Governo e racionalidade administrativa em Maquiavel

A dialética entre Virtú e Fortuna seria capaz de explicar o sucesso ou ou fracasso de projetos de poder



Por Welliton Resende



Maquiavel não é idealista como Thomas More (1478 – 1535) na Utopia. É realista.  O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta. Seu maior interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado, procurando compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.

Conclui, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei.  Maquiavel observou que o estadista deve contar, para ter sucesso, com sua própria capacidade pessoal, sua determinação ferrenha. Deve dirigir sua energia para um determinado objetivo. A essas qualidades Maquiavel denominou Virtú. 

Também observou que o estadista, ou político, não poderá garantir-se apenas com suas qualidades pessoais, intrínsecas. Deveria contar também com a sorte (para o bem ou para o mal), a oportunidade, o acaso, ou, como preferem alguns, o destino. Ao imponderável, Maquiavel referia-se como Fortuna.
 

A dialética entre Virtú e Fortuna seria capaz de explicar o sucesso ou ou fracasso de projetos de poder.


Para Maquiavel, o governo fundamenta-se na incapacidade do indivíduo de defender-se contra a agressão de outros indivíduos a menos que apoiado pelo poder do estado. A natureza humana, porém, mostra-se egoísta, agressiva e gananciosa. Por isso mesmo, os homens vivem em conflito e competição, o que pode acarretar uma anarquia declarada a menos que seja controlada pela força que se esconde atrás da lei.

O governo para ser bem sucedido, quer uma monarquia ou república, deve objetivar a segurança das propriedades e da vida, sendo esses os desejos mais universais da natureza humana. "os homens esquecem mais depressa a morte do pai que a perda do seu patrimônio” (O Príncipe, cap. XVII).

Assim, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado.


As repúblicas apresentariam três formas: a aristocrática, na qual uma maioria de governados se encontra diante de uma minoria de governantes, tal como Esparta; a democrática em sentido restrito, em que uma minoria de governados se acha diante de uma maioria de governantes, como em Atenas; e a democracia ampla, quando a coletividade se autogoverna, isto é, o Estado se confunde com o governo, como em Roma após a instituição dos tribunos da plebe e a admissão do povo à magistratura.

Maquiavel acreditava que a forma perfeita de governo republicano é aquele que apresenta características monárquicas, aristocráticas e populares de forma harmoniosa e simultânea, ou seja, uma república mista.

O Estado maquiavélico existe na medida em que não dependa de qualquer vontade estranha, na medida em que seja soberano. Não aceita nenhuma autoridade externa que imponha limites à sua ação, nem a existência de grupos internos que pretendam escapar do seu poder soberano, limitando os desejos individuais de cada um em favor do interesse geral através das leis.


O Estado existe para proteger cada indivíduo contra a violência e defender a coletividade contra ataques externos. A capacidade de um estado defender-se depende também da popularidade do governo, que será tanto maior quanto maior for o sentimento de segurança que conseguir transmitir a seus cidadãos.

E como garantir a soberania do Estado? Primeiramente, deve-se ter a consciência de que a lei reguladora das relações entres os estados é a luta. Se não molestar os demais, buscando viver em paz dentro de seu território, fatalmente será molestado pelos demais pois ” É impossível que uma república consiga permanecer tranquila e gozar sua liberdade dentro de suas fronteiras: porque se não molestar as demais, será molestada por elas; e daí lhe nascerá o desejo e a necessidade de conquistar.”  (Associação com a filosofia beligerante dos Estados Unidos).

Maquiavel transparece a confiança que depositava nas virtudes do governo popular, desenvolvendo a ideia de que “a multidão é mais sábia e constante do que um príncipe”, pois ao comparar um príncipe e um povo subordinado às leis, verifica que o povo mostra qualidades superiores às do príncipe, porque é mais conforme e constante; se ambos estão livres de qualquer lei, resulta que os erros do povo são menos numerosos e mais fáceis de ser reparados do que os do príncipe.

A participação popular no governo é essencial para manutenção da unidade política, tendo em vista que um povo dócil ou aterrorizado não encontra forças ou motivação para defender as causas do Estado como coisa sua, por não se identificar como parte do Estado, faltando o sentimento de patriotismo tão exaltado por Maquiavel em toda a sua obra.

Mas essa participação popular não deve ser confundida com a participação popular em um regime democrático. Maquiavel considerava a maioria do homens desprovidos de virtù.

O Estado nacional soberano está autorizado a promover a qualquer preço a prosperidade e a grandeza temporais do grupo humano – a nação, a pátria – por ele representado, sem que isso trouxesse qualquer condenação ou culpa.

A ideia de que a justiça é o interesse do mais forte, o recurso a meios violentos e cruéis para se alcançar os objetivos não foram receitas inventadas por Maquiavel, mas remontam a Antiguidade e caracterizam a sociedade do cinquecento. assim, podemos dizer que o maquiavelismo antecede a Maquiavel, que é responsável pela sistematização das práticas de ação dos detentores do poder, fazendo da prática uma teoria.

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