Por Welliton Resende
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Na obra são lançadas as teses fundamentais do materialismo histórico: teoria da luta de classes e a da revolução proletária, a doutrina do Estado e da ditadura do proletariado.
Marx aponta nesta obra uma das características do Estado centralizado moderno: a constituição de um aparelho militar e civil (exército, burocracia).
O golpe de estado de Luís Bonaparte em dezembro de 1851 é descrito por Marx como condicionado pelo desenvolvimento das forças e relações de produção durante a monarquia burguesa.
Marx não só retrata os acontecimentos como resultado de processos derivados da economia, mas também como acontecimentos ligados a imagens do passado, presos a tradições que persistem apesar da transformação contínua das condições materiais de vida.
A análise de Marx, do evento de 1848 a 51, mostra o papel central das formas simbólicas que incluem a tradição, o que levou o povo de volta ao passado e impediu que eles agissem para transformar a ordem que os oprimia.
Para a Teoria Contemporânea do Estado Capitalista, a obra deixou alguns ensinamentos:
1)A natureza de classe do Estado capitalista como atributo “objetivo”
Para Nicos Poulantzas (1971), uma teoria marxista do Estado capitalista deveria abandonar de vez as proposições economicistas e instrumentalistas e adotar uma perspectiva funcional acerca do Estado em geral (e não apenas do Estado capitalista). Ele deveria ser percebido como a instituição responsável por excelência pela coesão social e, portanto, pela reprodução das relações de classe que caracterizariam um dado modo de produção.
De acordo com essa perspectiva, o Estado beneficia a classe dominante não porque esta o controla, mas porque o Estado é afinal a instituição responsável pela reprodução do sistema social em que aquela classe ocupa a posição dominante (o Estado é o “fator de ordem” social).
Uma teoria marxista do Estado capitalista deveria identificar o caráter de classe do Estado a partir de sua função de reprodução da ordem social burguesa. Os especialistas tomaram a funcionalidade do Estado capitalista para a sociedade capitalista como um pressuposto.
O Estado é capitalista porque reproduz o sistema capitalista; e reproduz o sistema capitalista porque é um Estado capitalista” e não pode deixar de fazê-lo. Miliband chamou esse raciocínio de superdeterminismo estrutural.
Poulantzas insiste que a relações estabelecidas entre a burguesia e o Estado capitalista são “relações objetivas”. Ou seja, ele é obrigado por definição a cumprir.
Assim, o que o Estado faz em cada situação particular e a todo o momento é completamente determinado por essas ‘relações objetivas’”.
2)A oposição entre interesse “geral” da classe e o interesse “egoísta” dos membros da classe
A distinção entre interesse geral da classe dos capitalistas e interesse egoísta dos membros particulares dessa classe foi uma tese absolutamente fundamental para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista.
Não se pode confundir o interesse geral da classe burguesa – no caso, a manutenção do sistema capitalista – com os pensamentos, os propósitos e os desejos que habitam as cabeças dos burgueses individuais – a busca “mesquinha” pelo lucro individual.
Sendo assim, é possível ponderar que o interesse real (mas inconsciente) de um empresário particular (isto é, a manutenção do sistema social no qual ele ocupa posição privilegiada) pode ser realizado não por ele, mas por uma instituição distante dele e dos imperativos do mercado capitalista.
Essa instituição é, para os marxistas, o Estado. Mais ainda: é possível imaginar que o Estado, a fim de garantir os interesses gerais da classe, seja obrigado a assumir funções (políticas, ideológicas e econômicas) fundamentais para a reprodução do sistema e, ao fazê-lo, seja obrigado a enfrentar e a contrariar os interesses imediatos dos membros particulares da classe dos capitalistas.
Para que o Estado seja o representante de uma classe não é preciso mais pressupor uma relação de intimidade entre ambos, ou de controle estrito do primeiro pela segunda. Pelo contrário, ao menos no que concerne ao Estado capitalista, quanto mais separado ele estiver da classe burguesa, mais eficientemente realizará a sua função.
Não importa o que o Estado tem de fazer; o que deve ser feito deve sê-lo, necessariamente, porque é funcional para a reprodução do sistema capitalista. E os conflitos políticos entre o Estado capitalista e os setores da burguesia e de suas classes aliadas são meros “conflitos superficiais” e só serviriam para ocultar o fato de que “no fim das contas”, “em termos gerais” etc., o Estado sempre funcionará para atender aos interesses gerais daquela classe.
O Estado capitalista torna-se, assim, uma espécie de poder supremo, capaz de ver tudo e de fazer tudo em nome do modo de produção capitalista. Nesse sentido, os agentes estatais que o comandam e operam teriam de ter muito mais autonomia e liberdade de ação (contradição).
3) A autonomia do processo político
É necessário fazer a distinção entre “autonomia relativa do Estado capitalista” (ou autonomia do Estado) e a “autonomia do processo político” (ou, como utilizado aqui, autonomia da política).
A autonomia do Estado é fruto da própria estrutura do modo de produção capitalista – que consagra a separação, relativa, entre o nível jurídico-político e o econômico.
Já o processo político remete a situações particulares que se desenvolveriam no interior desse limite estrutural do modo de produção (a separação, constitutiva desse modo, entre a esfera da economia e a esfera do direito e do Estado).
O grau de autonomia do processo político dependeria, portanto, de variáveis conjunturais, de como a luta de classes se desenvolvesse num determinado país e das opções feitas pelos grupos políticos que brigariam pelo poder num dado momento.
Assim, se o processo político pode seguir o seu curso com razoável autonomia, produzindo resultados inesperados, nada impede que as ações estatais possam, dependendo da dinâmica da luta política, gerar impactos desestabilizadores sobre a ordem burguesa.
Portanto, a disfuncionalidade do Estado para a dominação burguesa não é uma possibilidade lógica, mas prática.
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua vontade, em circunstâncias livremente escolhidas por eles; ao contrário, estas circunstâncias eles as encontram acabadas, dadas, herdadas do passado” (Marx)