Transparência e visibilidade na aplicação dos recursos de enfrentamento à pandemia da Covid-19 nos municípios brasileiros


Por Welliton Resende*


O estabelecimento, pela Lei nº 13.979/2020 e outras normas, de um regime jurídico excepcional de emergência sanitária no Brasil, em decorrência da pandemia da Covid-19 - doença provocada pelo novo coronavírus -, não exime o administrador público de cumprir o dever constitucional da transparência. Na esteira desse entendimento o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público devem ser publicizados com o intuito de favorecer o controle social. Nessa senda, a legislação brasileira prevê dispositivos que garantem ao cidadão o acesso às contas públicas e aos processos licitatórios emergenciais. Vejamos alguns:



• As contas dos municípios devem ficar disponíveis para o contribuinte. (Constituição Federal, art. 31 § 3º)

• O cidadão tem direito a acessar informações públicas (Constituição Federal, art. 5.º, inciso XXXIII, e Lei de Acesso à Informação)

• A prefeitura deve incentivar a participação popular na discussão de planos e orçamentos. Suas contas devem ficar disponíveis para qualquer cidadão. (Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 48 e 49)

• A prefeitura deve comunicar por escrito aos partidos políticos, sindicatos de trabalhadores e entidades empresariais com sede no município a chegada da verba federal em um prazo máximo de dois dias úteis. (Lei nº 9.452/97, art. 2º)

• Qualquer cidadão pode acompanhar o desenvolvimento da licitação. (Lei 8.666/93, art. 4º)

• Qualquer cidadão poderá requerer à administração pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada. (Lei 8.666/93, art. 7º § 8º)

• Qualquer cidadão poderá impugnar um edital de licitação por irregularidade, nos termos da lei. (Lei 8.666/93, art. 41º § 1º)

• O processo da licitação não é sigiloso. Seus atos e seus procedimentos são públicos e acessíveis a qualquer pessoa. A proposta é sigilosa, mas somente até a abertura. (Lei 8.666/93, art. 3º § 3º)

• Qualquer cidadão pode obter cópia autenticada do processo da licitação e do conteúdo dos contratos celebrados pela Administração Pública, bastando que efetue o pagamento dos emolumentos devidos (Lei 8.666/93, art. 63)

Outrossim, o art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) estabelece que a transparência deve ser assegurada através da divulgação ampla, inclusive pela internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; relatórios de prestações de contas, bem como das versões simplificadas de tais documentos.

Corrobora esse entendimento a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/13) em seu art. 8º  quando afirma que é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, in verbis:

§ 1º Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo:

I - registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público;

II - registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros;

III - registros das despesas;

IV - informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados;

V - dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e

VI - respostas a perguntas mais frequentes da sociedade.

§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

§ 3º Os sítios de que trata o § 2º deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos:

I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão;

II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;

III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina;

IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação;

V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso;

VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso;

VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio; e

VIII - adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do art. 9º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008.

§ 4º Os Municípios com população de até 10.000 (dez mil) habitantes ficam dispensados da divulgação obrigatória na internet a que se refere o § 2º , mantida a obrigatoriedade de divulgação, em tempo real, de informações relativas à execução orçamentária e financeira, nos critérios e prazos previstos no art. 73-B da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Art. 9º O acesso a informações públicas será assegurado mediante:

I - criação de serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poder público, em local com condições apropriadas para:

a) atender e orientar o público quanto ao acesso a informações;

b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades;

c) protocolizar documentos e requerimentos de acesso a informações; e

II - realização de audiências ou consultas públicas, incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação.

Por derradeiro, a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, destaca em seu art. 4º , §2º que todas as aquisições ou contratações realizadas com base nesta Lei serão disponibilizadas, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, contado da realização do ato, em site oficial específico na internet, observados, no que couber, os requisitos previstos no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, com o nome do contratado, o número de sua inscrição na Secretaria da Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de aquisição ou contratação, além das seguintes informações:    (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

I – o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato;   (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)

II – a discriminação do bem adquirido ou do serviço contratado e o local de entrega ou de prestação;   (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)

III – o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e o saldo disponível ou bloqueado, caso exista;   (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)

IV – as informações sobre eventuais aditivos contratuais;   (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)


Isto posto, a transparência pública favorece de sobremaneira o controle governamental, que é aquele exercido pelos órgãos do próprio Estado que no âmbito federal, que são a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público (MP) e a Advocacia-Geral da União (AGU). Assim como, a transparência pública é uma importante ferramenta para o desenvolvimento da cidadania e da participação social porque propicia a inclusão do cidadão no controle do gasto público da área da saúde. Com o objetivo auxiliar as Secretarias Municipais de Saúde do país a adotar práticas que visem o aprimoramento da transparência pública, integridade e participação social recomenda-se:

 

A criação de página oficial específica para as contratações emergenciais com informações pormenorizadas como o nome do(a) contratado(a), número do CPF ou CNPJ, valor total e unitário, prazo contratual e número e íntegra do processo de contratação.

Disponibilizar na página oficial informações sobre os contratos: data de celebração, órgão contratante, quantidade contratada, descrição do bem ou serviço, local da execução, status de contratações com problemas ou pendências, edital e fases da licitação, forma/modalidade de contratação, data da última atualização do portal.

Apresentar os dados e informações com acessibilidade: dados publicados em formato aberto (disponíveis para que todos usem e publiquem), possibilidade download, mecanismos de busca. Possibilidade download da íntegra do contrato, dicionário de dados.

Publicar a legislação específica tratando de contratações emergenciais disponível no portal, repositório contendo a legislação referente ao enfrentamento da Covid-19 organizada por temas, previsão legal de que as contratações sejam acompanhadas pelos órgãos de controle competentes, São fornecidas informações práticas e orientações aos gestores públicos responsáveis por contratações?

Publicar informações sobre as doações: Orientações sobre como fazer doações, Informações sobre as doações recebidas em espécie e in natura, Informações sobre a destinação das doações in natura.

Publicar as medidas de estímulo econômico: A legislação e as medidas destinadas a estimular a economia no enfrentamento da crise decorrente da pandemia são apresentadas com destaque e em detalhes, São fornecidas informações consolidadas sobre os recursos destinados a cada uma destas medidas e sobre seus impactos.

Publicar as medidas de proteção social: A legislação e as medidas destinadas à proteção social para minimizar o impacto da pandemia são apresentadas com destaque e em detalhes, São fornecidas informações consolidadas sobre os recursos destinados a estas medidas e sobre seu impacto.

Dar destaque a cada 7 dias nas redes sociais da SEMUS (Facebook, Twitter e Instagram): endereço eletrônico do portal com as contratações emergenciais: Portal oficial do governo, Portal de informação sobre a Covid-19 ou do órgão de saúde responsável, Portal de transparência ou do órgão de controle, disponibilizar os instrumentos de visualização de informações agregadas sobre as contratações emergenciais voltadas para o enfrentamento da COVID-19, por meio de gráficos, infográficos, painéis interativos e/ou dashboards.

Fortalecer o papel da Ouvidoria: Link para Ouvidoria no portal onde estão as contratações emergenciais, possibilidade de se realizar denúncia anônima, Tag específica em assunto para ‘COVID-19’, relatório estatístico sobre a atuação da Ouvidoria em resposta às manifestações sobre COVID-19.

Divulgar no Portal da Transparência da Prefeitura: Link para FalaBR no portal onde estão as contratações emergenciais, Possibilidade de se realizar pedido de acesso à informação de forma sigilosa, Tag específica em assunto para ‘COVID-19’, Relatório estatístico com o desempenho em relação aos pedidos de acesso à informação sobre COVID-19.

 

 As sugestões para o fortalecimento da transparência e da visibilidade na aplicação dos recursos de enfrentamento à pandemia da Covid-19 nos municípios brasileiros são decorrentes de modelos provenientes de avaliação de portais da Controladoria-Geral da União, por meio da Escala Brasil Transparente, e da Metodologia da Transparência Internacional, que afere a publicação de dados referentes às contratações emergenciais, doações, programas de estímulo econômico e medidas de proteção social. 

O princípio basilar é que todo gestor público que recebe uma dotação orçamentária não pode executar o gasto da forma que desejar e sim obedecer às exigências contidas nas leis e também ao estatuído no Art. 37 da CF: “ A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além disso, tem o dever de prestar contas de seus atos aos controles governamental e participativo-social. 

 

Welliton Resende é auditor federal, vencedor do Prêmio Innovare, ex-auditor do TCE-MA, mestrando e professor na área de gestão pública. Siga Resende no Instagram


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