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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A teria democrática de Schumpeter

Joseph Schumpeter (1883-1950)

1 – O bem comum e a vontade do povo

“A filosofia da democracia do século XVIII pode ser expressa da seguinte maneira: o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade.”
Como consequência desse conceito utilitarista (dos teóricos da maximização da utilidade) têm-se o bem comum e a vontade comum. O bem comum é o farol orientador da política, através do qual se pode classificar toda medida tomada pelo homem de boa ou má. 
A vontade comum é a vontade de todas as pessoas sensatas, correspondendo exatamente ao interesse, bem-estar ou felicidade comum; nela as pessoas não divergem, sendo a única divergência que possibilita a existência de uma oposição é a rapidez pela qual cada indivíduo procura a concretização desse bem-estar e felicidade comuns.
Dado que a vontade comum é a mesma, as decisões do povo devem ser tomadas por representantes eleitos por voto popular, em vez de haver uma consulta de cada indivíduo para cada outro indivíduo em cada decisão a ser tomada. Esses representantes estarão apenas executando a vontade da sociedade.
Críticas:
a) Apesar de todos buscarem o bem comum, é possível que ele não seja a mesma coisa para cada indivíduo;
b) Mesmo que houvesse um bem comum suficientemente definido como, por exemplo, a saúde ou a satisfação econômica, ainda sim haveria problemas nas soluções individuais para eles.
c) A vontade individual então, não é a mesma que a vontade geral adotada pelos utilitaristas, ainda mais se tratando do longo prazo.

2 – A vontade do povo e a vontade individual

“ (...) mesmo se as opiniões e desejos do cidadão isolado fossem uma condição perfeitamente independente e definida que pudesse ser usada pelo processo democrático, e se todos agissem nela baseados com racionalidade e rapidez ideais, não se seguiria necessariamente que as decisões políticas produzidas por esse processo, baseado na matéria-prima dessas vontades individuais, não representariam coisa alguma que, convincentemente, pudesse ser chamada de  vontade do povo.
“ (...)Se os resultados satisfatórios para o povo em  geral, a longo prazo, são considerados o teste do governo  para  o povo, então o governo  do povo, da maneira entendida pela doutrina clássica  da democracia, dificilmente a eles corresponderia.” (O governo não é o povo).

3 – A natureza humana na política

O autor estabelece dois contra-argumentos contra a racionalidade humana na política:
a) O comportamento humano é diferente quando influenciado por aglomeração
b) Os consumidores não correspondem à ideia habitualmente sugerida pelos manuais econômicos. 
Um exemplo é o fato de as donas de casa, terem o hábito de insistirem exatamente naquilo que desejam. 
Destes argumentos, Schumpeter conclui dois pontos:
a) Devido ao senso de responsabilidade reduzido e a ausência de vontade efetiva, o cidadão torna-se ignorante e “ (...)desce para um nível inferior de  rendimento mental logo que entra no campo político. Argumenta e  analisa de uma maneira que ele mesmo imediatamente reconheceria como  infantil na sua esfera de interesses reais. Torna-se primitivo novamente. O seu pensamento assume o caráter puramente associativo e afetivo. E isto acarreta duas outras conseqüências  de sombria significação.”
b) “ (...) O importante é que, sendo a  natureza humana na política  aquilo que sabemos, tais grupos podem modelar e, dentro de limites muito largos, até mesmo criar a vontade do povo. Na análise dos processos políticos, por conseguinte, descobrimos não uma vontade genuína, mas artificialmente fabricada. E, amiúde, esse  produto é o que realmente corresponde à volontê générale da doutrina clássica. E, na medida em que assim é, a vontade do povo é o resultado e não a causa primeira do  processo político.

4 – Razões para a sobrevivência da doutrina clássica

“Mas como é possível que doutrina tão patentemente contrária aos fatos tenha sobrevivido até hoje e continuado a ocupar um lugar no coração do povo e na  linguagem oficial dos governos?”
a) A doutrina clássica tem associação com a fé religiosa: incorpora aspectos básicos da fé protestante cristã principalmente no que tange a tratar os seres humanos como iguais. Nesse ponto, os próprios clássicos diziam que não possuíam relação com a fé cristã, mas Schumpeter afirma que sim.
b) “As formas e frases ligadas à democracia clássica estão em muitas nações associadas a fatos e acontecimentos históricos que são entusiasticamente aprovados pela grande maioria.”
("Sem Democracia, não há parlamento livre"-Sarney)
c) A doutrina clássica se ajusta aos fatos com bastante aproximação em alguns casos como exemplo, há as sociedades pequenas e primitivas e sociedades que não sejam primitivas, mas que seja majoritariamente camponesa como é o caso da Suíça.
d) O fato da teoria clássica da democracia lisonjear as massas e os políticos a utilizar para seu benefício, evitando responsabilidades, e também para esmagar os adversários em nome do povo.

A luta pela liderança política

O autor supõe que “o papel do povo é formar um governo, ou corpo intermediário, que, por seu turno, formará o executivo nacional, ou governo”. 
Disto, para Schumpeter, que é contrário à teoria clássica da democracia, “o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor”.
Duas premissas caracterizam o conceito schumpeteriano de democracia:
a) Democracia não é questão de conteúdo (o que o governo faz), mas questão de forma (como se decide o que o governo vai fazer). 
Justificando isso, o autor expõe que há formas não democráticas de poder que satisfazem mais as necessidades da sociedade que alguns casos de formas democráticas de política.
b) As massas são irracionais (o que faz da teoria schumpeteriana ser chamada de elitismo democrático).
A democracia em Schumpeter, então, se caracteriza segundo ele mesmo, por sete pontos:
1) A constituição do Poder Executivo do governo deve se dar mediante um processo de escolha eleitoral, de modo que fica clara a diferença entre a democracia e outras formas de governo;
2)Dá espaço vital à liderança, incluindo então no corpo da teoria o fenômeno chamado por vontade manufaturada;
3) A teoria não negligencia as vontades coletivas autênticas; (Movimentos legítimos de pressão popular)
4) A concorrência no mercado político, tal como no mercado econômico, é imperfeita, isto é, oligopólica e inclui também formas de concorrência desleais e fraudulentas ou limitação de concorrência;
MERCADO POLÍTICO É IGUAL AO MERCADO ECONÔMICO
5) Há uma relação entre a liberdade individual e a democracia: “Se, pelo menos por questão de princípios, todos forem livres para concorrer à liderança política apresentando-se ao eleitorado, isto  trará na maioria dos casos, embora não em todos, uma considerável margem de liberdade de expressão para todos”;
6) Se o eleitorado tem como função primária formar o governo (diretamente ou através de um corpo intermediário), o eleitorado pode também dissolvê-lo; (Poder do eleitorado)
7) A vontade da maioria é a vontade da maioria e não a vontade do povo. Igualá-las não significa resolver o problema de vontades distintas coexistirem.
(Maioria e povo são descolados)

Homologia entre Estado e Mercado na Teoria Democrática de Schumpeter

Afirma o autor: “A razão para a existência da atividade econômica é, naturalmente, a necessidade que povo tem de alimentar-se, vestir-se, etc. 
O fornecimento dos meios para satisfazer essas necessidades constitui o fim social ou o significado da produção. Não obstante, nós todos concordaríamos que essa afirmação seria um ponto de partida irrealista para uma teoria da atividade econômica numa sociedade comercial e que faríamos melhor começando com uma afirmação sobre o princípio de lucro
Da mesma maneira, o significado social ou função da atividade parlamentar é evidentemente votar legislação e, em parte, medidas administrativas. Mas, para compreender de que maneira a política democrática serve a esse fim social, devemos partir da luta competitiva pelo poder e cargos e compreender que a função social é preenchida apenas incidentalmente, por assim dizer, da mesma maneira que a produção é incidental à obtenção do lucro”

Os partidos políticos no procedimentalismo democrático de Schumpeter

Para o autor, “a loja não pode ser definida em termos das marcas que vende, nem o partido definido em termos dos princípios que adota. 
O partido é um grupo cujos membros resolvem agir de maneira concertada na luta competitiva pelo poder político. Se não fosse assim, seria impossível aos diversos partidos adotar exatamente, ou quase exatamente, os mesmos programas”. 
Disto, portanto, surgem as oligarquias partidárias: Os partidos de extrema direita (partidos notáveis) ou esquerda (partidos de massas), para maximizarem a quantidade de seus votos vão gradativamente tentando abranger o centro, seja com mudanças de ideologias (que são realmente mudanças ou que simplesmente aparentam ser) ou de outra forma que os tornem perceptivelmente o partido dos eleitores que por ideologia ou situação se encontram no centro, chegando às oligarquias partidárias, surgindo então os partidos catch all nos sistemas políticos modernos, através desta que é chamada de “longa marcha ao centro”.
Por fim, Schumpeter considera que a existência de mais de um partido concorrendo no mercado político aumenta o poder e a liberdade de escolha do eleitor, o qual, em caso contrário aí sim os teria reduzido praticamente a zero. A coexistência de partidos no regime e anti-regime também aumentam a democracia no sentido em que, para conquistar ou manter o poder precisam ganhar os votos.
Para um idéia geral, Ferreira, estabelece dez pontos chaves na teoria democrática de Schumpeter:
1. Não existe o chamado bem comum, isso pelo simples fato de que, para indivíduos, grupos e classes diferentes, o bem comum significa coisas diferentes;
2. O chamado governo pelo Povo é uma ficção: o que existe, na realidade, ou pode existir, é o governo do povo;
3. O governo é exercido por elites políticas;
4. Essas elites competem no mercado político pela preferência dos eleitores;
5. A concorrência no mercado político, tal como no mercado econômico, é imperfeita, isto é, oligopólica;
6. Os partidos políticos e eleitores atuais no mercado político de maneira semelhante á atuação das empresas e consumidores no mercado econômico;
7. O voto é a moeda através da qual o eleitor compra os bens políticos oferecidos pelos partidos;
8. A soberania popular, embora não seja nula, é reduzida, visto que são as elites políticas que propõem os candidatos e as alternativas a serem escolhidas pelo eleitor;
9. O objetivo primordial dos partidos políticos é conquistar e manter o poder. A realização do bem comum é um meio para atingir este objetivo;
10. A necessidade de maximizar votos impede que os partidos e os políticos sirvam exclusivamente os seus interesses de grupo ou de classe. Os controladores são controlados.
Referências:
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Disponível em: ftp://ftp.unilins.edu.br/leonides/Aulas/Form%20Socio%20Historica%20do%20Br%202/schumpeter-capitalismo,%20socialismo%20e%20democracia.pdf. Acesso em Fev. 2013.

Fonte: Blog do Nomiaeco

Gestão pública e racionalidade administrativa: sobre gestão ambiental urbana no Brasil

 Resenha do artigo de Salviana Pastor


Por Welliton Resende



O presente artigo3 versa sobre a racionalidade administrativa da gestão pública tomando-se como referência a questão ambiental nas cidades brasileiras, ou seja, as contemporâneas relações entre cidade e política. 

O trabalho apresenta como referência analítica três critérios básicos utilizados por Offe (1984) para problematizar a ação político-administrativa nos marcos do capitalismo: (1) atendimento ao estatuto jurídico, (2) consensos de natureza teleológica e (3)acordos de natureza extralegal.

Parte-se da perspectiva de que, nos marcos do capitalismo, a propriedade privada e o contrato são instituições centrais e que esse modo de produção ‚[...] como um todo é absolutamente dissipador, e tem de continuar a sê-lo em proporções sempre crescentes‛ (MÉSZÁROS, 1989, p. 27).

Nesse sentido, a gestão pública da questão ambiental tem feição predominantemente empresarial.

De acordo com Harvey (1996), a partir dos anos 1980, processos como a reestruturação produtiva, a mundialização da economia, o desemprego e a crise fiscal teriam provocado a formação de vasto consenso entre os governos locais no sentido de que as cidades adotassem postura mais agressiva na competição por investimentos privados e por empregos.

Essa postura resultou na superação de métodos e objetivos do planejamento urbano tradicionais.  Assim, o planejamento estratégico de cidades traduz a ideia de gestão empresarial para o setor público.

São cidades competitivas aquelas que se pautam pela perspectiva de atração de capitais, empresas, turistas e capacidades. Por sua vez, cidades sustentáveis são aquelas que se fundam no sentido de favorecer articulação harmoniosa entre desenvolvimento econômico, respeito à natureza e preservação do meio ambiente natural e construído.

O que é disjunção? Vem se disseminando, porém, um apelo pela confluência das ideias de competitividade e sustentabilidade que, muitas vezes, coloca em xeque a agenda dos governos das cidades despreparados para essa dinâmica da inovação (OLIVEIRA, 2001).

No Brasil, os principais problemas ambientais se situam em áreas rurais, como sequelas da expansão capitalista direcionada pela busca indiscriminada por recursos naturais, como água e terra.
Nas áreas urbanas vem se aguçando questões que decorrem da precariedade ou ausência de abastecimento de água, esgotamento sanitário e limpeza.

Nos territórios urbanos esses problemas incidem mais fortemente sobre os moradores que habitam as áreas precárias e segregadas que também tendem a ser culpabilizados, de forma combinada, pela violência e pela de má gestão do manejo dos resíduos sólidos.
 
A racionalidade administrativa da gestão urbana da questão ambiental é de feição empresarial.
Na demarcação dessa questão partiu-se de dois pressupostos:  1) a reprodução do sistema capitalista tem suporte em um processo sistemático de dissipação dos recursos naturais; 2) a gestão pública é premida a estabelecer negociações, formular e desenvolver ações que, muitas vezes, se distanciam do marco regulatório definido no campo da gestão estatal configurando particularidades à racionalidade administrativa.

Ao privilegiar a gestão urbana da questão ambiental no Brasil, pode-se apreender que a vida urbana traduz relações conflitantes entre capital, Estado e usos dos recursos ambientais.

O dano causado ao meio ambiente é um dos alicerces das relações pertinentes à adaptação dos territórios urbanos aos estágios do desenvolvimento das forças produtivas, do trabalho, do mercado e do consumo. E configura-se em um campo permanente de tensões entre as teses da sustentabilidade e da insustentabilidade.

No caso da gestão urbana da questão ambiental no Brasil, o processo de administração pública, ao mesmo tempo em que se assenta no predomínio da gestão de feição empresarial, afasta-se do próprio marco regulatório. 

A racionalidade administrativa se manifesta de forma enviesada incapaz de reverter a crise ambiental instalada nas cidades do Brasil.