Resenha do texto da professora Vera da Silva Telles
A autora se preocupa com a cidadania e a pobreza e é guiada pela seguinte questão: Quais as possibilidades de a cidadania se enraizar nas práticas sociais, como parâmetro para reger as relações sociais, como regra de civilidade e medida das reciprocidades que se esperam da vida em sociedade?
O primeiro artigo visa explicitar, a partir da obra de Hannah Arendt, a noção de espaço público e sua importância na constituição de um mundo comum, o qual se humaniza na medida em que se torna objeto de diálogo entre os homens.
A partir da modernidade, a religião e a tradição deixaram de ser os referenciais que regiam a vida humana, de modo que se romperam os automatismos do cotidiano, e o homem perdeu critérios seguros para a compreensão do mundo, o que o levou à perda da capacidade de discernimento entre a verdade e a mentira e da noção de realidade, comprometendo sua capacidade de pensamento, enfim, reduzindo tudo a objeto da razão instrumental. A conseqüência disso foi a dissolução do referido mundo comum.
Para Arendt, o mundo comum compreende duas dimensões:
i- a comunicável, que se refere àquilo que é relevante para a esfera pública, distinto da esfera privada;
ii- a valorativa, que se refere aos critérios de discernimento sobre a relevância, a justiça, a legitimidade, a verdade, a factualidade, cujos critérios se constituem a partir de referências que orientam o homem no mundo.
Isso torna ainda mais grave a perda do espaço público, enquanto espaço de constituição do mundo comum, pois significa a perda da possibilidade do homem de se guiar neste, bem como de distinguir a esfera pública da privada.
Mediante tal falta de critérios, os homens voltam-se para as questões privadas, o que gera a perda da responsabilidade perante o mundo e o emprego dos critérios válidos à esfera privada para pensar o público. (Patrimonialismo)
i- a comunicável, que se refere àquilo que é relevante para a esfera pública, distinto da esfera privada;
ii- a valorativa, que se refere aos critérios de discernimento sobre a relevância, a justiça, a legitimidade, a verdade, a factualidade, cujos critérios se constituem a partir de referências que orientam o homem no mundo.
Isso torna ainda mais grave a perda do espaço público, enquanto espaço de constituição do mundo comum, pois significa a perda da possibilidade do homem de se guiar neste, bem como de distinguir a esfera pública da privada.
Mediante tal falta de critérios, os homens voltam-se para as questões privadas, o que gera a perda da responsabilidade perante o mundo e o emprego dos critérios válidos à esfera privada para pensar o público. (Patrimonialismo)
Uma vez que os critérios privados não são compartilhados pela sociedade, afirmam-se através da imposição, destruindo as possibilidades de interação humana, em que os homens possam ser vistos, ouvidos e respeitados como sujeitos de direitos.
A dissolução do espaço público impede que o poder se efetive enquanto acordo temporário entre as múltiplas vontades, deixando de privilegiar a pluralidade humana. Assim, o poder não se constitui na dimensão da ação, enquanto associação entre os homens e, na dimensão do discurso, enquanto troca de opiniões.
A dissolução do espaço público impede que o poder se efetive enquanto acordo temporário entre as múltiplas vontades, deixando de privilegiar a pluralidade humana. Assim, o poder não se constitui na dimensão da ação, enquanto associação entre os homens e, na dimensão do discurso, enquanto troca de opiniões.
Isso coloca em xeque o próprio Estado de direito. A constituição do mundo comum no espaço público, mediada pela linguagem dos direitos, se dá pela ação e pelo discurso, havendo sempre a possibilidade de criação de novos direitos, que é a dimensão mais profunda da cidadania, em que espaço público não se confunde com Estado, de modo que ser cidadão, para além de participar do Estado de direito, é participar da construção desse espaço público.
O desreconhecimento do trabalhador enquanto sujeito de direitos como um dos problemas que influenciaram a constituição do espaço público na sociedade brasileira. Ela discute a noção de pobreza nessa sociedade, a qual é identificada com a incivilidade, atraso e considerada como conseqüência de circunstâncias da vida.
Nesse contexto, o pobre é descredenciado do estatuto de sujeito de direitos, convertendo-se em cliente das concessões do Estado.
Na história do Brasil, os direitos jamais foram formulados segundo a noção de igualdade. O pobre sempre foi visto como parte de uma população carente, considerado como público-alvo de uma série de medidas estatais que oscilam entre o pólo da tutela do Estado e o da repressão policial, mas sempre desprovido da condição de sujeito de direitos, portador de interesses legítimos, aspirações e razões válidas.
Nesses termos, Telles designa como lógica silenciosa da exclusão o processo em que há o não reconhecimento das maiorias pobres como sujeitos com uma identidade, reduzindo-os ao rótulo de incivilizados, o que os descredencia de qualquer possibilidade de participação efetiva na sociedade.
Nesses termos, Telles designa como lógica silenciosa da exclusão o processo em que há o não reconhecimento das maiorias pobres como sujeitos com uma identidade, reduzindo-os ao rótulo de incivilizados, o que os descredencia de qualquer possibilidade de participação efetiva na sociedade.
Assim, a sociabilidade não se completa, na medida que não há garantia de um espaço público onde essa parcela da sociedade possa expressar-se enquanto sujeito de direitos.
Na sociedade autoritária brasileira, existe um critério formal que prescreve o acesso aos direitos sociais, o direito do indivíduo de existir socialmente.
O trabalhador se torna sujeito de direitos somente quando apresenta uma trajetória de trabalho identificável. Segundo esse discurso, o pobre pode redimir-se da condição de pobre através do trabalho com contrato formal, da constituição de uma família estruturada.
Na sociedade autoritária brasileira, existe um critério formal que prescreve o acesso aos direitos sociais, o direito do indivíduo de existir socialmente.
O trabalhador se torna sujeito de direitos somente quando apresenta uma trajetória de trabalho identificável. Segundo esse discurso, o pobre pode redimir-se da condição de pobre através do trabalho com contrato formal, da constituição de uma família estruturada.
Telles resgata do pensamento de Arendt a noção de direito em que as relações sociais se estruturam no espaço de pertencimento, que é a esfera pública, para além das garantias formais inscritas nas leis.
Ela analisa o sentido dos movimentos sociais dos anos 80 no Brasil à luz do pensamento de Arendt, a qual explicitou que espaço público é o lugar onde as diferenças podem ser expressas, representadas em uma negociação.
Os anos 80 foram o momento em que emergiu um novo padrão de reconhecimento de direitos, o qual abriu espaço para o surgimento de procedimentos de arbitragem mais informais, tais como a interpretação de princípios da lei, a transgressão e a produção de jurisdições próprias, localizadas, forjando uma nova forma de contrato no interior dos conflitos, como fruto de negociações. Contudo, o problema da universalização dos direitos ainda hoje persiste.
O Brasil sofreu um rápido e intenso processo de modernização, sem que se reduzisse a desigualdade e sem que se garantissem os princípios básicos de igualdade civil. Assim, Telles conclui que a questão social brasileira reside justamente nessa conjuntura que gera uma ordem legal assimétrica.
Aponta como agravante desta situação o fato de as mudanças na organização do trabalho levarem à retração dos direitos trabalhistas e ao desmantelamento de serviços públicos dos quais depende a qualidade de vida da maioria da população.
Todavia, mesmo nessa situação desfavorável à classe trabalhadora, os movimentos sociais têm conseguido constituir entre o Estado e a sociedade o tecido democrático, colocando a possibilidade de se construir a noção de bem público a partir das iniciativas de organização e mobilização da sociedade civil, as quais se convertem nos instrumentos eficientes de exposição dos conflitos sociais, abrindo espaço para retirar do Estado o poder de definir prioridades.
Por fim, Telles critica a análise dos direitos sociais a partir da discrepância entre suas prerrogativas e a realidade de desigualdade social, antes de mais nada porque a autora considera um equívoco epistemológico transformar a evidência de tal disparidade em pressuposto, encerrando a análise na dimensão presente.
Ademais, tal análise impede que se evidenciem as mudanças que se procedem durante o processo de luta e conquista desses direitos. Destaca duas ideias: a primeira é que os direitos sociais na modernidade são esforços de estabelecimento da justiça social; a segunda é que a destruição desses direitos leva à emergência de contradições e tensões sociais. (Vide as revoltas de junho de 2013).
Para além do discurso que vitimiza os pobres, analisar os direitos sociais, sob a perspectiva dos direitos como regras de sociabilidade, é enfatizar uma nova dimensão em que, mais que instrumentos de satisfação de carências de uma clientela determinada, são formas de sociabilidade, pois estruturam um espaço público.
Sob tal perspectiva, os homens aparecem como portadores da palavra e de reivindicações legítimas, ao invés de recebedores de concessões da sociedade e do Estado.
Ademais, tal análise impede que se evidenciem as mudanças que se procedem durante o processo de luta e conquista desses direitos. Destaca duas ideias: a primeira é que os direitos sociais na modernidade são esforços de estabelecimento da justiça social; a segunda é que a destruição desses direitos leva à emergência de contradições e tensões sociais. (Vide as revoltas de junho de 2013).
Para além do discurso que vitimiza os pobres, analisar os direitos sociais, sob a perspectiva dos direitos como regras de sociabilidade, é enfatizar uma nova dimensão em que, mais que instrumentos de satisfação de carências de uma clientela determinada, são formas de sociabilidade, pois estruturam um espaço público.
Sob tal perspectiva, os homens aparecem como portadores da palavra e de reivindicações legítimas, ao invés de recebedores de concessões da sociedade e do Estado.