Jornal Valor Econômico
No dia 21 de agosto, em Brasília, o Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial (Etc) fez um evento de comemoração de seus dez anos de
existência, no qual o ministro-chefe da Controladoria Geral da União
(CGU), Jorge Hage, falou sobre a atuação do órgão e a legislação
aprovada no Brasil, que permite um combate mais efetivo à corrupção. O
que as informações da CGU mostram é que muita coisa vem sendo feita para
coibir o mau uso do dinheiro público e que essas coisas não são
devidamente divulgadas e tratadas pela imprensa.
Pelo contrário,
há inúmeros programas de televisão, inclusive com grande audiência, que
fazem questão de enfatizar casos de corrupção e fraude,
preferencialmente aqueles cujo impacto simbólico é grande, sem jamais
mostrar quanto as instituições no Brasil vêm avançando para coibir tais
males. Nenhum programa de grande audiência disse, por exemplo, que 274
prefeitos eleitos em 2008 tinham sido cassados até 2011. Não saberia
dizer se 274 prefeitos cassados em um total de 5.563 eleitos é muito ou
pouco. O que é possível afirmar é que todos os prefeitos não cassados
acabam por saber que um colega seu perdeu o mandato por causa de algum
ilícito. Somente isso já ajuda no combate à corrupção. Aqueles que
sobreviveram às punições passam a saber que poderá chegar sua vez.
Assim, aprendem que é preciso, para sobreviver, ser menos corrupto e
mais discreto quando se tratar de ilícitos. Resultado: a corrupção tende
a diminuir.
Isso, todavia, não atrai audiência. O que dá
audiência é mostrar uma fraude baseada em meia dúzia de cesárias
alegadamente feitas em homens. A população que vê isso fica com a
impressão que nada é feito no Brasil para combater fraudes com o
dinheiro público. Pior ainda, passa-se a impressão de que estamos no
país mais corrupto do mundo e que nada do que acontece aqui existe em
outros lugares. Para continuar avançando, é preciso criticar, mas é
necessário também reconhecer os avanços, em particular aqueles que não
dependem deste ou daquele governo, mas, sim, que são resultado da
pressão de uma sociedade que gradativamente aumenta seu nível escolar e,
por isso, pressiona mais os políticos para que se comportem de forma
honesta.
Segundo dados do Portal da Transparência do Governo
Federal, foram aplicadas, até o final de agosto, nada menos do que 5.278
penalidades a 3.755 empresas. As pessoas também não escaparam de
punições: 3.040 foram punidas e 3.892 penalidades aplicadas. O Portal da
Transparência apresenta dados detalhados: o nome da empresa e seu CNPJ,
o tipo de punição, que órgão aplicou a punição e em qual unidade da
federação. Aqueles que realmente estão comprometidos com o combate à
corrupção devem divulgar essas informações, e não apenas o que ainda
resta ser feito.
Dados da CGU mostram que, entre 2003 e meados de
2013, um total de 3.670 funcionários públicos foram demitidos, 293
foram cassados, 367 foram destituídos e 91 afastados da função pública. O
total é de 4.421 punições, que foram muito além de simples advertência.
Novamente, para muitos, a pergunta é se esse número é muito ou pouco. É
difícil dizer, mas é correto afirmar que no serviço público a demissão,
suspensão ou cassação de funcionários é uma informação que se espalha
bastante e acaba servindo de alerta para aqueles que querem preservar
seu emprego. Tais punições ajudam no combate consistente e contínuo às
fraudes e à corrupção.
Depois dos protestos de junho, não foram
poucas as pessoas que afirmaram ter passado a orgulhar-se do Brasil,
passaram a gostar de ser brasileiras. Obviamente, o caráter simbólico
dos protestos é fundamental para motivar essa transformação súbita. É
difícil imaginar que alguém passe a ter orgulho do Brasil por que a CGU
está punindo funcionários públicos, por que prefeitos são cassados pelos
Tribunais Regionais Eleitorais ou por que políticos são declarados
inelegíveis por causa de uma condenação no âmbito dos Tribunais de
Contas dos Estados. O povo nas ruas, sua alegria e carisma, causam mais
comoção e mexem mais com a emoção do que tribunais frios e distantes,
cujo papel é punir efetivamente toda sorte de ilícitos. Contudo, no que
tange aos resultados concretos do combate à corrupção, esses tribunais
deixarão um legado muito mais relevante do que o povo nas ruas.
Deveriam, então, ser muito mais motivo de orgulho, orgulho de ser
brasileiro, do que as manifestações.
As instituições brasileiras
vêm constantemente se tornando mais preparadas para combater fraudes e
ilícitos. Isto só se tornou viável por que várias leis foram aprovadas
nos últimos anos - leis que atendem a demandas da sociedade e que,
justamente por isso, tiveram apoio de todas as forças políticas à
esquerda e à direita, no governo e na oposição. Em 2000, foi aprovada a
Lei de Responsabilidade Fiscal, que se tornou para os tribunais um
poderoso instrumento de punição dos administradores públicos
irresponsáveis. Em 2003, foi criada a CGU e em 2004, o Portal da
Transparência. Em 2005, foi regulamentado o pregão eletrônico e em 2008
foi estabelecido o cadastro de empresas inidôneas (CEIS). Várias outras
leis foram aprovadas desde então, com destaque para a Lei de Acesso à
Informação de 2012.
Os manifestantes que foram às ruas em junho
não fazem a mínima ideia de que vários marcos legais vêm sendo
aprovados, ano após ano, que permitem estreitar a margem de manobra de
políticos e administradores corruptos. Tampouco sabem que, em agosto,
foi aprovada a lei 12.846, que permite a responsabilização de pessoas
jurídicas por atos contra a administração pública. Foi mais um passo na
direção correta. Não é papel dos manifestantes ter esse tipo de
informação. O papel deles é fingir que não avançamos em nada e
protestar, para que tudo avance de uma só vez. O mundo real é bem mais
complexo do que isso. É cheio de tecnicalidades, detalhes e nuances, e
cabe aos formadores de opinião chamar atenção para quanto já avançamos,
como sociedade, no combate à corrupção.
A percepção nem sempre
está de acordo com a realidade. Um dos principais exemplos desse fato
está no livro "Freakonomics", que mostra a grande preocupação existente
em relação à necessidade de colocar nos carros cadeirinhas de segurança
para crianças pequenas. Cientistas comprovaram que as cadeirinhas
reduzem de maneira irrelevante a taxa de mortalidade em casos de
acidentes, em geral, por causa da gravidade dos acidentes fatais. Então,
a criança que morreria em um acidente estando fora da cadeirinha também
morreria se estivesse na cadeirinha. Com base na percepção equivocada
de que isso não acontece dessa maneira, são feitas campanhas e aprovadas
leis de uso obrigatório da cadeirinha, quando o que seria mais efetivo
para a redução da morte de crianças pequenas seria uma lei que obrigasse
ao uso de cerca de proteção em piscinas.
De fato, muitos
leitores deste artigo conhece alguém que perdeu uma criança afogada em
uma piscina de algum parente ou amigo. Nesse caso, a percepção da
gravidade de um acidente não guarda relação com a realidade. Na verdade,
as piscinas são mais ameaçadoras do que os carros, e as cercas seriam
mais úteis do que as cadeirinhas. Não há o que fazer para corrigir isso,
o mundo é assim. Muitas de nossas decisões são baseadas mais na
percepção do que na realidade, e muitas vezes as duas estão em conflito.
A
percepção é de que a corrupção só vem aumentando no Brasil, mas não
temos certeza de que a realidade seja essa. A percepção é de que nada é
feito para combater fraudes e ilícitos na administração pública, mas a
realidade nega isso: nossas instituições jurídicas têm atuado fortemente
no combate àqueles delitos, com resultados claros e efetivos. O Brasil
nunca dependeu do voto deste ou daquele ministro do Supremo Tribunal
Federal para combater mais ou menos a corrupção. Quem pensa assim
acredita em mágica. O que tem sido efetivo no combate à corrupção são as
inúmeras ações de procuradores e juízes anônimos espalhados por todo o
Brasil.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto
Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
alberto.almeida@institutoanalise.com