: verifica-se a intensificação do materialismo e a consequente formação de uma sociedade das massas consumistas desligadas do espírito da comunhão.

Arendt defende, contra o consumo da sociedade de massas, uma comunhão dos interesses individuais pela política, que transcenda o espaço interrgeracional e se afirme de forma estrutural como fenômeno meta-mortal. Neste sentido, ela ultrapassa a salvação da alma como bem comum dos cristãos salientando a função fundamental da ação humana (política) que sobrevive à história quando se manifesta como presença no espaço público.

Na Antiguidade, os homens ingressavam na vida pública através da ação política para alcançarem notoriedade e, assim, escaparem ao anonimato da vida natural da esfera privada. Esta garantia de notoriedade da esfera política conduzia à intenção de ser lembrado para além da morte. A laicização da esfera pública (e consequente perda da preocupação metafísica) é um indício significativo do desaparecimento da esfera pública clássica

De fato, apesar da separação entre a tradição no domínio da religião e a política no domínio do interesse público, tanto a polis grega, como a res publica dos romanos eram herdeiras de uma concepção metafísica, que consagrava a imortalidade da ação como a maior prova de valor político.

Arendt salienta a opinião de Adam Smith segundo a qual a admiração pública que se efetiva na vaidade consumista e a posterior recompensa monetária são intermutáveis possuindo a mesma natureza: ambos são processos subjetivos que tendem a tornar objetiva a esfera pública através de formação de status.

Esta objetividade do status manifesta-se no poder do dinheiro como satisfação das necessidades individuais prontamente transformadas em assunto público. Mas, para Arendt nunca a sociedade de massas empenhada no mero consumo e na subjetividade dos interesses privados, bem como a esfera privada da família e da casa poderá substituir a pluralidade de opiniões na esfera pública da política.

A esfera pública do comum não resulta da igualdade da natureza humana, mas fundamentalmente de um objeto comum - a política - que interessa a todos os indivíduos ainda que sob perspectivas diferentes.

Assim se compreende a pluralidade de opiniões no espaço político. Quando o interesse comum da política se transforma no interesse único privado do regime tirânico e da sociedade de massas surge a destruição da comunhão na esfera pública criando-se as condições para o aparecimento do totalitarismo.

Especificamente, a sociedade de massas destrói a esfera privada e a esfera pública: impede a pluralidade de opiniões num espaço público comum; exclui os homens da casa e da família enquanto refúgios perante o mundo.

A esfera privada: a propriedade 


No âmbito da esfera privada, Arendt realiza uma explicação dos conceitos de propriedade e riqueza inerentes à esfera da família e da casa. Arendt afirma que só com a garantia da propriedade privada e da riqueza necessária à subsistência biológica o homem poderia escapar à escravidão e à pobreza tornando-se, assim, capaz de ultrapassar as necessidades da vida natural e aspirar à cidadania na polis.

Arendt destaca que a mentalidade cristã e o socialismo contribuíram para a desagregação da propriedade e da riqueza, elementos clássicos da esfera privada. O cristianismo encara a propriedade e a riqueza de forma não-individualista, mas como bens partilháveis em comunidade.  O socialismo no seu conjunto defende um modelo cooperativista de administração da propriedade e da riqueza.

Segundo Arendt, viver na esfera privada significava estar privado de ser ouvido e visto por todos numa comunidade política em que os indivíduos partilham objetivamente uma ação política num espaço comum - a polis.

A esfera privada limitava-se a um interesse pessoal circunscrito aos condicionalismos da sobrevivência biológica na família e na casa. Na Antiguidade, os romanos compreenderam que a esfera privada e a esfera pública deveriam coexistir simultaneamente.


O aparecimento do cristianismo contribuiu para a quase extinção da ideia que o lar era um espaço íntimo de privação. Para os cristãos, quer na esfera privada da casa e da família, quer na esfera pública da política o homem procurava o amor ao próximo para obter a salvação e evitar a condenação.

Os afazeres da casa e da família deveriam servir para obter o bem-estar material da comunidade desprovido das honras e do poder, pois a humildade de ação e do sentimento constituía a principal premissa da caridade evangélica.

Na perspectiva cristã, a principal função da política era proporcionar o bem-estar e evitar a privação na casa e na família. Esta responsabilidade cristã da política visava enquadrar o espaço público à luz de uma soteriologia que evitasse o pecado. Para Arendt, o ideal cristão e as teses de Marx partiam de um aspecto comum: a crença que a política não era onipotente.

Para os cristãos, a política era um mal necessário, mas sempre subordinado à teologia. Para Marx, o Estado e a política devem ser extintos sendo substituídos por um modelo [ficção] comunista.

A decadência da esfera pública da polis não foi a consequência direta do cristianismo e do marxismo, foi antes o fato da economia doméstica se transformar em economia política do Estado nação. A decadência da esfera pública foi acompanhada da ameaça da destruição da esfera privada nomeadamente da propriedade.

Arendt critica o equívoco da relação entre, por um lado, a riqueza e, por outro lado, a pobreza enquanto inexistência de propriedade. De fato, o surgimento de sociedades ricas, mas em que não existe propriedade privada demonstra o equívoco da associação entre propriedade e riqueza

Desde a Antiguidade, ser proprietário significava que o indivíduo possuía uma parte do mundo e chefiava uma família. Ou seja, o indivíduo tinha o controle sobre uma parte da população e do território, elementos estes que constituíam no seu conjunto juntamente com os outros elementos do Estado (o Poder, os órgãos do Estado e a lei) o fundamento do corpo político.

Ser privado da propriedade significava ficar impedido de garantir a subsistência do lar e da família (perdendo igualmente a cidadania e a proteção da lei), enquanto ser pobre não implicava necessariamente a perda da propriedade e da cidadania.

Na polis grega, a lei pública regulava a liberdade dos cidadãos na sua ação política separando-se da lei natural do mais forte confinada à família e à casa. Arendt refere que a lei da polis pressupunha a aplicação da ação política a uma espécie de muro separador entre o terreno comum da política e o processo biológico do oikos e não ao ato de legislar nem a um conjunto de proibições. Ou seja, a lei era a lei dos cidadãos da polis e nunca a lei da casa e da família.

Neste contexto, a propriedade assegurava um lugar próprio de subjetividade individual e de domínio da necessidade natural, um lado oculto sem o qual o homem deixaria de ser verdadeiramente humano. A existência da riqueza privada constituía um meio pelo qual o homem não estava dependente de um senhor, mas podia ele próprio empenhar-se na sua subsistência.

A riqueza não significava apenas a acumulação de bens materiais, mas um processo capaz de evitar a pobreza e a escravidão libertando o homem do labor e oferecendo-lhe a possibilidade de superar a necessidade natural, pois só assim seria possível alcançar a plena liberdade na ação política. Contudo, quando o homem procurava ampliar a propriedade, para além da subsistência, sacrificava a disponibilidade necessária para a cidadania na polis.

Até à era moderna, a propriedade era um lugar sagrado. A riqueza da propriedade agrícola estava associada à proteção dos deuses. Porém, na modernidade a propriedade perdeu o caráter sagrado sendo expropriada em favor de uma burguesia e aristocracia em contínua ascensão. Esta situação explica-se, segundo Arendt, porque a propriedade privada era contrária à acumulação de riqueza desejada pela classe capitalista.

Arendt termina a temática em torno de esfera privada com a tese de Proudhon, segundo a qual a propriedade é um roubo. Para Proudhon, a propriedade privada, na medida em que impede a entre ajuda e a produtividade social existente na acumulação de riqueza por parte da classe trabalhadora, deve ser abolida e substituída por um sistema de propriedade cooperativista.


Aprofundamento http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/publico-privado-aristoteles.htm