Por Welliton Resende*
A “cultura de guerra” instalada em nós, sobretudo após a II Guerra Mundial, nos desencoraja a entrar em contato com o centro de humanidade do outro. Carl Schmitt (1888-1985) nos lembra que a relação é binária: ou o outro é amigo ou é inimigo. Por conta disso, potenciais conflitos que deveriam transformar-se em diálogos pacíficos não são concretizados. A nossa cultura usa a culpa como meio para controlar as pessoas.
Marshall Rosenberg, por meio da Comunicação Não-Violenta (CNV), nos encoraja a despir-nos de argumentos perigosos e criar conexões de compaixão com a família, amigos e outros conhecidos.
Com frequência não reconhecemos nossa violência porque somos ignorantes a respeito dela. Muito pelo contrário, achamos que sempre estamos fazendo o melhor pelo planeta e pelas pessoas. Presumimos que não somos violentos porque nossa visão de violência é aquela de brigar, matar, espancar e guerrear- o tipo de coisa que os indivíduos comuns não fazem.
Palavras são janelas ou são paredes, elas nos condenam ou nos libertam. Com base nessa premissa a CNV busca substituir velhos padrões de defesa, recuo ou ataque diante de julgamentos e críticas. Ela nos exorta a perceber em nós e nos outros, assim como em nossas intenções e relacionamentos, pensamentos que bloqueiam a compaixão e a empatia com o outro no processo de comunicação.
A peça-chave da CNV é ser capaz de articular a observação do outro sem fazer nenhum julgamento ou avaliação- Mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. A CNV nos ajuda a nos ligarmos uns aos outros e a nós mesmos, possibilitando que nossa compaixão natural floresça.
Quando fazemos julgamentos de uma pessoa estamos subentendendo que sua natureza é errada ou maligna e que não age em consonância com os nossos valores (que são os corretos). Quando encontramos pessoas ou comportamentos de que não gostamos ou que não compreendemos, reagimos considerando que são errados.
Por certo, análises de outros seres humanos são expressões trágicas de nossos próprios valores e necessidades. Portanto, quem quiser tornar a sua vida infeliz deve aprender a se comparar a outras pessoas.
Observar sem avaliar é a forma mais elevada de inteligência humana, de acordo com um provérbio indiano. Marshall nos exorta em sua obra a separar sempre observação da avaliação. Quando avaliamos alguém, os outros tendem a receber isso como crítica e resistir ao que dizemos.
Uma outra dica muito interessante da CNV é a de que aceitar a responsabilidade pelos sentimentos dos outros pode ser muito prejudicial aos relacionamentos íntimos. Se a cada indivíduo é dado o livre arbítrio como poderei eu ser o responsável pelos atos dele?
A empatia ocorre somente quando conseguimos nos livrar de todas as ideias preconcebidas e julgamentos a respeito dos outros. Temos que dar às pessoas tempo, espaço e matéria de que precisam para se expressarem completamente. Todo tipo de crítica, ataque, insulto e julgamento desaparece quando concentramos nossa atenção em ouvir os sentimentos e necessidades por trás de uma mensagem.
Temos que ter em mente que por traz de todo comportamento violento encontram-se indivíduos com necessidades insatisfeitas pedindo que contribuamos para seu bem-estar. E quando não houver possibilidade nenhuma de comunicação com o outro? O recurso é nos removermos fisicamente da situação. Pessoas que parecem ser monstros são apenas seres humanos cuja linguagem e comportamento às vezes nos impedem de perceber a sua natureza humana.
Queridos leitores, nossas palavras devem enriquecer os outros, e não ser um fardo para eles. Por isso também é importante o autoconhecimento, para possamos enxergar o outro melhor. Quando conceitos críticos a respeito de nós mesmos impedem que vejamos a beleza que temos dentro de nós, perdemos a conexão com a energia divina que é nossa origem.
É fundamental saber como avaliar os eventos e condições de maneira que nos ajudem a aprender e a fazer escolhas duradouras que sirvam aos nossos propósitos. Uma forma importante de autocompaixão é fazer escolhas motivadas puramente por nosso desejo de melhorar de vida, e não por medo, culpa, vergonha, dever ou obrigação.
Nossa cultura nos educou para termos fome por recompensas. Fomos convencidos a acreditar que a vida consiste em fazer coisas em troca de recompensas; estamos viciados em ganhar sorrisos, seguidores nas redes sociais, tapinhas nas costas e julgamentos verbais de que somos “lindos”, “inteligentes”, “bons em tudo” etc. Fazemos coisas para que as pessoas gostem de nós, e evitamos coisas que possam levá-las a não gostar de nós ou a nos punir. E esse tipo de comportamento muitas vezes mascaram nossas próprias necessidades.
O comportamento dos outros pode ser um estímulo para nossos sentimentos, mas não a causa. A causa está sempre em nós mesmos. Não é o que a outra pessoa faz, mas as imagens e as interpretações em minha própria mente que provocam minha raiva.
Se o desempenho de um servidor é guiado pelo medo da punição, o serviço é feito, mas o moral é afetado; mais cedo ou mais tarde, a produtividade diminuirá. Culpar e punir não contribuem para as motivações que gostaríamos de inspirar os outros. Herdamos uma linguagem que serviu a reis e as elites poderosas em sociedade baseadas na dominação.
As massas foram desencorajadas de desenvolver a consciência de suas próprias necessidades; ao contrário, foram educadas para serem dóceis e subservientes à autoridade. Em nossa sociedade, lamentavelmente, o processo corretivo é voltado para educar, não para punir.
Assim, a depressão é indicativa de um estado de alienação de nossas próprias necessidades. Estamos o tempo todo procurando melhorar, mas mal nos permitimos celebrar as coisas que estão indo bem.
Como você pode perceber, não tratei do método da CNV diretamente, mas procurei lançar luz sobre as principais ideias e conexões por trás da fabulosa obra de Marshall Rosenberg. Leia o livro e busque suas próprias conexões.
*Resende é auditor federal de finanças e controle da CGU e professor de Gestão Pública. Instagram: @prof.wellitonresende
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