Por Ronaldo Araujo e Gaudêncio Frigotto
A proposta de ensino integrado é o desafio de pensar práticas
pedagógicas que nos aproximem de uma leitura ampla da realidade.
Franco (2005, p. 18), o
sentido que deve ser dado ao ensino integrado é o de “[...] completude, de
compreensão das partes no seu todo ou da unidade social [...]”, já que é, na
totalidade, que os construtos particulares se fazem verdade.
Não
apenas uma forma de oferta da educação profissional de nível médio, o ensino
integrado é uma proposição pedagógica que se compromete com a utopia de uma formação inteira, que não se
satisfaz com a socialização de fragmentos da cultura sistematizada e que
compreende como direito de todos ao acesso a um processo formativo, inclusive
escolar, que promova o desenvolvimento de suas amplas faculdades físicas e
intelectuais. Essa forma de compreender o ensino integrado exige a crítica às
perspectivas reducionistas de ensino, que se comprometem em desenvolver algumas
atividades humanas em detrimento de outras e que, em geral, reservam aos estudantes de origem
trabalhadora o desenvolvimento de capacidades cognitivas básicas e
instrumentais em detrimento do desenvolvimento de sua força criativa e
de sua autonomia intelectual e política.
Consideramos
a possibilidade de haver práticas pedagógicas mais adequadas ao projeto de
ensino integrado, mas recusamos a ilusão
de haver uma única forma de promover a integração parte-todo, teoria-prática e
ensino técnico e profissional, no ensino médio. Assumimos
o ensino integrado como proposta não apenas para o ensino profissional. O
ensino integrado é um projeto que traz
um conteúdo político-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de
ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do
saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade)
dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos, principalmente.
Ademais,
não restringimos a ideia de ensino integrado como o conteúdo de uma concepção
de ensino médio, apesar de essa concepção ter fundamentado uma acertada
corrente de educação no Brasil. Tomamos a
ideia de integração como um princípio pedagógico orientador de práticas
formativas focadas na necessidade de desenvolver nas pessoas (crianças, jovens
e adultos) a ampliação de sua capacidade de compreensão de sua realidade
específica e da relação desta como a totalidade social.
Assim,
utilizamos, neste artigo, a expressão ensino integrado, em vez de ensino médio
integrado, pois consideramos que as discussões e indicações feitas aqui servem
para compreendermos melhor não apenas o ensino médio ou a educação profissional
técnica, mas também toda a educação
básica assim como a formação humana em geral.
Consideramos,
entretanto, que o desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras não
depende, apenas, de soluções didáticas, elas requerem, principalmente, soluções ético-políticas . Ou seja, a
definição clara de finalidades políticas e educacionais emancipadoras e o
compromisso com elas próprias é condição para a concretização do projeto de
ensino integrado, sem o que essa proposta pode ser reduzida a um modismo pedagógico
vazio de significado político de transformação.
Nossa
tese se baseia no pressuposto de que, no
Brasil, “[...] as propostas educacionais inovadoras foram aquelas vincadas às
lutas por mudanças no projeto societário dominante” (FRIGOTTO, 2010, p. 10).
Como ensinava Pistrak (2009), as estratégias de ensino e de
organização curricular servem ao projeto
de sociedade que assumimos em função de nossa leitura da “realidade atual.” Sem isso definido de modo claro,
o ensino integrado, como já afirmamos, pode tornar-se, apenas, um projeto
didático estéril.
Buscamos
organizar algumas indicações possíveis de ser consideradas nas práticas
pedagógicas que se querem orientadas pela ideia de ensino integrado e
sustentamos que mais importante que a definição antecipada de técnicas de
ensino ou de organização curricular, mais ou menos adequadas ao ensino
integrado (apesar de isso ser verdadeiro e necessário), é condição para o
desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras que os sujeitos do ensino,
principalmente, e da aprendizagem revelem uma atitude humana transformadora, que se materialize no seu compromisso político com os trabalhadores e
com a sociedade dos trabalhadores, até porque as práticas educativas não se
constituem na escola, tampouco têm implicações que se encerram nela.
Mas, por
outro lado, não reduzimos a possibilidade do ensino integrado a um ato de
vontade dos docentes e dos gestores educacionais; compreendemos que este
depende, também, das condições concretas de sua realização, argumentamos que a
promoção de práticas pedagógicas integradoras requer a constituição de um
ambiente material que a favoreça e da busca permanente pelo elemento integrador, considerando as realidades:
a) específicas;
B) a totalidade social; e,
C)os sujeitos envolvidos.
Pesquisas sobre o EMI (Ensino
Médio Integrado) revelam muitas dificuldades de experimentação de
integração
Várias
já foram as experimentações de ensino médio integrado, na história recente da
educação brasileira . Em pesquisa realizada em 2011, Costa (2012) recuperou trinta e seis (36) teses e dissertações
que tinham como o objeto o ensino médio integrado. Com base nessas pesquisas, a
autora sistematizou alguns dos problemas que dificultam a materialização dessa
proposta de ensino.
A pesquisadora situa três ordens de problemas na
materialização do ensino médio integrado:
A)problemas
de ordem conceitual;
B)de operacionalização
curricular; e,
C) de organização dos
sistemas de ensino.
Revela
ainda que o EMI não foi compreendido como projeto político-pedagógico que
se compromete com a formação ampla dos indivíduos. Em geral, o ensino
integrado tem sido compreendido apenas
como estratégia de organização dos conteúdos escolares, sem relevar ao
conteúdo ético-político transformador da proposta ou da materialidade de sua
operacionalização. Para Costa (2012), isso dificulta a efetivação da
proposta de integração do ensino médio e técnico nas escolas e nos sistemas de
ensino.
Em síntese, a implementação do ensino
médio integrado dentro de uma instituição não
se resume à questão pedagógica, a um projeto curricular de ensino. Requer
a superação de diversos desafios dentre eles os de gestão; pedagógicos;
condições de ensino; condições materiais; hábitos estabelecidos culturalmente
que limitam a formação integrada dos alunos (COSTA, 2012, p. 38).
Apesar
das dificuldades, o projeto de ensino integrado não deve ser abandonado, pelo
menos enquanto conteúdo, já que representa um projeto comprometido com a formação ampla dos trabalhadores e se
contrapõe às pedagogias liberais da moda.
Se,
por um lado, o ensino integrado tem se revelado de difícil operacionalização;
por outro lado, as pedagogias liberais, em geral, não ofereceram possibilidades
reais de desenvolverem capacidades amplas e ilimitadas dos trabalhadores, que
lhes permitam compreender a totalidade social .
O ensino integrado aqui é
reconhecido como proposta de educação com inspiração na ideia gramsciana de
escola unitária, mas
que não se confunde com ela já que seus limites de formação integral estão
dados pela sociabilidade capitalista contemporânea.
Ao
abordar os desafios de desenvolvimento de práticas pedagógicas, sustentamos que
uma didática integradora requer, necessariamente, embora de forma não
suficiente, uma atitude docente
integradora, orientada pela ideia
de práxis.
Trata-se,
pois, de compreender a ação pedagógica em sua relação com a totalidade das
ações humanas que, sempre, tem repercussões éticas e políticas para a vida
social, bem como a necessária dependência entre os saberes específicos e locais
ao conjunto de saberes sociais.
A ação didática integradora ganha sentido assim enquanto ação ético-política de
promoção da integração entre os saberes e práticas locais com as práticas sociais
globais bem como quando promove a compreensão dos objetos em sua relação com a
totalidade social.
O
ensino integrado é um projeto pedagógico que só pode cumprir com sua
finalidade de formar na perspectiva da totalidade se assumir a liberdade como
utopia e mantiver íntima vinculação com o projeto político de construção de uma
sociabilidade para além do capital.
Por fim, destacamos que, neste
artigo, apesar de tratarmos de questões práticas do fazer pedagógico,
procuramos evitar a Ideia de normatividade,
que implicaria a confecção de um manual orientador do “como fazer.”
Organização do trabalho pedagógico e
ensino integrado
Compreendemos
que são várias as possibilidades de arranjos pedagógicos e curriculares que
favorecem as práticas pedagógicas orientadas pela ideia de integração e que são
diferenciados os elementos de integração do ensino e da aprendizagem. A escolha
por um arranjo depende de inúmeras variáveis, tais como:
A)as condições concretas de realização da formação;
B)o conhecimento e a maturidade profissional do professor;
C)o perfil da turma e o tempo disponível, mas, decisivo:e,
D)o compromisso docente com as ideias de formação integrada e de transformação social.
A)as condições concretas de realização da formação;
B)o conhecimento e a maturidade profissional do professor;
C)o perfil da turma e o tempo disponível, mas, decisivo:e,
D)o compromisso docente com as ideias de formação integrada e de transformação social.
Apesar
de afirmarmos que o ensino integrado não deva ser resumido a um projeto
pedagógico, menos ainda a projeto didático ou a um tipo específico de
desenho curricular, essas dimensões são verdadeiras e necessariamente devem
constituir objeto da preocupação e do labor dos estudiosos e educadores que se
assumem comprometidos com emancipação social.
Diferentes
são as formas de se pensar os conteúdos necessários à formação de crianças,
jovens e adultos capazes de desenvolver a sua capacidade de, autonomamente, interpretar
e agir sobre a realidade. Diferentes também são as possibilidades de
organizar os conteúdos necessários para tal. Mas o fundamental é o
compromisso com a formação ampla dos trabalhadores e a articulação dos
processos de formação com o projeto ético-político de transformação social.
Considerando esses dois pressupostos, as formas de reorganização curricular devem ser experimentadas e avaliadas, levando em conta que não há uma única forma, tampouco uma forma mais correta que outra para a efetivação de um currículo integrado, mas que elas têm sempre algum impacto sobre a produção/reprodução da sociedade.
Considerando esses dois pressupostos, as formas de reorganização curricular devem ser experimentadas e avaliadas, levando em conta que não há uma única forma, tampouco uma forma mais correta que outra para a efetivação de um currículo integrado, mas que elas têm sempre algum impacto sobre a produção/reprodução da sociedade.
O currículo, assim como a
escola, é espaço de contradição, apesar de reproduzir as estruturas existentes,
é “[...] correia de transmissão da ideologia oficial [...]” e, ao mesmo tempo,
uma ameaça à ordem estabelecida por oferecer a possibilidade de contribuir para
a libertação (GADOTTI, 1992, p. 150).
Constitui-se, portanto, em um espaço de luta entre as classes dominantes e
as subalternas, refletindo a “[...] exploração e a luta contra a exploração.”
Considerado assim, o
currículo constitui-se em uma arena política de ideologia, poder e cultura.
Consiste em um campo ideológico por transmitir e produzir uma visão de mundo
vinculado aos interesses dos grupos sociais, por meio das práticas educativas.
É um espaço de expressão das relações sociais de poder, visto que se constitui
e, ao mesmo tempo, resulta da relação entre as classes sociais; é uma área de
conflitos de cultura de classes, em que se transmite a cultura oficial e se
produz a cultura contestada. Portanto, é considerado um conjunto de ações
políticas, determinadas social e historicamente (SILVA; MOREIRA, 2005).
A
educação escolar brasileira tem a sua organização curricular marcada por formas curriculares
instrumentais e promotoras de um tipo
humano conformado, política e pedagogicamente. A Pedagogia das
Competências, que assumiu centralidade, nas formulações educacionais oficiais
na década de 1990, inspirada na Filosofia Pragmática, tinha na utilidade
prática o critério para a definição e a organização dos conteúdos
formativos.
Assim,
os desenhos curriculares organizados com base nesse critério recorriam aos
saberes, habilidades e atitudes apenas na medida da possibilidade de promoverem alguma capacidade específica
requerida pelo mercado.
Na
perspectiva da integração, a utilidade dos conteúdos passa a ser concebida não
na perspectiva imediata do mercado, mas tendo como referência a utilidade
social, ou seja, os
conteúdos são selecionados e organizados na medida de sua possibilidade de
promover comportamentos que promovam o
ser humano e instrumentalizem o reconhecimento da essência da sociedade e a sua
transformação.
Procura-se, com isto, formar o indivíduo em suas múltiplas capacidades: de trabalhar, de viver coletivamente e agir autonomamente sobre a realidade, contribuindo para a construção de uma sociabilidade de fraternidade e de justiça social.
Procura-se, com isto, formar o indivíduo em suas múltiplas capacidades: de trabalhar, de viver coletivamente e agir autonomamente sobre a realidade, contribuindo para a construção de uma sociabilidade de fraternidade e de justiça social.
A
seleção e organização dos conteúdos formativos na perspectiva do projeto de
ensino integrado requerem, portanto, a
superação das pedagogias de conteúdo liberal, como a Pedagogia das Competências. Alguns princípios podem
ser orientadores para a organização de um currículo integrado:
A)contextualização;
Articulação dos conteúdos formativos com a realidade social e com os projetos políticos dos trabalhadores e de suas organizações sociais. Pistrak (2009) compreendia que a realidade social se constituiria como ponto de partida para os currículos integrados e a realidade social transformada como ponto de chegada.
B)interdisciplinaridade;
É compreendida como o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, como o princípio da diversidade e da criatividade (ETGES apud BIANCHETTI; JANTSCH, 1995). Para esse autor, a interdisciplinaridade não toma a fragmentação disciplinar como uma patologia. Esse conceito de interdisciplinaridade pressupõe que é, na totalidade dinâmica, que os construtos particulares se fazem verdade. Para Pistrak (2009), a dificuldade da ação interdisciplinar é que cada disciplina toma seus objetivos específicos como os mais importantes, em vez de subordinar-se a um objetivo geral já que, na escola, cada “[...] ciência deve ser ensinada apenas como meio de conhecer e de transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da escola” (PISTRAK, 2009, p. 119).
C)compromisso com a transformação social.
A)contextualização;
Articulação dos conteúdos formativos com a realidade social e com os projetos políticos dos trabalhadores e de suas organizações sociais. Pistrak (2009) compreendia que a realidade social se constituiria como ponto de partida para os currículos integrados e a realidade social transformada como ponto de chegada.
B)interdisciplinaridade;
É compreendida como o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, como o princípio da diversidade e da criatividade (ETGES apud BIANCHETTI; JANTSCH, 1995). Para esse autor, a interdisciplinaridade não toma a fragmentação disciplinar como uma patologia. Esse conceito de interdisciplinaridade pressupõe que é, na totalidade dinâmica, que os construtos particulares se fazem verdade. Para Pistrak (2009), a dificuldade da ação interdisciplinar é que cada disciplina toma seus objetivos específicos como os mais importantes, em vez de subordinar-se a um objetivo geral já que, na escola, cada “[...] ciência deve ser ensinada apenas como meio de conhecer e de transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da escola” (PISTRAK, 2009, p. 119).
C)compromisso com a transformação social.
Revela a teleologia
(ciência que se pauta no conceito de finalidade) do projeto de ensino
integrado. É esse princípio que distingue a práxis marxista da filosofia
pragmática que busca vincular os processos formativos com demandas imediatas e
pontuais. Dewey (1936, p. 147), filósofo pragmático que propôs o progressivismo
educacional, via como impossível “[...] a associação entre processos formativos
com ideias de um futuro distante” e subordinava os conteúdos de ensino ao
imediato, dando-lhes um sentido prático utilitário, promovendo a conformação.
Na perspectiva aqui assumida (marxista), a ação pedagógica é tomada como ação material, que subordina os conteúdos formativos aos objetivos de transformação social, visando à produção, portanto, da emancipação. Em tal perspectiva, a ação (pedagógica) material corresponde a “[...] interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico-social não é apenas produção de uma realidade material, mas sim criação e desenvolvimento incessantes da realidade humana” (VÁZQUEZ, 1968, p. 213).
Na perspectiva aqui assumida (marxista), a ação pedagógica é tomada como ação material, que subordina os conteúdos formativos aos objetivos de transformação social, visando à produção, portanto, da emancipação. Em tal perspectiva, a ação (pedagógica) material corresponde a “[...] interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico-social não é apenas produção de uma realidade material, mas sim criação e desenvolvimento incessantes da realidade humana” (VÁZQUEZ, 1968, p. 213).
Tendo
como referência as ideias de contextualização, interdisciplinaridade e
teleologia, propomos pensar as estratégias de organização dos conteúdos, na
perspectiva do ensino integrado.
Problematização,
trabalho cooperativo e auto-organização como possibilidades de
procedimentos de ensino integrado
É
necessário enfrentar também o desafio de pensar estratégias de organização
curricular e de ensino que favoreçam a superação da visão fragmentária
e linear da realidade e tornem mais possível um projeto de formação orientado
pela ideia de integração. Tal desafio metodológico é colocado em termos
políticos por Frigotto.
Em
relação ao método o confronto é entre a visão fragmentária e linear
da realidade que concebe a totalidade
como soma das partes e a concepção
dialética-histórica (materialista histórica), cujo fundamento é buscar
entender quais as determinações ou mediações que produzem determinada realidade
humana. Aqui a totalidade resulta da relação das partes (FRIGOTTO, 2012, p.
08).
Defendemos,
porém, que não é a escolha pelas técnicas de ensino que garante essa
compreensão da dialeticidade do mundo. Mais importantes são os compromissos
que assumimos e que nos permitem fazer escolhas e, dentro dos limites
objetivos colocados pela realidade das escolas brasileiras, ressignificar
procedimentos tendo em vista os objetivos de emancipação social e de promoção da autonomia dos sujeitos.
Para
considerar as estratégias de ensino, partimos da compreensão de que a ação
didática também se coloca como um objeto da disputa hegemônica entre capital e
trabalho. Essa disputa revela-se nas diferentes perspectivas que assume.
Para Candau (1995), a Didática
tem sido entendida ora sob uma perspectiva dicotômica e ora sob a perspectiva
da unidade.
A visão
dicotômica que separa teoria e prática se revela de duas
formas:
a) na perspectiva dissociativa, que separa, mecanicamente, os
elementos, isolando-os e confrontando-os (percepção vulgar); e,
b) Na perspectiva
associativa (positivo-tecnológica), que separa os polos sem oposição.
Nessa
visão, a prática é uma aplicação da teoria (percepção de uma relação
mecânica de dependência). Na visão dicotômica (associativa), reduz-se a
teoria à simples organização, sistemática e hierárquica das ideias e
estabelece-se uma relação hierárquica autoritária de mando e obediência
(a teoria determina a prática ou, inversamente, a prática exige e a teoria se
faz útil). Essa visão predomina nas práticas de educação profissional que
reproduzem a dualidade educacional brasileira.
A didática pode ser
entendida também enquanto ação de articulação entre a teoria e a prática. Essa articulação tem sido pensada,
no entanto, de diferentes maneiras: a) por justaposição, b) com subordinação de
um elemento a outro (da prática sobre a teoria ou da teoria sobre a prática) ou
c) sob a perspectiva da unidade indissolúvel (CANDAU, 1995).
Sob
a ótica da unidade,
a distinção entre teoria e prática se dá no seio de uma unidade indissolúvel
que pressupõe uma relação de autonomia e dependência de um termo em relação
ao outro. Na visão de unidade, a teoria nega a prática imediata para
revelá-la como práxis social, a prática nega a teoria como um saber autônomo,
como puro movimento de ideias e a teoria e prática são tidos como dois
elementos indissolúveis da “práxis”, definida como atividade teórico-prática.
Seria essa perspectiva de
unidade da relação entre teoria e prática que orientaria os projetos de ensino
integrado.
No atual debate acerca da
educação profissional e, especificamente, acerca de uma didática da educação
profissional, tem sido muito presente a visão dicotômica que pode ser
entendida, por exemplo, na separação e distinção entre profissionalização e
escolarização (visão dissociativa) ou como a “soma” da profissionalização com a
escolarização.
Essa
visão dicotômica também se revela na separação entre as disciplinas teóricas e
as disciplinas práticas, entre os saberes que desenvolveriam o pensar e
outros que desenvolveriam as capacidades de fazer. Outra perspectiva,
fundada na ideia de unidade, pressupõe a indissolubilidade entre teoria e
prática.
Considerando uma possível
didática da educação profissional, a perspectiva integradora deve pressupor:
1)O compromisso com a
formação ampla e duradoura dos homens, em suas amplas capacidades.
2)
A ideia de práxis como referência às ações formativas.
3)Que
a teoria e a prática educativa constituam o núcleo articulador da
formação profissional.
4)A
teoria sendo sempre revigorada pela prática educativa.
5)A
prática educacional sendo o ponto de partida e de chegada.
6)A
ação docente se revelando na prática concreta e na realidade social.
Tomamos
as técnicas de ensino tal como
concebe Araujo (1991), como mediações das relações entre o professor e o
aluno, projetadas como condições necessárias e favoráveis, mas não suficientes
do processo de ensino. As técnicas de ensino assim compreendidas estão
sempre subordinadas, política e
metodologicamente, às suas finalidades e
às práticas sociais que as conformam.
Também
concordamos com Araujo (1991) quando este defende que as técnicas podem
estar a serviço da manipulação, do tecnicismo, da Escola Nova ou da
perspectiva libertadora. Sendo assim, torna-se possível pensar e realizar um
estudo dirigido sem a auréola planificante que o definia, assim como também
torna-se possível a aula expositiva sem as características do ensino
tradicional.
Qualquer técnica, portanto, compreendida como mediação, deve ser
reconhecida em seus limites e sem a certeza de que seja garantia de sucesso do
ensino e da aprendizagem na formação de amplas capacidades humanas. Como “meio”, a técnica
sempre serve a um fim e
é nessa perspectiva que são tratadas aqui as estratégias de ensino, em
articulação com um projeto educacional integrador e emancipador. Sua validade
também só pode ser avaliada se considerados os seus fins e a sua prática já que
é o exercício da técnica que a valida e não o seu prévio conhecimento teórico.
A
possibilidade de ressignificação de diferentes procedimentos de ensino não
significa, porém, a afirmação de uma possível neutralidade dos mesmos. Estes
têm origem e têm história que revelam o seu uso e os seus efeitos. Mesmo assim,
eles constituem um conjunto de possibilidades que, considerando as finalidades
de emancipação e as condições objetivas, podem favorecer mais ou menos ao
desenvolvimento da formação ampla dos indivíduos.
As diferentes
possibilidades de procedimentos de ensino favorecem mais ou menos o projeto de
ensino integrado quando são organizados para
promover a autonomia, por meio da valorização da atividade e da problematização,
e para cultivar o sentimento de solidariedade, mediante do trabalho coletivo e
cooperativo.
a) Valorização da
atividade e da problematização como estratégias de promoção da autonomia
A
valorização da atividade (de
docentes e discentes) nos processos formativos é necessária para a
efetivação de projetos integradores de ensino, mas não distingue uma
pedagogia de base social. O
conceito Pedagogia Ativa é hoje polissêmico já que ele ajuda a caracterizar
tanto projetos que visam à transformação quanto projetos que visam à
conformação social.
A
pedagogia deweyana, de cunho liberal, também se caracterizava como uma
pedagogia ativa. Ela, afinal, surgiu da recusa dos educadores à pedagogia
tradicional, que operava contando com a passividade dos alunos e, em certa
medida, também dos docentes.
Mas, então, o que
distingue a ideia de atividade para as pedagogias de cunho
liberal, como a Pedagogia das Competências, das pedagogias de base social, como
o EMI? Evidentemente que é o compromisso
com a transformação social, tal como expresso anteriormente, para que essa
atividade tenha como função desenvolver nos estudantes a sua capacidade de agir
crítica e conscientemente e de adaptar a realidade às suas necessidades e
não o oposto, de desenvolver a sua capacidade de adaptação às diferentes situações
colocadas pela vida cotidiana. Para Pistrak:
Somente na atividade pode
a criança formar-se para ser ativa, somente na ação aprende a agir, Somente na
realidade [...] aprende a participar conscientemente, do mesmo modo, no trabalho
que diz respeito às formas da ordem estatal e mundial (PISTRAK, 2009, p. 131,
grifo nosso).
A atividade, portanto,
na perspectiva da transformação da realidade e visando à ampliação das
capacidades humanas, coloca-se como um componente a ser considerado no planejamento,
no desenvolvimento e na avaliação das práticas pedagógicas que se querem
integradora.
A
autonomia, condição desejável
pelo ensino integrado, é aqui entendida como capacidade de os indivíduos
compreenderem a sua realidade, de modo crítico, em articulação com a
totalidade social, intervindo na mesma conforme as suas condições objetivas e
subjetivas. Em outras palavras, reconhecendo-se
como produto da história, mas também como sujeito de sua história.
A
ideia de autonomia também pode ser identificada com a defesa da
auto-organização dos estudantes feita por Pistrak (2009). Para o educador
soviético, a auto-organização (autodireção)
dos estudantes revelar-se-ia em três capacidades:
1)
Habilidade de trabalhar coletivamente.
2)
Habilidade de trabalhar organizadamente cada tarefa.
3)Desenvolvimento da capacidade criativa.
Para
Pistrak, a tarefa de promover a auto-organização dos estudantes exige
que estes passem “[...] por uma variedade de formas organizacionais, o que pode
ser conseguida dando-se à auto-organização formas mais flexíveis, que se
adaptem cada vez às novas tarefas” (PISTRAK, 2009, p. 123). Pressupõe
autodireção e criatividade.
A
força criativa desenvolve-se, principalmente, por meio de estratégias
de problematização da realidade e dos conteúdos escolares, suscitando a busca
por ferramentas, teóricas e práticas, capazes de auxiliar os indivíduos no
enfrentamento de suas tarefas cotidianas e históricas.
Assim como em relação aos
estudantes, cabe aos projetos educacionais integradores reconhecerem,
também, a necessária autonomia docente. Ambos, professores e estudantes,
são os sujeitos da prática pedagógica. Se a função do principal do educador é mediar a relação entre cultura elaborada e o educando, dando direção à
aprendizagem, este exercício só terá possibilidades de produzir a
autonomia discente e o reconhecimento da realidade social se orientada por um
projeto político-pedagógico de transformação da realidade.
b) Trabalho colaborativo como
estratégia de trabalho pedagógico
Se
o horizonte de projetos integrados de ensino, na perspectiva da Escola
Unitária, é a construção de uma
sociedade de iguais, fraterna e solidária, cabe aos procedimentos
pedagógicos cultivarem os valores que promovam essa solidariedade. É
preciso, pois, que o trabalho escolar valorize, ao máximo, toda forma de
trabalho coletivo e colaborativo.
Para
Pistrak (2000), o trabalho coletivo corresponde a uma tarefa coletiva entendida
como uma unidade, ou seja, requer a responsabilidade coletiva pelo trabalho.
Para esse educador soviético, é o trabalho coletivo que revela a essência da
escola socialista, tornando-se uma categoria central da sua proposta de
pedagogia. O coletivo é entendido,
por ele, não como a negação simples do indivíduo ou de sua individualidade, mas
como crítica às práticas individualistas.
Freitas
(2009) vê em Pistrak a distinção entre individualidade e individualismo assim
como entre coletivo de coletivismo, que seria a forma equivocada da vida
coletiva. Pistrak (2009) critica, ferozmente, o “egocentrismo” que seria
promovido pelas teorias pedagógicas liberais já que para estas cada aluno responde
por si.
Na
operacionalização do ensino integrado, práticas pedagógicas que priorizem o
trabalho coletivo, ao invés do trabalho individual devem, portanto, ser
valorizadas, sem que isso signifique o abandono de estratégias de ensino e
de aprendizagem individualizadas. Neste caso, entretanto, estas devem ser
compreendidas como momentos intermediários para o trabalho coletivo de ensinar
e de aprender.
Considerações
conclusivas: sobre
os procedimentos de ensino que favorecem a integração
Várias são as possibilidades
de estratégias de ensino e nenhuma delas pode ser descartada a priori, seja por
razões ideológicas ou por uma possível impossibilidade de eficácia. Sendo
assim, reafirmamos que cada procedimento de ensino, enquanto meio, poder
servir, mais ou menos, para o desenvolvimento de práticas integradoras.
Aulas expositivas, estudo
do meio, jogos didáticos, visitas técnicas Integradas, seminários, estudo
dirigido, oficinas e várias outras estratégias de ensino e aprendizado podem
servir tanto para projetos conservadores, tradicionais, conformadores das
capacidades humanas, quanto para projetos libertários, comprometidos com a
ampliação das capacidades humanas.
Procuramos
considerar diferentes possibilidades metodológicas para a experimentação do projeto
de ensino integrado e sustentamos que não
existe uma única técnica mais adequada para a implementação do ensino integrado
pois considerar essa possibilidade seria sucumbir a um determinismo
metodológico.
Também
sustentamos a possibilidade de ressignificação
das técnicas e estratégias de ensino e de aprendizagem. Sem considerarmos a
possibilidade de sua neutralidade, já que todas as técnicas têm história e os
contextos nos quais foram geradas deram-lhe conteúdo, compreendemos que o
que define o caráter (ético-político-pedagógico) às estratégias de ensino são
as finalidades que orientam sua escolha, seu uso e sua avaliação.
Desse
modo, práticas pedagógicas que se querem
integradoras, orientadas pela ideia de emancipação social e de desenvolvimento
da autonomia e da capacidade criativa dos estudantes, cumprem melhor ou
pior suas finalidades quanto mais articuladas aos projetos da classe
trabalhadora e de suas organizações, quanto mais abarcar a dinâmica das
relações sociais; afinal, a prática pedagógica ultrapassa o espaço
escolar.
As técnicas e
procedimentos têm
características comuns, independentes de seu uso. Todas devem ser entendidas
como meio para os processos de ensino e de aprendizagem, todas pressupõem
um plano de estudo/trabalho e todas requerem ações de avaliação para
verificação de sua efetividade, no entanto, são os princípios que as
orientam que determinam o caráter unitário ou fragmentário da proposta.
A
atitude docente integradora, tratada
anteriormente, parece ser também fator decisivo à construção de práticas
pedagógicas de integração, já que supõe um compromisso com a transformação social e a recusa à lógica
pragmática, que hegemoniza as políticas e os projetos educacionais hegemônicos
no Brasil.
A
ideia de integração não caracteriza, por si, uma pedagogia que visa à
transformação, já que várias são as pedagogias que propõem integrar trabalho e
educação. A Pedagogia das Competências, por exemplo, tomou essa integração
como uma de suas principais promessas, mas fazia isso presa à realidade dada,
ou seja, o seu conteúdo pragmático lhe impunha pensar essa integração visando ao ajustamento da formação
humana às demandas específicas e pontuais do mercado de trabalho, diferente da integração proposta pelo
projeto hoje identificado como Ensino Médio Integrado, que compreende essa integração sendo
amalgamada pela ideia de transformação da realidade social.
A articulação entre trabalho e
ensino deve servir para formar homens onilaterais
(um pensamento marxista que defende que o homem deve se sentir completo
a partir de sua convivência em sociedade e de seu trabalho), ou
seja, promover e desenvolver amplas capacidades humanas, intelectuais e
práticas. Assim, o trabalho
coloca-se como princípio educativo somente quando compreendido na
perspectiva da revolução social. Compreendê-lo, apenas, na sua perspectiva pedagógica, seria, portanto, um equívoco.
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