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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Jorge Hage: O poder da transparência


 Jorge Hage*,  em O Globo

 
Saber é poder. Conhecer aquilo que se passa nos meandros da administração aumenta o poder de atuação do cidadão e dá a ele a possibilidade real de colocar em prática o desejado controle social sobre as instituições. Nós, na Controladoria-Geral da União, não temos nenhuma dúvida disso. Portanto, comemoramos com entusiasmo os dois anos de vigência da Lei de Acesso à Informação (LAI).

De fato, sem informação, não há como exercer controle algum sobre coisa nenhuma. E, por isso mesmo, fazer o discurso político sobre o controle social sem, todavia, abrir as informações é pura retórica. Felizmente, no caso do governo federal, caminha-se, nos últimos anos, a passos largos, na direção da transparência nas coisas públicas.

Várias medidas já foram adotadas, a começar pela iniciativa de publicar na internet as despesas realizadas com o dinheiro público (o Portal da Transparência da CGU). A isso se seguiram a divulgação das faturas dos cartões de pagamento, a lista de empresas inidôneas, o Portal da Copa, os salários das autoridades e dos funcionários etc. Mas nada foi tão significativo quanto a aprovação da LAI, que permitiu o exercício de um direito previsto na Constituição de 1988, mas que dependia de regulamentação. Agora, além de acessar tudo o que o governo já publica, o cidadão pode pedir o documento específico que lhe interessa.

Muitos não acreditavam que fosse possível, em prazo tão curto, vencer as resistências e superar uma cultura de 500 anos de opacidade, onde o sigilo era a regra (e a publicidade, a exceção). Pois bem. O Brasil (ao menos na esfera federal) mostrou que isso é possível. Basta que haja vontade política e se mobilize a competência técnica disponível nos quadros da administração, onde existe um amplo contingente de profissionais altamente qualificados e dispostos a servir ao país.

Assim é que hoje podemos mostrar que, dos 173.744 pedidos formulados pelos cidadãos no período de quase dois anos (16/5/2012 a 5/5/2014), 169.422 (ou sejam, 98%) já tenham sido respondidos, sendo que 77% deles, positivamente. Apenas 11% foram negados, e 12% pediam informação inexistente ou fora da área do órgão. E mais: as respostas foram dadas no prazo médio de 13 dias (quando a lei permite até 30 dias). Olhando para esses dados, é possível afirmar ainda que o percentual de satisfação é da ordem de 94%, uma vez que apenas em 6% dos casos o cidadão recorreu contra a resposta.

São números que revelam tratar-se de uma iniciativa vitoriosa.

Essa realidade, no entanto, ainda não está generalizada em todos os poderes e em todas as instâncias federativas. Conquanto seja compreensível que pequenos municípios (que são a grande maioria) ainda enfrentem dificuldades, não se justifica a inércia dos demais.

Embora fora de suas estritas atribuições, a CGU vem oferecendo auxílio e assessoramento aos que a procuram, por meio de seu Programa Brasil Transparente. Já tivemos a adesão de mais de 1.300 prefeituras, o que ainda é pouco, se temos mais de 5.500 municípios no país. Esse é um dos desafios que permanecem.

Outro é o de fazer com que a LAI seja satisfatoriamente conhecida e usada por todas as parcelas da sociedade e não apenas pelas camadas mais esclarecidas. Mesmo porque uma de suas mais relevantes potencialidades é justamente servir de alavanca para o exercício de outros direitos sociais (o usuário do posto médico pedindo a lista dos médicos que deveriam estar de plantão; ou os servidores na agência do INSS; e assim por diante). É o acesso à informação como porta de entrada para fazer valer outros direitos, inclusive aqueles mais fundamentais. E chegaremos lá.


Hage* é ministro-chefe da CGU.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Corrupção se combate todo o dia



Jornal Valor Econômico

No dia 21 de agosto, em Brasília, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etc) fez um evento de comemoração de seus dez anos de existência, no qual o ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, falou sobre a atuação do órgão e a legislação aprovada no Brasil, que permite um combate mais efetivo à corrupção. O que as informações da CGU mostram é que muita coisa vem sendo feita para coibir o mau uso do dinheiro público e que essas coisas não são devidamente divulgadas e tratadas pela imprensa.

Pelo contrário, há inúmeros programas de televisão, inclusive com grande audiência, que fazem questão de enfatizar casos de corrupção e fraude, preferencialmente aqueles cujo impacto simbólico é grande, sem jamais mostrar quanto as instituições no Brasil vêm avançando para coibir tais males. Nenhum programa de grande audiência disse, por exemplo, que 274 prefeitos eleitos em 2008 tinham sido cassados até 2011. Não saberia dizer se 274 prefeitos cassados em um total de 5.563 eleitos é muito ou pouco. O que é possível afirmar é que todos os prefeitos não cassados acabam por saber que um colega seu perdeu o mandato por causa de algum ilícito. Somente isso já ajuda no combate à corrupção. Aqueles que sobreviveram às punições passam a saber que poderá chegar sua vez. Assim, aprendem que é preciso, para sobreviver, ser menos corrupto e mais discreto quando se tratar de ilícitos. Resultado: a corrupção tende a diminuir.

Isso, todavia, não atrai audiência. O que dá audiência é mostrar uma fraude baseada em meia dúzia de cesárias alegadamente feitas em homens. A população que vê isso fica com a impressão que nada é feito no Brasil para combater fraudes com o dinheiro público. Pior ainda, passa-se a impressão de que estamos no país mais corrupto do mundo e que nada do que acontece aqui existe em outros lugares. Para continuar avançando, é preciso criticar, mas é necessário também reconhecer os avanços, em particular aqueles que não dependem deste ou daquele governo, mas, sim, que são resultado da pressão de uma sociedade que gradativamente aumenta seu nível escolar e, por isso, pressiona mais os políticos para que se comportem de forma honesta.

Segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal, foram aplicadas, até o final de agosto, nada menos do que 5.278 penalidades a 3.755 empresas. As pessoas também não escaparam de punições: 3.040 foram punidas e 3.892 penalidades aplicadas. O Portal da Transparência apresenta dados detalhados: o nome da empresa e seu CNPJ, o tipo de punição, que órgão aplicou a punição e em qual unidade da federação. Aqueles que realmente estão comprometidos com o combate à corrupção devem divulgar essas informações, e não apenas o que ainda resta ser feito.

Dados da CGU mostram que, entre 2003 e meados de 2013, um total de 3.670 funcionários públicos foram demitidos, 293 foram cassados, 367 foram destituídos e 91 afastados da função pública. O total é de 4.421 punições, que foram muito além de simples advertência. Novamente, para muitos, a pergunta é se esse número é muito ou pouco. É difícil dizer, mas é correto afirmar que no serviço público a demissão, suspensão ou cassação de funcionários é uma informação que se espalha bastante e acaba servindo de alerta para aqueles que querem preservar seu emprego. Tais punições ajudam no combate consistente e contínuo às fraudes e à corrupção.

Depois dos protestos de junho, não foram poucas as pessoas que afirmaram ter passado a orgulhar-se do Brasil, passaram a gostar de ser brasileiras. Obviamente, o caráter simbólico dos protestos é fundamental para motivar essa transformação súbita. É difícil imaginar que alguém passe a ter orgulho do Brasil por que a CGU está punindo funcionários públicos, por que prefeitos são cassados pelos Tribunais Regionais Eleitorais ou por que políticos são declarados inelegíveis por causa de uma condenação no âmbito dos Tribunais de Contas dos Estados. O povo nas ruas, sua alegria e carisma, causam mais comoção e mexem mais com a emoção do que tribunais frios e distantes, cujo papel é punir efetivamente toda sorte de ilícitos. Contudo, no que tange aos resultados concretos do combate à corrupção, esses tribunais deixarão um legado muito mais relevante do que o povo nas ruas. Deveriam, então, ser muito mais motivo de orgulho, orgulho de ser brasileiro, do que as manifestações.

As instituições brasileiras vêm constantemente se tornando mais preparadas para combater fraudes e ilícitos. Isto só se tornou viável por que várias leis foram aprovadas nos últimos anos - leis que atendem a demandas da sociedade e que, justamente por isso, tiveram apoio de todas as forças políticas à esquerda e à direita, no governo e na oposição. Em 2000, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que se tornou para os tribunais um poderoso instrumento de punição dos administradores públicos irresponsáveis. Em 2003, foi criada a CGU e em 2004, o Portal da Transparência. Em 2005, foi regulamentado o pregão eletrônico e em 2008 foi estabelecido o cadastro de empresas inidôneas (CEIS). Várias outras leis foram aprovadas desde então, com destaque para a Lei de Acesso à Informação de 2012.

Os manifestantes que foram às ruas em junho não fazem a mínima ideia de que vários marcos legais vêm sendo aprovados, ano após ano, que permitem estreitar a margem de manobra de políticos e administradores corruptos. Tampouco sabem que, em agosto, foi aprovada a lei 12.846, que permite a responsabilização de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública. Foi mais um passo na direção correta. Não é papel dos manifestantes ter esse tipo de informação. O papel deles é fingir que não avançamos em nada e protestar, para que tudo avance de uma só vez. O mundo real é bem mais complexo do que isso. É cheio de tecnicalidades, detalhes e nuances, e cabe aos formadores de opinião chamar atenção para quanto já avançamos, como sociedade, no combate à corrupção.

A percepção nem sempre está de acordo com a realidade. Um dos principais exemplos desse fato está no livro "Freakonomics", que mostra a grande preocupação existente em relação à necessidade de colocar nos carros cadeirinhas de segurança para crianças pequenas. Cientistas comprovaram que as cadeirinhas reduzem de maneira irrelevante a taxa de mortalidade em casos de acidentes, em geral, por causa da gravidade dos acidentes fatais. Então, a criança que morreria em um acidente estando fora da cadeirinha também morreria se estivesse na cadeirinha. Com base na percepção equivocada de que isso não acontece dessa maneira, são feitas campanhas e aprovadas leis de uso obrigatório da cadeirinha, quando o que seria mais efetivo para a redução da morte de crianças pequenas seria uma lei que obrigasse ao uso de cerca de proteção em piscinas.

De fato, muitos leitores deste artigo conhece alguém que perdeu uma criança afogada em uma piscina de algum parente ou amigo. Nesse caso, a percepção da gravidade de um acidente não guarda relação com a realidade. Na verdade, as piscinas são mais ameaçadoras do que os carros, e as cercas seriam mais úteis do que as cadeirinhas. Não há o que fazer para corrigir isso, o mundo é assim. Muitas de nossas decisões são baseadas mais na percepção do que na realidade, e muitas vezes as duas estão em conflito.

A percepção é de que a corrupção só vem aumentando no Brasil, mas não temos certeza de que a realidade seja essa. A percepção é de que nada é feito para combater fraudes e ilícitos na administração pública, mas a realidade nega isso: nossas instituições jurídicas têm atuado fortemente no combate àqueles delitos, com resultados claros e efetivos. O Brasil nunca dependeu do voto deste ou daquele ministro do Supremo Tribunal Federal para combater mais ou menos a corrupção. Quem pensa assim acredita em mágica. O que tem sido efetivo no combate à corrupção são as inúmeras ações de procuradores e juízes anônimos espalhados por todo o Brasil.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com