quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Práticas pedagógicas e ensino integrado

Por Ronaldo Araujo e Gaudêncio Frigotto

A proposta de ensino integrado é  o desafio  de pensar práticas pedagógicas que nos aproximem de uma leitura ampla da realidade.

Franco (2005, p. 18), o sentido que deve ser dado ao ensino integrado é o de “[...] completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade social [...]”, já que é, na totalidade, que os construtos particulares se fazem verdade.

Não apenas uma forma de oferta da educação profissional de nível médio, o ensino integrado é uma proposição pedagógica que se compromete com a utopia de uma formação inteira, que não se satisfaz com a socialização de fragmentos da cultura sistematizada e que compreende como direito de todos ao acesso a um processo formativo, inclusive escolar, que promova o desenvolvimento de suas amplas faculdades físicas e intelectuais. Essa forma de compreender o ensino integrado exige a crítica às perspectivas reducionistas de ensino, que se comprometem em desenvolver algumas atividades humanas em detrimento de outras e que, em geral, reservam aos estudantes de origem trabalhadora o desenvolvimento de capacidades cognitivas básicas e instrumentais em detrimento do desenvolvimento de sua força criativa e de sua autonomia intelectual e política.


Consideramos a possibilidade de haver práticas pedagógicas mais adequadas ao projeto de ensino integrado, mas recusamos a ilusão de haver uma única forma de promover a integração parte-todo, teoria-prática e ensino técnico e profissional, no ensino médio. Assumimos o ensino integrado como proposta não apenas para o ensino profissional. O ensino integrado é um projeto que traz um conteúdo político-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos, principalmente.

Ademais, não restringimos a ideia de ensino integrado como o conteúdo de uma concepção de ensino médio, apesar de essa concepção ter fundamentado uma acertada corrente de educação no Brasil. Tomamos a ideia de integração como um princípio pedagógico orientador de práticas formativas focadas na necessidade de desenvolver nas pessoas (crianças, jovens e adultos) a ampliação de sua capacidade de compreensão de sua realidade específica e da relação desta como a totalidade social.

Assim, utilizamos, neste artigo, a expressão ensino integrado, em vez de ensino médio integrado, pois consideramos que as discussões e indicações feitas aqui servem para compreendermos melhor não apenas o ensino médio ou a educação profissional técnica, mas também toda a educação básica assim como a formação humana em geral.

Consideramos, entretanto, que o desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras não depende, apenas, de soluções didáticas, elas requerem, principalmente, soluções ético-políticas . Ou seja, a definição clara de finalidades políticas e educacionais emancipadoras e o compromisso com elas próprias é condição para a concretização do projeto de ensino integrado, sem o que essa proposta pode ser reduzida a um modismo pedagógico vazio de significado político de transformação.

Nossa tese se baseia no pressuposto de que, no Brasil, “[...] as propostas educacionais inovadoras foram aquelas vincadas às lutas por mudanças no projeto societário dominante” (FRIGOTTO, 2010, p. 10). Como ensinava Pistrak (2009), as estratégias de ensino e de organização curricular servem ao projeto de sociedade que assumimos em função de nossa leitura da “realidade atual.” Sem isso definido de modo claro, o ensino integrado, como já afirmamos, pode tornar-se, apenas, um projeto didático estéril.

Buscamos organizar algumas indicações possíveis de ser consideradas nas práticas pedagógicas que se querem orientadas pela ideia de ensino integrado e sustentamos que mais importante que a definição antecipada de técnicas de ensino ou de organização curricular, mais ou menos adequadas ao ensino integrado (apesar de isso ser verdadeiro e necessário), é condição para o desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras que os sujeitos do ensino, principalmente, e da aprendizagem revelem uma atitude humana transformadora, que se materialize no seu compromisso político com os trabalhadores e com a sociedade dos trabalhadores, até porque as práticas educativas não se constituem na escola, tampouco têm implicações que se encerram nela.

Mas, por outro lado, não reduzimos a possibilidade do ensino integrado a um ato de vontade dos docentes e dos gestores educacionais; compreendemos que este depende, também, das condições concretas de sua realização, argumentamos que a promoção de práticas pedagógicas integradoras requer a constituição de um ambiente material que a favoreça e da busca permanente pelo elemento integrador, considerando as realidades:

a) específicas;

B) a totalidade social; e,

C)os sujeitos envolvidos.
                                                                              
Pesquisas sobre o EMI (Ensino Médio Integrado) revelam muitas dificuldades de experimentação de integração

Várias já foram as experimentações de ensino médio integrado, na história recente da educação brasileira . Em pesquisa realizada em 2011, Costa (2012) recuperou trinta e seis (36) teses e dissertações que tinham como o objeto o ensino médio integrado. Com base nessas pesquisas, a autora siste­matizou alguns dos problemas que dificultam a materialização dessa proposta de ensino. 

A pesquisadora situa três ordens de problemas na materialização do ensino médio integrado:

A)problemas de ordem conceitual;

B)de operacionali­zação curricular; e,

C) de organização dos sistemas de ensino


Revela ainda que o EMI não foi compreendido como projeto político­-pedagógico que se compromete com a formação ampla dos indivíduos. Em geral, o ensino integrado tem sido compreendido apenas como estratégia de organização dos conteúdos escolares, sem relevar ao conteúdo ético-político transformador da proposta ou da materialidade de sua operacionalização. Para Costa (2012), isso dificulta a efetivação da proposta de integração do ensino médio e técnico nas escolas e nos sistemas de ensino.

Em síntese, a implementação do ensino médio integrado dentro de uma instituição não se resume à questão pedagógica, a um pro­jeto curricular de ensino. Requer a superação de diversos desafios dentre eles os de gestão; pedagógicos; condições de ensino; con­dições materiais; hábitos estabelecidos culturalmente que limitam a formação integrada dos alunos (COSTA, 2012, p. 38).

Apesar das dificuldades, o projeto de ensino integrado não deve ser abandonado, pelo menos enquanto conteúdo, já que representa um projeto comprometido com a formação ampla dos trabalhadores e se contrapõe às pedagogias liberais da moda. 
Se, por um lado, o ensino integrado tem se revelado de difícil operacio­nalização; por outro lado, as pedagogias liberais, em geral, não ofereceram possibilidades reais de desenvolverem capacidades amplas e ilimitadas dos trabalhadores, que lhes permitam compreender a totalidade social . 
O ensino integrado aqui é reconhecido como proposta de educa­ção com inspiração na ideia gramsciana de escola unitária, mas que não se confunde com ela já que seus limites de formação integral estão dados pela sociabilidade capitalista contemporânea. 
Ao abordar os desafios de desenvolvimento de práticas pedagógicas, sustentamos que uma didática integradora requer, necessariamente, embora de forma não suficiente, uma atitude docente integradora, orientada pela ideia de práxis. 

Trata-se, pois, de compreender a ação pedagógica em sua relação com a totalidade das ações humanas que, sempre, tem repercussões éticas e políticas para a vida social, bem como a necessária dependência entre os saberes específicos e locais ao conjunto de saberes sociais. A ação didática integradora ganha sentido assim enquanto ação ético-política de promoção da integração entre os saberes e práticas locais com as práticas sociais globais bem como quando promove a compreensão dos objetos em sua relação com a totalidade social. 
O ensino integrado é um projeto pedagógico que só pode cumprir com sua finalidade de formar na perspectiva da totalidade se assumir a liber­dade como utopia e mantiver íntima vinculação com o projeto político de construção de uma sociabilidade para além do capital
Por fim, destacamos que, neste artigo, apesar de tratarmos de questões práticas do fazer pedagógico, procuramos evitar a Ideia de normatividade, que implicaria a confecção de um manual orientador do “como fazer.” 
Organização do trabalho pedagógico e ensino integrado

Compreendemos que são várias as possibilidades de arranjos peda­gógicos e curriculares que favorecem as práticas pedagógicas orientadas pela ideia de integração e que são diferenciados os elementos de integração do ensino e da aprendizagem.  A escolha por um arranjo depende de inúmeras variáveis, tais como:

A)as condições concretas de realização da formação;

B)o conhecimento e a maturidade profissional do professor;

C)o perfil da turma e o tempo disponível, mas, decisivo:e, 

D)o compromisso docente com as ideias de formação integrada e de transformação social. 

Apesar de afirmarmos que o ensino integrado não deva ser resumido a um projeto pedagógico, menos ainda a projeto didático ou a um tipo especí­fico de desenho curricular, essas dimensões são verdadeiras e necessariamente devem constituir objeto da preocupação e do labor dos estudiosos e educado­res que se assumem comprometidos com emancipação social
Diferentes são as formas de se pensar os conteúdos necessários à formação de crianças, jovens e adultos capazes de desenvolver a sua capa­cidade de, autonomamente, interpretar e agir sobre a realidade. Diferentes também são as possibilidades de organizar os conteúdos necessários para tal. Mas o fundamental é o compromisso com a formação ampla dos trabalha­dores e a articulação dos processos de formação com o projeto ético-político de transformação social.

Considerando esses dois pressupostos, as formas de reorganização curricular devem ser experimentadas e avaliadas, levando em conta que não há uma única forma, tampouco uma forma mais correta que outra para a efetivação de um currículo integrado, mas que elas têm sempre algum impacto sobre a produção/reprodução da sociedade. 
O currículo, assim como a escola, é espaço de contradição, apesar de reproduzir as estruturas existentes, é “[...] correia de transmissão da ideolo­gia oficial [...]” e, ao mesmo tempo, uma ameaça à ordem estabelecida por oferecer a possibilidade de contribuir para a libertação (GADOTTI, 1992, p. 150). Constitui-se, portanto, em um espaço de luta entre as classes dominantes e as subalternas, refletindo a “[...] exploração e a luta contra a exploração.” 

Considerado assim, o currículo constitui-se em uma arena política de ideologia, poder e cultura. Consiste em um campo ideológico por transmitir e produzir uma visão de mundo vinculado aos interesses dos grupos sociais, por meio das práticas educativas. É um espaço de expressão das relações sociais de poder, visto que se constitui e, ao mesmo tempo, resulta da relação entre as classes sociais; é uma área de conflitos de cultura de classes, em que se trans­mite a cultura oficial e se produz a cultura contestada. Portanto, é considerado um conjunto de ações políticas, determinadas social e historicamente (SILVA; MOREIRA, 2005). 
A educação escolar brasileira tem a sua organização curricular marcada por formas curriculares instrumentais e promotoras de um tipo humano conformado, política e pedagogicamente. A Pedagogia das Competências, que assumiu centralidade, nas formulações educacionais ofi­ciais na década de 1990, inspirada na Filosofia Pragmática, tinha na utilidade prática o critério para a definição e a organização dos conteúdos formativos. 
Assim, os desenhos curriculares organizados com base nesse critério recorriam aos saberes, habilidades e atitudes apenas na medida da possibili­dade de promoverem alguma capacidade específica requerida pelo mercado.
Na perspectiva da integração, a utilidade dos conteúdos passa a ser concebida não na perspectiva imediata do mercado, mas tendo como referên­cia a utilidade social, ou seja, os conteúdos são selecionados e organizados na medida de sua possibilidade de promover comportamentos que promovam o ser humano e instrumentalizem o reconhecimento da essência da sociedade e a sua transformação

Procura-se, com isto, formar o indivíduo em suas múlti­plas capacidades: de trabalhar, de viver coletivamente e agir autonomamente sobre a realidade, contribuindo para a construção de uma sociabilidade de fraternidade e de justiça social. 

A seleção e organização dos conteúdos formativos na perspectiva do projeto de ensino integrado requerem, portanto, a superação das pedagogias de conteúdo liberal, como a Pedagogia das Competências. Alguns princípios podem ser orientadores para a organização de um currículo integrado: 

A)contextualização;

Articulação dos conteúdos formativos com a realidade social e com os projetos políticos dos trabalhadores e de suas organizações sociais. Pistrak (2009) compreendia que a realidade social se constituiria como ponto de partida para os currículos integrados e a realidade social transformada como ponto de chegada. 

B)interdisciplinaridade;

É compreendida como o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, como o princípio da diversidade e da criatividade (ETGES apud BIANCHETTI; JANTSCH, 1995). Para esse autor, a interdisci­plinaridade não toma a fragmentação disciplinar como uma patologia. Esse conceito de interdisciplinaridade pressupõe que é, na totalidade dinâmica, que os construtos particulares se fazem verdade. Para Pistrak (2009), a dificuldade da ação interdisciplinar é que cada disciplina toma seus objetivos específicos como os mais importantes, em vez de subordinar-se a um objetivo geral já que, na escola, cada “[...] ciência deve ser ensinada apenas como meio de conhe­cer e de transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da escola” (PISTRAK, 2009, p. 119).


C)compro­misso com a transformação social. 
 
Revela a teleologia (ciência que se pauta no conceito de finalidade) do projeto de ensino integrado. É esse princípio que distingue a práxis marxista da filosofia pragmática que busca vincular os processos formativos com deman­das imediatas e pontuais. Dewey (1936, p. 147), filósofo pragmático que propôs o progressivismo educacional, via como impossível “[...] a associação entre processos formativos com ideias de um futuro distante” e subordinava os conteúdos de ensino ao imediato, dando-lhes um sentido prático utilitário, promovendo a conformação

Na perspectiva aqui assumida (marxista), a ação pedagógica é tomada como ação material, que subordina os conteúdos forma­tivos aos objetivos de transformação social, visando à produção, portanto, da emancipação. Em tal perspectiva, a ação (pedagógica) material corresponde a “[...] interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico-social não é apenas produção de uma realidade material, mas sim criação e desen­volvimento incessantes da realidade humana” (VÁZQUEZ, 1968, p. 213).
Tendo como referência as ideias de contextualização, interdiscipli­naridade e teleologia, propomos pensar as estratégias de organização dos conteúdos, na perspectiva do ensino integrado. 


Problematização, trabalho cooperativo e auto-organização como possibilidades de procedimentos de ensino integrado


É necessário enfrentar também o desafio de pensar estratégias de organização curricular e de ensino que favoreçam a superação da visão frag­mentária e linear da realidade e tornem mais possível um projeto de formação orientado pela ideia de integração. Tal desafio metodológico é colocado em termos políticos por Frigotto. 

Em relação ao método o confronto é entre a visão fragmentária e linear da realidade que concebe a totalidade como soma das partes e a concepção dialética-histórica (materialista histórica), cujo fundamento é buscar entender quais as determinações ou mediações que produzem determinada realidade humana. Aqui a totalidade resulta da relação das partes (FRIGOTTO, 2012, p. 08). 

Defendemos, porém, que não é a escolha pelas técnicas de ensino que garante essa compreensão da dialeticidade do mundo. Mais importantes são os compromissos que assumimos e que nos permitem fazer escolhas e, dentro dos limites objetivos colocados pela realidade das escolas brasileiras, ressignificar procedimentos tendo em vista os objetivos de emancipação social e de promoção da autonomia dos sujeitos. 

Para considerar as estratégias de ensino, partimos da compreen­são de que a ação didática também se coloca como um objeto da disputa hegemônica entre capital e trabalho. Essa disputa revela-se nas diferentes pers­pectivas que assume. Para Candau (1995), a Didática tem sido entendida ora sob uma perspectiva dicotômica e ora sob a perspectiva da unidade. 

A visão dicotômica que separa teoria e prática se revela de duas formas:

a) na pers­pectiva dissociativa, que separa, mecanicamente, os elementos, isolando-os e confrontando-os (percepção vulgar); e,

b) Na perspectiva associativa (positivo­-tecnológica), que separa os polos sem oposição. 

Nessa visão, a prática é uma aplicação da teoria (percepção de uma relação mecânica de dependência). Na visão dicotômica (associativa), reduz-se a teoria à simples organização, sistemática e hierárquica das ideias e estabelece-se uma relação hierárquica autoritária de mando e obediência (a teoria determina a prática ou, inversamente, a prática exige e a teoria se faz útil). Essa visão predomina nas práticas de educação profissional que reprodu­zem a dualidade educacional brasileira. 

A didática pode ser entendida também enquanto ação de articulação entre a teoria e a prática. Essa articulação tem sido pensada, no entanto, de diferentes maneiras: a) por justaposição, b) com subordinação de um elemento a outro (da prática sobre a teoria ou da teoria sobre a prática) ou c) sob a pers­pectiva da unidade indissolúvel (CANDAU, 1995).

Sob a ótica da unidade, a distinção entre teoria e prática se dá no seio de uma unidade indissolúvel que pressupõe uma relação de autonomia e dependência de um termo em relação ao outro. Na visão de unidade, a teoria nega a prática imediata para revelá-la como práxis social, a prática nega a teoria como um saber autônomo, como puro movimento de ideias e a teoria e prática são tidos como dois elementos indissolúveis da “práxis”, definida como atividade teórico-prática. Seria essa perspectiva de unidade da relação entre teoria e prática que orientaria os projetos de ensino integrado.
 
No atual debate acerca da educação profissional e, especificamente, acerca de uma didática da educação profissional, tem sido muito presente a visão dicotômica que pode ser entendida, por exemplo, na separação e distinção entre profissionalização e escolarização (visão dissociativa) ou como a “soma” da profissionalização com a escolarização.

Essa visão dicotômica também se revela na separação entre as disciplinas teóricas e as disciplinas práticas, entre os saberes que desenvolveriam o pensar e outros que desen­volveriam as capacidades de fazer. Outra perspectiva, fundada na ideia de unidade, pressupõe a indissolubilidade entre teoria e prática.

Considerando uma possível didática da educação profissional, a perspectiva integradora deve pressupor

1)O compromisso com a formação ampla e duradoura dos homens, em suas amplas capacidades.

2) A ideia de práxis como referência às ações formativas. 

3)Que a teoria e a prática educativa constituam o núcleo articulador da formação profissional. 

4)A teoria sendo sempre revigorada pela prática educativa. 

5)A prática educacional sendo o ponto de partida e de chegada

6)A ação docente se revelando na prática concreta e na realidade social.

Tomamos as técnicas de ensino tal como concebe Araujo (1991), como mediações das relações entre o professor e o aluno, projetadas como condições necessárias e favoráveis, mas não suficientes do processo de ensino. As técnicas de ensino assim compreendidas estão sempre subordinadas, polí­tica e metodologicamente, às suas finalidades e às práticas sociais que as conformam. 

Também concordamos com Araujo (1991) quando este defende que as técnicas podem estar a serviço da manipulação, do tecnicismo, da Escola Nova ou da perspectiva libertadora. Sendo assim, torna-se possível pensar e realizar um estudo dirigido sem a auréola planificante que o definia, assim como também torna-se possível a aula expositiva sem as característi­cas do ensino tradicional.

Qualquer técnica, portanto, compreendida como mediação, deve ser reconhecida em seus limites e sem a certeza de que seja garantia de sucesso do ensino e da aprendizagem na formação de amplas capacidades humanas. Como “meio”, a técnica sempre serve a um fim e é nessa perspectiva que são tratadas aqui as estratégias de ensino, em articulação com um projeto educacional integrador e emancipador. Sua validade também só pode ser avaliada se considerados os seus fins e a sua prática já que é o exercício da técnica que a valida e não o seu prévio conhecimento teórico. 

A possibilidade de ressignificação de diferentes procedimentos de ensino não significa, porém, a afirmação de uma possível neutralidade dos mesmos. Estes têm origem e têm história que revelam o seu uso e os seus efeitos. Mesmo assim, eles constituem um conjunto de possibilidades que, considerando as finalidades de emancipação e as condições objetivas, podem favorecer mais ou menos ao desenvolvimento da formação ampla dos indivíduos. 

As diferentes possibilidades de procedimentos de ensino favorecem mais ou menos o projeto de ensino integrado quando são organizados para  promover a autonomia, por meio da valorização da atividade e da problema­tização, e para cultivar o sentimento de solidariedade, mediante do trabalho coletivo e cooperativo.
a) Valorização da atividade e da problematização como estratégias de promoção da autonomia
A valorização da atividade (de docentes e discentes) nos processos formativos é necessária para a efetivação de projetos integradores de ensino, mas não distingue uma pedagogia de base social. O conceito Pedagogia Ativa é hoje polissêmico já que ele ajuda a caracterizar tanto projetos que visam à transformação quanto projetos que visam à conformação social.
 
A pedagogia deweyana, de cunho liberal, também se caracterizava como uma pedagogia ativa. Ela, afinal, surgiu da recusa dos educadores à pedagogia tradicional, que operava contando com a passividade dos alunos e, em certa medida, também dos docentes. 

Mas, então, o que distingue a ideia de atividade para as pedagogias de cunho liberal, como a Pedagogia das Competências, das pedagogias de base social, como o EMI? Evidentemente que é o compromisso com a transfor­mação social, tal como expresso anteriormente, para que essa atividade tenha como função desenvolver nos estudantes a sua capacidade de agir crítica e conscientemente e de adaptar a realidade às suas necessidades e não o oposto, de desenvolver a sua capacidade de adaptação às diferentes situa­ções colocadas pela vida cotidiana. Para Pistrak: 

Somente na atividade pode a criança formar-se para ser ativa, somente na ação aprende a agir, Somente na realidade [...] aprende a participar conscientemente, do mesmo modo, no traba­lho que diz respeito às formas da ordem estatal e mundial (PISTRAK, 2009, p. 131, grifo nosso). 

A atividade, portanto, na perspectiva da transformação da realidade e visando à ampliação das capacidades humanas, coloca-se como um compo­nente a ser considerado no planejamento, no desenvolvimento e na avaliação das práticas pedagógicas que se querem integradora.

A autonomia, condição desejável pelo ensino integrado, é aqui entendida como capacidade de os indivíduos compreenderem a sua reali­dade, de modo crítico, em articulação com a totalidade social, intervindo na mesma conforme as suas condições objetivas e subjetivas. Em outras palavras, reconhecendo-se como produto da história, mas também como sujeito de sua história

A ideia de autonomia também pode ser identificada com a defesa da auto-organização dos estudantes feita por Pistrak (2009). Para o educador soviético, a auto-organização (autodireção) dos estudantes revelar-se-ia em três capacidades: 

1) Habilidade de trabalhar coletivamente

2) Habilidade de trabalhar organizadamente cada tarefa

3)Desenvolvimento da capacidade criativa.
Para Pistrak, a tarefa de promover a auto-organização dos estudantes exige que estes passem “[...] por uma variedade de formas organizacionais, o que pode ser conseguida dando-se à auto-organização formas mais flexí­veis, que se adaptem cada vez às novas tarefas” (PISTRAK, 2009, p. 123). Pressupõe autodireção e criatividade. 

A força criativa desenvolve-se, principalmente, por meio de estratégias de problematização da realidade e dos conteúdos escolares, suscitando a busca por ferramentas, teóricas e práticas, capazes de auxiliar os indivíduos no enfrentamento de suas tarefas cotidianas e históricas.

Assim como em relação aos estudantes, cabe aos projetos educacio­nais integradores reconhecerem, também, a necessária autonomia docente. Ambos, professores e estudantes, são os sujeitos da prática pedagógica. Se a função do principal do educador é mediar a relação entre cultura elaborada e o educando, dando direção à aprendizagem, este exercício só terá possi­bilidades de produzir a autonomia discente e o reconhecimento da realidade social se orientada por um projeto político-pedagógico de transformação da realidade.

b) Trabalho colaborativo como estratégia de trabalho pedagógico

Se o horizonte de projetos integrados de ensino, na perspectiva da Escola Unitária, é a construção de uma sociedade de iguais, fraterna e solidária, cabe aos procedimentos pedagógicos cultivarem os valores que pro­movam essa solidariedade. É preciso, pois, que o trabalho escolar valorize, ao máximo, toda forma de trabalho coletivo e colaborativo

Para Pistrak (2000), o trabalho coletivo corresponde a uma tarefa coletiva entendida como uma unidade, ou seja, requer a responsabilidade coletiva pelo trabalho. Para esse educador soviético, é o trabalho coletivo que revela a essência da escola socialista, tornando-se uma categoria central da sua proposta de pedagogia. O coletivo é entendido, por ele, não como a negação simples do indivíduo ou de sua individualidade, mas como crítica às práticas individualistas. 

Freitas (2009) vê em Pistrak a distinção entre individualidade e individualismo assim como entre coletivo de coletivismo, que seria a forma equi­vocada da vida coletiva. Pistrak (2009) critica, ferozmente, o “egocentrismo” que seria promovido pelas teorias pedagógicas liberais já que para estas cada aluno responde por si. 

Na operacionalização do ensino integrado, práticas pedagógicas que priorizem o trabalho coletivo, ao invés do trabalho individual devem, por­tanto, ser valorizadas, sem que isso signifique o abandono de estratégias de ensino e de aprendizagem individualizadas. Neste caso, entretanto, estas devem ser compreendidas como momentos intermediários para o trabalho cole­tivo de ensinar e de aprender.

Considerações conclusivas: sobre os procedimentos de ensino que favorecem a integração

Várias são as possibilidades de estratégias de ensino e nenhuma delas pode ser descartada a priori, seja por razões ideológicas ou por uma possível impossibilidade de eficácia. Sendo assim, reafirmamos que cada pro­cedimento de ensino, enquanto meio, poder servir, mais ou menos, para o desenvolvimento de práticas integradoras.

Aulas expositivas, estudo do meio, jogos didáticos, visitas técnicas Integradas, seminários, estudo dirigido, oficinas e várias outras estratégias de ensino e aprendizado podem servir tanto para projetos conservadores, tra­dicionais, conformadores das capacidades humanas, quanto para projetos libertários, comprometidos com a ampliação das capacidades humanas. 

Procuramos considerar diferentes possibilidades metodológicas para a experimentação do projeto de ensino integrado e sustentamos que não existe uma única técnica mais adequada para a implementação do ensino integrado pois considerar essa possibilidade seria sucumbir a um determinismo metodológico. 

Também sustentamos a possibilidade de ressignificação das técnicas e estratégias de ensino e de aprendizagem. Sem considerarmos a possibilidade de sua neutralidade, já que todas as técnicas têm história e os contextos nos quais foram geradas deram-lhe conteúdo, compreendemos que o que define o caráter (ético-político-pedagógico) às estratégias de ensino são as finalidades que orientam sua escolha, seu uso e sua avaliação.

Desse modo, práticas pedagógicas que se querem integradoras, orientadas pela ideia de emancipa­ção social e de desenvolvimento da autonomia e da capacidade criativa dos estudantes, cumprem melhor ou pior suas finalidades quanto mais articuladas aos projetos da classe trabalhadora e de suas organizações, quanto mais abarcar a dinâmica das relações sociais; afinal, a prática pedagógica ultra­passa o espaço escolar. 

As técnicas e procedimentos têm características comuns, independen­tes de seu uso. Todas devem ser entendidas como meio para os processos de ensino e de aprendizagem, todas pressupõem um plano de estudo/trabalho e todas requerem ações de avaliação para verificação de sua efetividade, no entanto, são os princípios que as orientam que determinam o caráter unitário ou fragmentário da proposta. 

A atitude docente integradora, tratada anteriormente, parece ser tam­bém fator decisivo à construção de práticas pedagógicas de integração, já que supõe um compromisso com a transformação social e a recusa à lógica pragmática, que hegemoniza as políticas e os projetos educacionais hegemô­nicos no Brasil. 

A ideia de integração não caracteriza, por si, uma pedagogia que visa à transformação, já que várias são as pedagogias que propõem integrar trabalho e educação. A Pedagogia das Competências, por exemplo, tomou essa integração como uma de suas principais promessas, mas fazia isso presa à realidade dada, ou seja, o seu conteúdo pragmático lhe impunha pensar essa integração visando ao ajustamento da formação humana às deman­das específicas e pontuais do mercado de trabalho, diferente da integração proposta pelo projeto hoje identificado como Ensino Médio Integrado, que compreende essa integração sendo amalgamada pela ideia de transformação da realidade social. 

A articulação entre trabalho e ensino deve servir para formar homens onilaterais (um pensamento marxista que defende que o homem deve se sentir completo a partir de sua convivência em sociedade e de seu trabalho), ou seja, promover e desenvolver amplas capacidades humanas, intelectuais e práticas. Assim, o trabalho coloca-se como princípio educativo somente quando compreendido na perspectiva da revolução social. Compreendê-lo, apenas, na sua perspectiva pedagógica, seria, portanto, um equívoco.
 

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