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terça-feira, 3 de setembro de 2019

As armas utilizadas pela direita brasileira para manter a desigualdade social



 Por Welliton Resende

Na última década emergiu no cenário político mundial o fenômeno da "nova direita". Em verdade, uma heterogênea constelação  com uma diversidade incrível de correntes se abrigando em um campo gravitacional percebido por Bobbio como uma concepção "binária e relacional". Recolocando-se como campos políticos antípodas (diametralmente oposto) aos tipos ideias de direita versus esquerda.

No entanto, Bobbio usa binarismo com cautela adotando um ponto de partida principal que vai acrescentando inúmeras mediações, questões e complicadores. Entre as gravitações dos dois campos, há algo que fica encoberto que seria um outro binarismo axial: a igualdade versus a desigualdade.

Assim, a impressão que perpassa é que a Direita orienta-se pelo reconhecimento da desigualdade como ordem natural e limite de toda ação política e a Esquerda seria orientada pelo desejo de superar essa ordem e instalar a igualdade.

Guardadas os devidos antagonismos entre as visões, posições, discursos e forças em tensão, o seu leito comum pauta-se na aceitação (ou defesa) da desigualdade de acesso ao poder político e à inclusão como cerne da vida social.

 Theodor Adorno (et al) defenderam a Teoria da Personalidade Autoritária (1950) que diz que os indivíduos têm uma inclinação para o projeto autoritário ou da personalidade democrática  como duas tendências contrapostas de sociabilidade.

Na personalidade autoritária ocorre uma adesão à moral dominante (convencionalismo ou submissão acrítica), a agressividade pautada na recusa do outro e no seu controle, a beligerância e inclinação ao binômio submissão/dominação.

Michel Lowy (2015) estabelece a correlação entre direita(extremada) e o facismo e enxerga traços comuns no: nacionalismo, antiglobalismo, xenofobia, racismo explícito, retórica anti-imigrante, islamofobia, beligerância e intolerância, aversão ao comunismo e na seleção de inimigo (interno e externo).

Rotbard (1979) há uma tendência individualista, racional, progressista e tolerante do liberalismo norte-americano em oposição a um dogmatismo e uma visão imobilista e fechada de mundo dos conservadores.

Coutinho (2018) fala em "conservadorismos" indicando que cada época pode expressar um formato particular de pensamento conversador. A base do conservadorismo são: a prudência, a aceitação de uma ordem natural que condiciona indivíduos e instituições e a recusa de mudanças radicais e utópicas.

 Hirschman (1991) acredita que hoje uma reposição do campo conversador em face do avanço das igualdades civil, política e social. A alteridade (distinção) de fronteiras ocorre pelo princípio da recusa , quanto à percepção da ressignificação contínua dos campos ideológicos. Assim, se a esquerda avança incluindo, a direita organiza-se recusando.

Assim, geraram manifestações do campo conservador a Declaração dos Direitos do Homem, a emergência das massas na política e o surgimento do Welfare State. (O neoliberalismo poderia ser uma forma de insurgência do campo conservador?)

Para Hirschman a retórica conservadora se baseia em três teses: I- Tese da perversidade (refuta as mudanças propostas pela políticas públicas); II-  Tese da futilidade (há riscos de a política ser inócua, incapaz de produzir os efeitos desejados); III-Tese da ameaça (risco de perda substancial de algum ganho já existente pela adoção de nova política.

Somadas as teses produzem uma matriz discursiva que banaliza, aponta a impotência e o ridículo de políticas públicas deslegitimando-as.

No Brasil, as armas da "nova direita" utilizam-se das três retóricas de Hirschman e também da guerra híbrida (falsificação histórica e do marco teórico, com associações perversas entre temas, eventos ideias que de fato não ocorreram como ocorre nas fake news).

As ideologias e os porta-vozes são robustecidos por intelectuais, ideólogos, militantes, formadores de opinião. Suas arenas são: imprensa, mídias sociais e mundo acadêmico.

Boaventura (1998) diz qua há um movimento contratualista na 1ª fase (ampliação de direitos e expansão da cidadania) e um pós-contratualista na 2ª fase (redução da cidadania). 

Para Boaventura há um movimento reativo recente com a reorientação para o conflito político, uma vez que ocorre a retirada do direito do outro para a manutenção de seu próprio direito (cobertor está curto).



O texto foi baseado na obra de Vera Cepeda.








sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Um discurso sobre as ciências

Resenha da obra de Boaventura de Sousa Santos


Por Welliton Resende





Nesta obra, Boaventura nos convida "a voltar às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que, como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz à nossa perplexidade."



O paradigma dominante


Trata-se do modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna, mas se distingue do senso comum e das chamadas humanidades (filologia, direito, literatura etc). A nova racionalidade científica também é um modelo totalitário pois nega o caráter racional a todas as outras formas de conhecimento se não forem pautados por seus princípios epistemiologicos e por suas regras metodológicas.

A ciência moderna desconfia sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata.  

Em decorrência da centralidade da Matemática nas ciências modernas decorrem dois efeitos:
a) conhecer significa quantificar (o que não é quantificável é irrelevante);

b)conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações ( Descartes: "dividir cada uma das dificuldades...em tantas parcelas quanto for possível e requerido para melhor as resolver").

A natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemiológicos e das regras metodológicas. 

As leis da ciência moderna privilegiam o como funciona das coisas e rompe com o senso comum.  No senso comum a causa e a intenção convivem harmonicamente; na ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da intenção.


Um conhecimento baseado em leis tem como pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se repete no futuro (ex, as leis de Newton). Ou seja, a ideia de mundo-máquina.

Convém ressaltar, que esse é também o horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia (o estado positivo de Comte; a sociedade industrial de Spencer; a solidariedade orgânica de Durkheim).

De acordo com a primeira vertente, por maiores que sejam as diferenças entre os fenômenos naturais e sociais é sempre possível estudar os últimos como se fossem os primeiros. Para conceber os fatos sociais como coisas (Durkheim) é necessário reduzir os fatos sociais às suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis.

As ciências sociais têm um longo caminho a percorrer no sentido de se compatibilizarem com os critérios de cientificidade das ciências naturais. Eis as lacunas:

 A- não dispõe de teorias explicativas que lhes permita abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada;

B-não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e determinados;

C-não podem produzir previsões confiáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire;

D-os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam captar pela objetividade do comportamento; e,

E- as ciências sociais não são objetivas porque o cientista social não pode libertar-se , no ato da observação, dos valores que informaram a sua prática em geral e, portanto, também, a sua prática de cientista.


A segunda vertente, por seu turno, reivindica para as ciências socais um estatuto metodológico próprio. O argumento fundamental é que a ação humana (práxis) é radicalmente subjetiva. O nosso comportamento, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato extremo pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes.

A ciência social será sempre uma ciência subjetiva e não objetiva como as ciências naturais, ou seja, terá sempre de compreender os fenômenos sociais a partir de atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações.

A crise do paradigma dominante

1)O modelo atual baseado na ciências naturais atravessa uma profunda e irreversível crise. Como exemplo disso, temos o Princípio da Incerteza de Heisenberg (não se sabe qual o deslocamento exato feito pelas partículas, o que impede a definição da sua localização, trajeto, tempo, direção e sentido.)

Novas concepções:

"Em vez de eternidade, a história;
Em vez de determinismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização;
Em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução;
Em vez da ordem, a desordem;
Em vez da necessidade, a criatividade e o acidente".

As leis têm um caráter probabilístico, aproximativo e provisório. A simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse humano, ficam por conhecer.

Nas demais ciências a noção de lei tem vindo a ser parcial e sucessivamente substituída pelas noções de sistema, de estrutura, de modelo e, por último, pela noção de processo. O declínio da hegemonia da legalidade é concomitantemente do declínio da hegemonia da casualidade.


2)A reflexão epistemiológica versa mais sobre o conteúdo do conhecimento científico do que sobre a sua forma. O rigor ao afirmar que a personalidade do cientista destrói a personalidade da natureza. 


Houve uma espécie de "industrialização da ciência" onde esta se comprometeu com os centros de poder econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das prioridades científicas. Esse processo se mostrou tanto ao nível das aplicações da ciência como ao nível da organização da investigação científica.

A comunidade científica ficou estratificada, as relações de poder tornaram autoritárias e desiguais e a esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios.

A investigação capital-intensiva tornou impossível o livre acesso ao equipamento, o que contribuiu para o aprofundamento do fosso, em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, entre os países centrais e os países periféricos.

O paradigma emergente

Teses que levam ao novo paradigma:

I-Todo o conhecimento científico-cultural é científico-social
À medida em que as ciências naturais se aproximam das ciências  sociais estas aproximam-se das humanidades. O sujeito regressa investido da tarefa de fazer erguer sobre si uma nova ordem científica.

II-Todo conhecimento é local e total
Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização. O conhecimento é  tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto sobre o qual incide.

É hoje reconhecido que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico  faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos.

No paradigma emergente o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal. O conhecimento pós-moderno é também total porque reconstitui os projetos cognitivos locais, salientando-lhes a sua exemplaridade, e por essa via transforma-os em pensamento total ilustrado.

A ciência do paradigma  emergente assume uma postura tradutora, ou seja, pode ter o seu conhecimento utilizado fora do seu contexto de origem. Mais acessível.

III-Todo o conhecimento é auto-conhecimento
A ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistêmico mas expulsou-o, tal como a Deus, enquanto sujeito empírico.

Um conhecimento objetivo, factual e rigoroso tolerava a interferência dos valores humanos ou religiosos. Foi com base nisso que se construiu a distinção dicotômica sujeito/objeto.

Parafraseando Clausewitz: "podemos afirmar hoje que o objeto é a continuação do sujeito por outros meios". Por isso todo conhecimento científico é auto-conhecimento.

IV-Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum
A ciência moderna produz conhecimentos e desconhecimentos. Se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão comum um ignorante generalizado.

A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial.

A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo. Ele tem um dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico.

Deixado a si mesmo, o senso comum é conservador e pode legitimar prepotências, mas interpenetrado pelo conhecimento científico pode estar na origem de uma nova racionalidade.