quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Conhecimento, trabalho e obra: uma proposta metodológica para a educação profissional



Por Jarbas Novelino Barato

O trabalho não é só ganha-pão, mas também realização que dá sentido à vida.  Aprendi que o orgulho de um profissional por uma obra bem-feita é um aspecto fundamental do saber do trabalhador. 

As lições de meu pai podem indicar caminhos interessantes. Por isso, quero explorar aqui algumas possibilidades do sentido da obra na formação profissional e em comunidades de prática. Para nos referirmos a ofícios como o que foi exercido por meu pai, costumamos utilizar o termo ‘mão-de-obra’.

Alguém já me disse que o citado termo supõe um outro: cabeça-de-obra. Ou seja, nossa linguagem comum consagra a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual. E se tal separação indica que o sentido da obra só pode ser apreendido pelos senhores da concepção, o fazer carece de significado para os trabalhadores manuais. Essa maneira de ver os saberes no trabalho ignora, penso eu, os modos pelos quais o conhecimento se estrutura no interior das atividades produtivas.

Separação entre concepção e execução certamente priva o trabalhador de poder. O sentido da produção passa ser um privilégio das gerências (NOBLE, 1977). Mas não o priva necessariamente de entendimento e compreensão daquilo que realiza. Mesmo em profissões que perderam conteúdo e foram simplificadas, parece que os trabalhadores continuam a entender que seus fazeres resultam em obra. Porém, os analistas do saber do trabalho costumam ignorar a insistência dos trabalhadores manuais em construir atos de intencionalidade para dar sentido ao fazer. 

A possibilidade de reduzir as atividades produtivas a execuções sem inteligência exigiria, além do empobrecimento do conteúdo do trabalho, uma mão-de-obra geneticamente desprovida de capacidades intelectuais. Como análises convencionais das atividades laborais costumam ignorar tal circunstância, às vezes é preciso recorrer à ficção. Em Brave New World, Huxley nos mostra que trabalhadores manuais incapazes de intencionar a obra precisam ser programados para tanto desde sua concepção in vitro.

Estudos orientados pela Teoria da Atividade sugerem que uma das fontes de mudança à implantação e uso de sistemas tecnológicos é a ruptura causada por atos de resistência dos trabalhadores e cidadãos.

Ignorar a inteligência do trabalhador manual faz parte de um jogo que desqualifica aqueles cujas funções foram ou são muito simplificadas. Tal ignorância serve para justificar decisões gerenciais supostamente baseadas em domínio do processo produtivo. 

Um caso emblemático nesse sentido é a conhecida história de Schmidt, o trabalhador escolhido por Taylor para ilustrar a relação entre a gerência orientada por princípios científicos da organização do trabalho e um trabalhador manual. Cabe notar que mesmo entre os críticos de Taylor, Schmidt continua a ser visto como um trabalhador sem inteligência, incapaz de perceber o sentido de suas atividades.

Na narrativa de seu encontro com Schmidt, Taylor, segundo Mike Rose, caracteriza aquele trabalhador como alguém incapaz até de realizar boa parte de tarefas não especializadas. A história toda, contada para justificar um controle radical das atividades de produção, reflete certamente muitos preconceitos. Convinha rotular o trabalhador braçal como alguém desprovido de saberes.
Schmidt é visto e descrito por Taylor como uma máquina de carregar lingotes. Como possui certa inteligência, apesar de limitada, pode ser instruído verbalmente. E é isso que faz o analista, utilizando descrições de movimentos mecânicos para “programar a máquina” do modo mais eficiente. Não importa nada como o trabalhador vê a atividade, nem como a processa social e psicologicamente. Essa é a perspectiva que decorre da visão de mão-de-obra no âmbito da organização científica do trabalho.
Examinemos a questão a partir de estudos sobre situações mais recentes acerca da natureza do trabalho na sociedade industrial. O ideal taylorista, concretizado em medidas de organização científica do trabalho na década de 1970, é expresso por Durand da seguinte forma:
O operário não terá a possibilidade de fazer o trabalho de acordo com sua idéia. Ensinar-lhe-ão a melhor maneira de trabalhar. Os operários serão selecionados e treinados para executar um trabalho no qual se especializarão “para que cada um possa desempenhar o trabalho o mais complexo compatível com suas aptidões naturais, da maneira mais rápida e com máxima eficiência”. 

Este trecho mostra uma intenção de conduzir o trabalho em conformidade com determinações gerenciais. Mas implicitamente reconhece que o trabalhador poderia “fazer o trabalho de acordo com sua idéia”. Impedir que isso aconteça é o objetivo central do taylorismo. O comentário de Durand aponta ainda mais elementos que nos interessam numa discussão sobre aprender a trabalhar. Destaco-os a seguir:
• Aos operários será ensinada a melhor maneira de trabalhar.
• Os trabalhadores serão ”especializados”.
• Complexidade do trabalho será adequada à aptidão dos trabalhadores.

Quem decide a melhor maneira de trabalhar são os analistas das atividades produtivas. Cabe lembrar que tais melhores maneiras de trabalhar são definidas a partir de critérios de produtividade alheios aos ritmos humanos. Essa circunstância foi retratada de modo genial por Charles Chaplin em Tempos modernos. A especialização, no contexto em que Durand a situa, é na verdade uma redução do trabalho a seus elementos mais simples, mecânicos. Não é, como poderia sugerir o uso mais comum da palavra, um aprofundamento de saber.

Finalmente, há a questão da aptidão, baseada em crenças de que os seres humanos nascem com certos dons que podem ser identificados e usados para fins produtivos. É bom lembrar que, nas primeiras décadas do século passado, orientação e seleção profissional eram as atividades mais populares de articulação entre educação e trabalho. 

Daine Ravitch mostra como tal modo de ver as capacidades humanas articulou trabalho e formação profissional, sob o guarda-chuva da Escola Nova, justificando o caminho não acadêmico da educação para os filhos dos trabalhadores. 

No Brasil, o exemplo mais claro de adoção de projetos de seleção e orientação profissional é o Idort, cujo projeto original era o de selecionar [cientificamente] a mão-de-obra mais adequada para as demandas da indústria nacional.

Aptidão dos trabalhadores é uma expressão que esconde (ou desvela) o viés ideológico justificador do rótulo de falta de inteligência ou de rudeza aos profissionais que exercem ocupações manuais socialmente desvalorizadas.
Uma das conseqüências do quadro que acabo de esboçar é a de que a formação profissional dos trabalhadores passou a ser vista nos mesmos moldes que aqueles utilizados para a análise do trabalho. Ou seja, os aspectos metodológicos do aprender a trabalhar começaram a ser entendidos como aplicações daquela análise. 

Essa abordagem revela um viés epistemológico: o de que é possível equiparar os resultados da análise objetiva do fazer com o processo pelo qual a ação se estrutura nas pessoas e comunidades de saber. Mas, como observa Broudy: “a estrutura lógica de um saber [supostamente descrita por certos procedimentos analíticos] pode não dar qualquer direção útil de como as pessoas descobrem e aprendem tal saber”.

Uma das conseqüências da crença epistemológica criticada por Broudy é certo tipo de solução pedagógica que ignora os saberes construídos no trabalho e pelo trabalho. Tal solução se diz científica e foi duramente criticada por André Gorz num texto que deveria merecer mais atenção nos meios educacionais. O argumento central de Gorz é o de que interesses alheios aos interesses dos trabalhadores utilizam a “forma ciência” para fazer com que estes últimos aceitem sua suposta ignorância. 

Exemplo de uso da “forma ciência” para mostrar suposta inferioridade dos trabalhadores manuais é o modo pelo qual conteúdos de Química e Biologia são ensinados em cursos de cabeleireiros.

Aspectos explicáveis pelas duas ciências e presentes em técnicas dominadas por profissionais de salões de beleza são convertidos num discurso arcano (inintelígiveis) que leva o profissional a aceitar subordinação àqueles que dominam saberes supostamente inacessíveis a quem não tem “formação científica”. 

As propostas de orientações metodológicas baseadas em competências têm origem parecida com a pretensão de usar dados de análise das atividades produtivas como categorias orientadoras de uma pedagogia da formação profissional (HYLAND, 1994). Tais propostas desconsideram o saber que se constitui no e pelo trabalho. Quero sugerir um outro caminho. Um caminho que busca enfrentar o desafio de descobrir no interior do próprio trabalho bases capazes de fundar uma metodologia de formação profissional

Para construir, ou re-construir, uma pedagogia baseada em saberes do trabalho, penso que é necessário examinar duas questões importantes:

I)matriz interpretativa do conhecimento, que insiste na dicotomia teoria-prática. 

II)sentido que a obra tem na organização da atividade, na constituição de atos de intenção, nos modos pelos quais o trabalhador valora o que faz, na estruturação do saber que resulta em produção, na formação de identidades e re-produção da força de trabalho.
Uma proposta de constituição de uma pedagogia inspirada pelo saber do trabalho, uma vez que as alternativas existentes pouco valorizam os saberes construídos no e pelo trabalho como elementos constitutivos de uma metodologia de educação profissional.


Armadilhas do par teoria e prática
Não é incomum ouvir a seguinte expressão: “é preciso explicitar os fundamentos teóricos da prática”. Quem a diz ou ouve geralmente não mostra qualquer estranheza. Aceita-a como descrição correta de uma relação entre duas instâncias completamente distintas. E mais, julga que há uma subordinação da última à primeira. 

Eventos de ensino são organizados com base em tal relação, sempre prevendo aulas teóricas antes das aulas práticas que fundamentam. Raramente esse modo de pensar é problematizado.

Durante cinco anos (de 1986 a 1991) trabalhei com docentes do Senac São Paulo – e eventualmente de outras instituições – as questões de teoria e prática, utilizando como objeto de estudo e discussão aulas demonstrativas, situações de ensino que reproduziam fazer dos docentes e eram apresentadas a um coletivo constituído por seus pares e por uma equipe supervisora. Certos episódios acontecidos naquelas aulas de demonstração ilustram com muita clareza as armadilhas do par teoria e prática. Narro um deles a seguir.

A aula de demonstração tinha como tema central tipos de cabelo, uma categorização muito útil para a tomada de decisão quanto à aplicação de produtos químicos em tinturas e permanentes. As duas docentes fizeram um ótimo trabalho. Utilizaram diversos recursos expositivos e criaram oportunidades participativas para todo o grupo. Aprendemos (verbalmente) todas as definições e descrições de tipos de cabelo que podem ser úteis no ofício de cabeleireiro. Toda a atividade foi desenvolvida com textos e falas, seguindo passos sugeridos pelos melhores livros de didática. Mas houve um senão. Em momento algum manipulamos cabelos para classificá-los a partir da visão e do tato, dimensões sempre presentes nas definições que nos foram oferecidas. Na discussão acontecida logo após a aula de demonstração, perguntei às duas docentes porque elas não manipularam e nem nos convidaram a manipular os cabelos dos participantes, uma vez que as trinta todos ou quase todos os tipos de cabelos estudados. Obtive a seguinte resposta: “esta é uma aula teórica; a manipulação dos cabelos só acontecerá na aula prática”. 

O caso aqui narrado revela o entendimento predominante do que é teoria e prática no campo didático-pedagógico. Teoria é verbo, explicação, discurso sistematizado. Qualquer experimentação, execução, manipulação está fora do jogo. Depois de bem assentada a teoria, supõe-se que os alunos estarão preparados para aplicá-la. E a aplicação constitui a prática, um fazer guiado pela teoria. Uma prática sem teorização prévia é um ato desprovido de inteligência. Em si mesmo, o fazer não é inteligente
Entendo que a resposta das docentes é um retrato fiel do pensamento hegemônico sobre relações de teoria e prática no campo do ensino. Em outro trabalho, já sugeri abandono do par teoria e prática como referência explicativa para conteúdos de aprendizagem no campo da educação profissional (BARATO, 2003). 
Mas tal sugestão não é fácil de ser implementada. As raízes de tal dicotomia são profundas e baseadas numa tradição filosófica respeitável. Como observa Mark Johson, uma das dificuldades da crítica ao dualismo aqui abordado é a de que nos falta terminologia adequada ao propor um novo modo de ver. Tento esclarecer o ponto com o seguinte comentário de Johson:

A idéia fundamental de uma fronteira entre mente e corpo – e com ela, as dicotomias que a acompanham, como cognição/emoção, fato/valor, conhecimento/imaginação e pensamento/sentimento – está tão profundamente enraizada nos nosso modos ocidentais de pensar que nos é quase impossível evitar o enquadramento de nosso modo de entender mente e pensamento dualisticamente. (...). Ao formularmos a questão “Corpo e mente são um ou dois?”, enquadramos toda a nossa concepção da relação de modo dualístico, uma vez que ela pressupõe que dois diferentes tipos de coisas precisam estar juntos, de alguma forma, como uma. Conseqüentemente, alguém que está procurando encontrar um modo de reconhecer a unidade daquilo que Dewey chamou de “corpo-mente” não contará com o adequado vocabulário para capturar a unidade primordial e não consciente da pessoa humana.

Como se vê no texto citado, os pares antitéticos cuja expressão original é mente/corpo, aparecem de modos muito variados. Assim, às duplas dicotômicas listadas pelo autor podemos acrescentar outras duas, teoria/prática, conhecimento/habilidade, mais freqüentes em conversas sobre ensino e aprendizagem. 

Em todos os pares dicotômicos, as partes componentes são de natureza completamente diferente. Johson diz isso de maneira mais elegante, afirmando que tais pares revelam um fosso ontológico entre mente e corpo. Mas o problema não cessa no nível da caracterização do ser de cada uma das partes. Vai mais longe. Sugere subordinação da segunda (corpo, prática, habilidade) à primeira (mente, teoria, prática).

A meu ver, a proposta mais interessante de enfrentamento do dualismo com o qual estamos nos defrontando é a análise desenvolvida no texto Konwing how and knowing that, segundo capítulo de The concept of mind, do filósofo inglês Gilbert Ryle. Destaco a seguir alguns pontos das observações feitas por Ryle. De acordo com o filósofo inglês, na tradição do pensamento ocidental, a mente é definida por operações que resultam em proposições sistematicamente organizadas para determinar a verdade

Assim, quando falamos do intelecto ou dos poderes intelectuais, referimo-nos primordialmente às operações que constituem a teorização. Por isso, as atividades teóricas que melhor exemplificam nossas capacidades mentais são a Matemática e as Ciências Naturais

Todos os saberes acabam sendo avaliados a partir de tais ciências, pois entende-se que a capacidade de obter o conhecimento das verdades é a propriedade definidora da mente. Nessa perspectiva: Outras capacidades humanas podem ser classificadas como mentais apenas se elas mostrarem que são pilotadas pelo entendimento das proposições verdadeiras. Ser racional é ser capaz de reconhecer as verdades e as conexões entre elas. Agir racionalmente é, portanto, ter as dimensões não intelectuais controladas pela apreensão das verdades sobre a direção da vida.

Na dicotomia criticada por Ryle, transparece o entendimento de que as realizações concretas dos seres humanos são guiadas por uma mente que as concebe, analisa e guia. O corpo, nesse sentido, é um instrumento que mecanicamente cumpre ordens de um piloto alojado num centro de controle chamado mente

Ou seja, a dita dicotomia tem como base o que o filósofo inglês chama de “o fantasma da máquina”. Esse mito fundamenta crença de filósofos e leigos. Ambos (leigos e filósofos) tendem a tratar as operações mentais como exclusivamente intelectuais, considerando que a ocupação principal da mente é a busca de respostas para questões. 

Outras ocupações da mente são meramente aplicações das verdades ou até mesmo desvios destas. Neste último caso, erros de execução são atribuídos à pobreza teórica. Para encaminhar a discussão em outros termos, Ryle sugere que o saber deve ser visto em duas dimensões completamente distintas e independentes

A)saber como (knowing how
 O saber como é constituído por processos de execução que dão fluência à ação

B)saber que (knowing that)
O saber que é constituído por proposições que explicam as coisas, definem-nas, estabelecem critérios de verdade.



Em muitas construções teóricas o fazer precede a teorização e é necessário para que ela ocorra. 


Esses conhecimentos de saber que guardam relação com decisões que explicam cuidados (saber como) na manutenção de vias férreas, por exemplo, fica parecendo que a teoria precede e fundamenta a prática. Esta, porém, é uma visão que ignora história e psicologia na elaboração de saberes ao qual damos o nome de teoria. Ryle aborda a questão mostrando como um dos exemplos clássicos do saber teórico – a formulação de regras da lógica por Aristóteles – conheceu um caminho que começa pela prática:


Regras do raciocínio correto foram extraídas originariamente por Aristóteles, embora os homens soubessem como evitar e detectar falácias antes que aprendessem as lições do filósofo grego, assim como conduzem normalmente suas argumentações sem fazer qualquer referência interna às fórmulas aristotélicas [coisa, aliás, que o próprio filósofo fazia]

Eles não planejam seus argumentos antes de construí-los. Na verdade, se tivessem que planejar o que pensar, antes de pensar, nunca chegariam a pensar; pois tal plano não poderia ser planejado. Os princípios da lógica (saber que) não precedem as estratégias de raciocínio (o saber como). E, depois de estabelecidos, não precisam necessariamente estar presente nas operações do pensamento. 

Ryle, no capítulo aqui mencionado, analisa diversos exemplos de execução para mostrar que o saber como não está subordinado ao saber que. Depois de citar diversos profissionais e seus respectivos saberes no campo da execução, o autor apresenta as seguintes conclusões:

O boxeador, o cirurgião, o poeta e o vendedor aplicam seus critérios especiais no desempenho de suas tarefas específicas, uma vez que estão tentando fazer as coisas certas; eles são elogiados como esclarecidos, habilidosos, inspirados ou sagazes não pelos modos como consideram, se é que consideram de alguma forma, prescrições para conduzir seus desempenhos específicos, mas pelos modos como conduzem os próprios desempenhos. Se o boxeador planeja ou não suas manobras antes de executá-las, sua inteligência no ringue é julgada pela maneira como ele luta. Se for um Hamlet do ringue, ele será condenado como um lutador inferior, embora talvez seja considerado um teórico ou crítico brilhante. A sagacidade na luta aparece em aplicar ou evitar golpes, não em aceitar ou rejeitar proposições a respeito de golpes, assim como a habilidade de raciocinar é exibida na construção de argumentos válidos e a identificação de falácias, não declarações das fórmulas dos lógicos. Nem a habilidade do cirurgião funciona em sua língua expressando verdades médicas, mas somente em suas mãos fazendo o movimento correto. 

Creio que minhas referências à obra de Ryle já tenham sido suficientes para mostrar que subordinação daquilo que a linguagem comum chama de prática á teoria é um engano. Saber como é uma dimensão de conhecimento que não depende de supostos fundamentos (teóricos) que a precedem e fundamentam. Esse modo de ver os saberes é importante em educação. Ele nos permite formular uma orientação aparentemente simples: explicações bem estruturadas não são garantia de execuções fluentes e corretas.

Estas últimas requerem uma aprendizagem própria, pois o saber que lhes é intrínseco não é aplicação da teoria, mas uma dimensão de conhecimento cuja base é um entendimento [geralmente não-verbal] da ação. Convém recorrer a um exemplo para ilustrar a discussão desenvolvida neste item. Na época em que tentava elaborar uma explicação que mostrasse o status epistemológico da técnica (saber como), falei de meus estudos para um amigo completamente afastado de discussões sobre educação profissional. Depois de me ouvir, ele contou uma história esclarecedora.

Nos finais de semana, meu amigo supervisionava obras de uma pequena empresa que construía casas populares. Numa ocasião, viu um trabalhador colocando massa num teto de lajota. A operação parecia simples. Com uma colher de pedreiro, o trabalhador pegava certa quantidade de massa e a lançava á superfície do teto. Na operação tinha o cuidado de manter uniformidade na distribuição da massa. Quando havia uma quantidade suficiente de massa na superfície, o pedreiro utilizava uma desempenadeira para espalhar o material, dando acabamento àquela parte do teto. Meu amigo conseguiu articular toda essa explicação e julgou-se apto a fazer o serviço. Resolveu ajudar o profissional. Pegou uma colher de pedreiro, recolheu a quantidade adequada de massa e lançou-a ao teto. Mas, para sua surpresa, a massa voltou atingindo seu rosto. Ao contrário do que acontecia com a ação do pedreiro, o material não se fixava na superfície da lajota. Meu amigo confundiu explicação com execução. A primeira era um conhecimento ao qual Ryle deu o nome de saber que, a segunda, saber como. Uma e outra exigem aprendizagens distintas. Uma e outra são modos de conhecer com identidade própria. Meu amigo entendeu bem a distinção, tanto que me contou a história que acabo de resumir.

O uso e aceitação acrítica do par antitético teoria/prática tem conseqüências importantes em diversos planos. No plano didático, subordina execução a explicações que supostamente são o conhecimento que lhe dá sustentação, repercutindo a crença à qual Ryle apelidou de o mito do fantasma da máquina. No plano de análise do trabalho, desvaloriza o saber fazer, caracterizando o trabalhador manual como um executor de atividades cujo sentido ignora

Anos atrás, tomei consciência desses papéis da utilização das categorias teoria e prática como definidoras do saber do trabalho ao estudar a formação de cabeleireiros. No plano didático, descobri que uma proposta de aumentar a carga horária “teórica” (ensino de disciplinas científicas relacionadas com profissão) teria como resultado o empobrecimento da formação profissional, pois a conseqüente diminuição da parte prática (repertório de técnicas básicas do profissional de salões de beleza) privaria os formandos de domínios importantes de um saber como essencial em negociações de relações de trabalho. 

No plano de análise do trabalho, as declarações de um proprietário de uma grande cadeia de salões indicavam que o uso do par teoria e prática era muito conveniente para promover modos de administração da “mão-de-obra” com prejuízos evidentes para esta. A declaração a que me refiro foi a seguinte: “a escola precisa formar bem os profissionais em termos de competências sociais e científicas, nós nos encarregaremos da formação técnica, de acordo com necessidades da empresa, demandas de mercado, organização do trabalho e talentos dos profissionais”

Tal declaração sugeria um controle de acesso ao saber técnico que lembra os mecanismos de barreiras de apropriação de técnicas de corte de carne aos quais foram submetidos os aprendizes de açougueiro numa rede de supermercados norte-americanos. Neste último caso, narrado por Lave e Wenger, o programa de aprendizagem em serviço não permitia que os aprendizes ingressassem na área em que os cortes eram executados. A formação ficava reduzida à parte teórica e à acomodação da carne já cortada a embalagens padrão.

Tracei até aqui um panorama que indica necessidade de rever o uso dos termos teoria e prática como instâncias de definição de conteúdos da educação no campo da formação profissional. Além disso, penso que deixei caracterizado o engano de subordinar o saber técnico (saber como) ao saber teórico (saber que). O abandono do mencionado par dicotômico muda modos de ver educação profissional. E muda também modos de ver saberes que se constituem no e pelo trabalho. Toda essa mudança requer novas maneiras de organizar propostas de ensino no campo da formação profissional. Acredito que metodologias que utilizem a obra como princípio orientador nesta direção podem ser uma saída interessante.

"penso que deixei caracterizado o engano de subordinar o saber técnico (saber como) ao saber teórico (saber que). O abandono do mencionado par dicotômico muda modos de ver educação profissional. E muda também modos de ver saberes que se constituem no e pelo trabalho"

Há sempre no horizonte aquele orgulho por uma obra bem-feita que exemplifiquei no início deste artigo com um episódio de minha infância. Mike Rose faz um registro desse fenômeno em seu estudo sobre o saber no trabalho. Em contatos com eletricistas, ele repara que estes insistem em acabamentos bem-feitos, não apenas corretos, embora todo o trabalho vá ficar oculto dentro de paredes. Não importa, dizem-lhe seus interlocutores, a obra, mesmo que oculta, tem uma ”assinatura” de quem a fez. 

Este modo de ver o resultado da atuação profissional sugere que a obra orienta a produção de objetos do trabalho e de identidades de quem a faz. Charles Keller e Janet Dixon Keller enfatizam a importância da obra num estudo que fizeram sobre o ofício de ferreiro. Para bem entender o trabalho, um dos pesquisadores, Charles, aprende o ofício e produz algumas peças que constituem desafios que qualquer profissional da área quer enfrentar. 

Em seus estudos, os autores querem entender uma dinâmica cuja descrição é que a segue:
No caso do trabalho na forja, o conhecimento vem à tona na solução de problemas ao se produzir um artefato. Conhecimentos relevantes incluem a imagem interna do objeto ou o objeto da produção, e a conceitualização da seqüência produtiva por parte do ferreiro. A contraparte externa ao conhecimento é a ação concreta no mundo que produz um fim material.

Obra supõe um engajamento do trabalhador com o resultado de seu trabalho. Mas, além disso, ela supõe também tramas de reconhecimento na comunidade dos praticantes de um mesmo ofício, apreciação estética que se constrói na história, reconhecimento de que o resultado do trabalho tem um significado social. Nem sempre esses aspectos são explicitados verbalmente pelo trabalhador; às vezes, o mesmo é incapaz de reconhecê-los em declarações formais construídas como saber que. As conseqüências disso para a educação profissional geram confrontos significativos: alunos que se comprometem com a beleza da obra na produção não conseguem ver conexões do que fazem com idéias de estética ou discursos sobre responsabilidade social [sobretudo quando apresentados no formato de disciplinas “teóricas” do currículo].

É preciso examinar mais conseqüências da orientação para a obra na direção do saber do trabalho. Mas antes disso, convém visitar uma alternativa concorrente, o saber baseado em competências. Para efeitos de comparação, listo aqui algumas descrições que definem competências essenciais, de acordo com uma síntese que elaborei a partir de estudos sobre documentação produzida por analistas do trabalho no Canadá.

Ler textos.
Usar documentos.
Escrever.
Lidar com números.
Comunicar-se oralmente.
Utilizar as seguintes habilidades de pensamento: resolver problemas, tomar decisões, organizar e planejar tarefas de trabalho, fazer usos especiais da memória, encontrar informação.
Trabalhar com os outros.
Utilizar computadores.
Aprender continuamente.

Talvez meu resumo contenha vieses pessoais. Por isso, acho conveniente reproduzir um pequeno segmento de texto no qual um autor insuspeito descreve competências (JESSUP, 1991)29:

Unidade de competência para apoio em cuidado de saúde
Elemento: prestar assistência para minimizar dor e desconforto do cliente.
Critérios de desempenho:
- o cliente será encorajado a expressar sentimentos de desconforto e dor, e será encorajado a usar métodos de auto-ajuda para controlá-los de acordo com o plano de cuidados.
- o cliente é assistido para manter uma posição confortável consistente com o plano de cuidado ...

Não interessa aqui examinar conteúdo das competências descritas. O que interessa é verificar como o trabalho é entendido. Em ambos os casos, os conteúdos do trabalho são apresentados como aspectos de capacidades individuais a serem utilizadas de acordo com certos planos de produção. Toda a trama social desaparece. O sentido de obra já não está mais no horizonte. O saber do trabalho fica reduzido a capacidades individuais. 

Capacidades estas, aliás, que são apontadas como orientadoras de atividades de aprendizagem no capítulo inicial da obra de Jessup. Voltemos á obra. Como já disse, ela pode orientar percursos de formação profissional. Mas para que isso possa ser feito de maneira consistente, precisamos de referências teóricas que a situem dentro de um quadro explicativo do saber do trabalho. A melhor candidata para isso é a Teoria da Atividade, uma abordagem da experiência humana que leva em consideração a dinâmica das relações entre sujeito e objeto.

Uma primeira aproximação dessa perspectiva nos é apresentada por Kaptelinin e Nardi, que mostram que há uma unidade entre consciência e ação em produtos gerados por interações do indivíduo com pessoas e artefatos em contextos da vida cotidiana. 

Atividades são grávidas de (1)intencionalidade, mesmo que esta última não seja explicitada pelos agentes humanos. Essa flexão na relação sujeito objeto explica, por exemplo, a busca de sentido presente em situações de trabalho nas quais procurou-se separar execução de concepção. O (2)princípio da assimetria entre pessoas e coisas decorre da intencionalidade.

Artefatos, mesmo quando atuam como agentes, não se orientam intencionalmente,  com imaginação e reflexão. Talvez meu resumo das idéias apresentadas pelos autores não seja inteiramente fiel, por isso julgo necessário reproduzir aqui o comentário final de Kaptelinin e Nardi sobre os dois primeiros princípios:

Na Teoria da Atividade as pessoas atuam com tecnologia; as tecnologias são duplamente planejadas e usadas num contexto onde há pessoas com intenções e desejos. As pessoas atuam como sujeitos no mundo, construindo e concretizando suas intenções e desejos como objetos. (3)O princípio do desenvolvimento humano sugere que qualquer atividade humana pertence a um ciclo histórico, e por isso precisa ser entendida dentro do processo sociocultural que a constitui. Tal conclusão já anuncia o quarto princípio, aquele que nos lembra que (4)as atividades humanas dependem de certas configurações sociais e culturais.

Em termos gerais, uma atividade pode ser definida como qualquer processo no qual um sujeito está em interação com o mundo. É preciso ressaltar que, no âmbito da Teoria da Atividade, a categoria mais básica a ser considerada é atividade. É a análise dela que nos permite entender de modo apropriado sujeito e objeto.

Em outras palavras, em termos analíticos, atividade tem precedência sobre sujeito e objeto. Importa, portanto, entender a dinâmica da atividade para entender pessoas e coisas. Esse modo de ver contraria visões de senso comum que julgam ser preciso entender pessoas e coisas para, em seguida, entender relações entre estes dois pólos.

Mas é a atividade que é fonte de desenvolvimento do objeto e do sujeito. Voltemos à obra mais uma vez. Que lugar ela ocupa numa abordagem que utiliza como referência explicativa a Teoria da Atividade? Entendo que podemos definir obra nesse contexto como objeto, ou seja, como um lado do pólo sujeito objeto que tem característica de motivo [um objeto que corresponde a certa necessidade do sujeito]. 

A obra, assim, não é apenas um produto que resulta de processos de produção. Ela é um alvo que mobiliza o sujeito em busca da satisfação de certa necessidade. Tal mobilização passa por saberes socialmente construídos, uso de ferramentas e divisão do trabalho. Passa por efetivação de intenções, julgamentos, valores.

Para completar um resumo sobre Teoria da Atividade, seria necessário examinar o papel das ferramentas, divisão do trabalho, componentes de uma atividade etc. Tal exame ocuparia tempo e espaço não disponíveis neste artigo. Acho, porém, que os delineamentos
aqui elaborados com base em Kaptelinin e Nardi já são suficientes para mostrar uma face importante da obra em atividades produtivas.


Resta explorar mais uma possibilidade explicativa que pode nos ajudar a entender o sentido da obra: a idéia de comunidades de prática. Lave e Wenger sugerem que a aprendizagem é uma dimensão da prática social. Essa definição confronta-se com o entendimento do aprender como internalização de saberes descobertos, transmitidos ou experenciados. Willian F. Hanks, na apresentação da obra em tela, sumariza o entendimento de Lave e Wenger sobre aprendizagem da seguinte forma:

Aprender é um processo que acontece dentro de uma moldura de participação, não numa mente individual. Isso significa, entre outras coisas, que o aprender é mediado por diferenças de perspectivas entre os co-participantes. É a comunidade, ou pelo menos aqueles participantes do contexto de aprendizagem, quem “aprende” nesta definição.

Aprender, como deve ser, é distribuído entre co-participantes, não um ato pessoal. Depois de definir aprendizagem como uma ocorrência social, como desenrolar de um saber socialmente distribuído, Lave e Wenger  introduzem o conceito de participação periférica legitimada para caracterizar os caminhos de saber que aprendizes vão percorrendo em comunidades de prática. 

Num relato sobre a vida de jovens aprendizes de alfaiates entre os Vai e Gola da África Ocidental, os autores enfatizam que, desde o início, os novatos participam da obra, seja limpando o local de trabalho, seja realizando pequenos trabalhos – pregar botões, por exemplo – diretamente relacionados com a produção. Esse modo de aprender – participando da obra – é uma característica da aprendizagem nas corporações de ofício. 

Mas os autores reparam que mesmo em situações em que estão ausentes as relações de produção no interior de uma corporação, os princípios gerais da participação periférica legitimada permanecem. Sugerem, portanto, que tal dinâmica é própria do trabalho e outras práticas sociais nas quais a construção social de saberes é uma necessidade. Em meus estudos sobre o curso de Cabeleireiro no Senac de São Paulo, constatei diversas situações que poderiam ilustrar princípios da Teoria da Atividade ou aprendizagem em comunidades de prática. 

Reparei que, apesar da orientação pedagógica oferecida pela Instituição, os profissionais docentes da área reproduziam, sobretudo nos salões de beleza [empresas pedagógicas], práticas muito parecidas com aquelas que existiam nas oficinas dos velhos artesões. Os educadores do Senac, eu incluso, costumavam ver tais práticas como sintomas de falta de planejamento e de ignorância didática. Achavam que o ambiente de aprendizagem deveria ser organizado de acordo com um plano de ensino orientado pela progressão dos alunos na elaboração do saber necessário ao trabalho como cabeleireiro. 

A situação se repetia em outros cursos no Senac e em outras instituições de educação profissional. Educadores com formação acadêmica teimavam em organizar os curso orientando-se por análises do trabalho que davam nova forma aos ideais de racionalidade defendidos por Taylor. É interessante notar que tais educadores, eu incluso novamente, faziam uma crítica severa ao taylorismo. 

Penso que as sugestões presentes nesta seção ainda são muito preliminares em termos de estudo da obra como instância que orienta o saber no trabalho. Mais investigações sobre Teoria da Atividade e comunidades de prática são ainda necessárias para que possamos construir um quadro explicativo claro e sólido sobre o sentido da obra

Mas já é possível indicar algumas pistas para a elaboração de propostas alternativas à pedagogia das competências. Entre tais pistas, destaco:
O trabalhador, mesmo em situações em que o trabalho foi empobrecido e é controlado por analistas ou gestores distantes da execução, continua a identificar-se com o sentido da obra.

A obra concretiza valores no âmbito estético e ético. Ela compromete o trabalhador com sentimentos de beleza e responsabilidade pelo resultado de seu trabalho.

Celebração da obra é um ato social que envolve comunidade de prática e família do trabalhador.

A obra pode ser equiparada ao objeto da Teoria da Atividade; e como tal ela é motivo que corresponde a alguma necessidade do trabalhador.

Na obra concretizam-se os atos de intencionalidade que permeiam a atividade do trabalhador.

Demandas presentes na relação sujeito objeto na atividade vão construindo socialmente os saberes necessário para a concretização da obra.

Aceito por uma comunidade de prática, o aprendiz, desde o início, participa da elaboração da obra.

O saber no trabalho vai se constituindo na medida em que execuções se concretizam nas relações sujeito objeto.

No âmbito da atividade, o conhecimento não se estrutura  como pré-requisito para a execução, ele se estrutura na medida em que a execução avança. 

Embora a relação de pistas que listei não seja completa, julgo-a suficiente para o convite de formular uma proposta metodológica de organização de ambientes de aprendizagem orientados para a obra.

Obra como referência metodológica em educação profissional

Visões orientadas por conhecimentos declarativos, organizados como proposições que estabelecem verdades dentro de certo campo de saber, sugerem eventos de aprendizagem que sigam certa progressão. Possivelmente começando com teorias que darão sustentação a praticas subseqüentes. O pressuposto de tais visões é o de que o conhecimento é uma construção individual de repertórios para serem aplicados de acordo com determinadas demandas. Mesmo a pedagogia das competências não escapa deste script.

Se quisermos organizar ambientes de aprendizagem de modo a utilizar saberes construídos no e pelo trabalho será preciso operar uma mudança radical. Uma possibilidade nessa direção é considerar a obra como princípio organizador das atividades de aprendizagem em programas de formação profissional. O ponto de partida, no caso, não seria perguntar que conhecimentos, competências e habilidades o trabalhador precisa dominar. O ponto de partida seria perguntar que obras são valorizadas pelas comunidades de prática onde se desenvolve o trabalho do profissional que se pretende formar

Em termos da Teoria da Atividade, tal proposta partiria do objeto da atividade, do motivo. Tal qual em comunidades de prática constituídas em ambientes de trabalho, programas de formação profissional com a orientação aqui sugerida voltar-se-ão para obras bem-feitas, bem acabadas. Numa proposta como essa, não cabem obras executadas apenas para efeitos pedagógicos. 

Desde o início, o aprendiz estaria comprometido com obras reconhecidamente “profissionais”. Isso não significa exigência de perfeição, mas oportunidade para integrar uma comunidade de prática com atos de participação periférica legitimada. Em outras palavras, desde o início o aprendiz se integraria na produção (na atividade). Essa providência garante experimentar “construção social do conhecimento”.

Programas orientados pela obra mudariam substancialmente a organização de currículos e dinâmicas de ensino-aprendizagem. Entre as mudanças que tal abordagem poderia provocar, destaco as que seguem:

As tradicionais turmas homogêneas seriam substituídas por equipes de trabalho cujos participantes teriam diferentes níveis de domínio das técnicas e operações requeridas pelas obras.

Princípios de divisão do trabalho seriam utilizados para atribuir tarefas distintas aos membros das equipes de produção.

Os docentes atuariam como mestres, propondo obras, instruindo os participantes, avaliando resultados parciais e oferecendo orientações, executando – para efeitos demonstrativos – partes do trabalho.

Participantes de todos os níveis negociariam, por meio da execução, significados dos saberes necessários ao alcance da obra.

Avaliações de aprendizagem aconteceriam como julgamentos de operações no processo e na apreciação da obra pronta. Tais julgamentos seriam efetuados tanto por aprendizes
como pelo mestre.

Os “cursos” não teriam data de início e término. A qualificação ou habilitação dos alunos ocorreria de acordo com domínio de processos necessários à produção das obras que integrariam o “currículo”.

Listei apenas algumas das conseqüências de uma abordagem educacional orientada por obras. Percebe-se que as mudanças seriam profundas. Ao mesmo tempo, fica claro que a implantação de tal proposta exigiria um aprofundamento de estudos muito mais completos que as sugestões reunidas neste artigo.

As narrativas de experiências de formação profissional de carpinteiros, eletricistas, soldadores, cabeleireiros e garçonetes, feitas por Mike Rose em seu indispensável O saber no trabalho, mostram isso com clareza. Em todas as situações examinadas pelo citado educador, a obra é o princípio orientador das propostas formativas de trabalhadores

Os docentes envolvidos em tais propostas nem sempre sabem explicar suas decisões de ensino aprendizagem. Mas eles sabem que obra é o objeto central do saber do trabalho.

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