O papel da transparência no contexto das reformas do Estado no Brasil

 

Por Welliton Resende

Com os novos modelos de produção, distribuição e circulação do capitalismo globalizado e o acirramento das dificuldades financeiras dos governos no final do século passado, o debate sobre o papel do Estado, o perfil dos gastos públicos e os destinos da burocracia governamental assumiu uma enorme importância na agenda de vários países e dos organismos financeiros internacionais. Essa mudança de paradigma teve sua origem quando o arquétipo de Estado estruturado pelos países desenvolvidos no pós-guerra entrou em declínio no final dos anos de 1970. Esse modelo de Estado interventor  colapsou as relações com a sociedade civil por estar presente em todas as esferas da vida social.

A reforma e modernização do Estado-entendidas aqui como um complexo processo de transição de estruturas políticas, econômicas e administrativas- surgem  como o tema central e imperioso da agenda política mundial (CLAD, 1999).  A resposta a essa crise, em princípio, foi a adoção de um modelo neoliberal-conservador. Suas políticas estruturantes visavam restabelecer os equilíbrios fiscal e  da balança de pagamentos. Com efeito, as reformas foram orientadas para atender aos interesses do mercado-denominadas de primeira geração- e preconizavam, entre outras, a abertura comercial, a desregulamentação, a privatização e o ajuste fiscal para reduzir o tamanho do Estado. Esta revisão do papel do Estado, intensificada nos anos de 1990, vem sendo realizada principalmente pelo governo federal, e, nos países federativos, também pelos governos estaduais. Nesse primeiro estágio foram enfatizadas medidas de racionalização de recursos.

Para Matias Pereira (2001) o maior êxito dessa primeira fase de reformas  foi o combate à hiperinflação  e o esforço de garantir a estabilização da economia. No entanto, elas não resolveram os grandes problemas socioeconômicos dos países em desenvolvimento. No Brasil, essa agenda foi  introduzida pelo governo Collor de Mello (1990-1992) e seus resultados foram considerados tímidos, com apenas algumas privatizações e como efeito perverso a responsabilização dos servidores públicos, considerados os principais responsáveis pelos problemas do Estado. O governo Itamar Franco (1992-1995) tratou o tema com menor prioridade, mas introduziu o principal elemento de sustentação e justificação das reformas, o Plano Real.

Cumprida a primeira geração de reformas, os países em desenvolvimento iniciaram a segunda geração, pautado, segundo Heredia e Schneider (1998), pela tentativa de construção e reconstrução de suas capacidades administrativas e institucionais. Por capacidade administrativa entende-se a busca de instrumentos voltados para aumentar o desempenho dos organismos públicos com vistas à obtenção de resultados e à satisfação do cidadão que utiliza os serviços públicos. Por capacidade institucional, entende-se a busca de incentivos que aumentem estímulos para a cooperação e a formulação e implementação sustentada das decisões governamentais. Com base nesses pressupostos, a segunda geração persegue: a) eficiência dos serviços públicos, a ser alcançada pela otimização dos recursos humanos e financeiros via o estímulo à competição administrada pelo governo e do que as Organizações Sociais são exemplo; b) efetividade; c) democratização, com o envolvimento da comunidade nas decisões relativas às ações públicas; e d) descentralização para as esferas subnacionais das responsabilidades de provisão de infra-estrutura e dos serviços sociais.

 

Dessa forma, vem sendo implementada uma nova geração de reformas , com o objetivo de promover a reconstrução do aparelho do Estado. As reformas de segunda geração  reafirmam que o Estado continua a ser um instrumento  indispensável de promoção do desenvolvimento econômico, social e político. Conforme o CLAD (1999) as ideias de reforma no Brasil  têm como foco aspectos que envolvem a questão do fortalecimento da democracia , da retomada do desenvolvimento econômico  e social pela via da produção de bens e serviços para se adequar  a uma nova função do "Estado gerencial". Para Bresser Pereira (2001, pág. 30), o Estado Gerencial vai:

"(...) além de criar agências reguladora: é também o Estado democrático e eficiente que financia a fundo perdido  os serviços sociais e a pesquisa científica e age como capacitador (enabler) da competitividade das empresas privadas".

Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que deu o formato definitivo e conceituai à chamada reforma do Estado, principalmente através do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARÉ -, extinto no segundo mandato, e do seu titular ao longo de quase todo o primeiro mandato, o ministro Bresser Pereira.  reforma parece ter sido relativamente bem aceita tanto pela sociedade como pela coalizão política de sustentação do governo. As explicações para essa aceitação parecem estar na a) forte e positiva associação entre a reforma e a chamada crise fiscal do Estado b) também forte e positiva associação entre reforma e continuidade do sucesso do Plano Real e c) promessa de que a reforma tornaria o serviço público eficiente.

Tanto a primeira como a segunda geração de reformas adquirem centralidade na agenda dos países em desenvolvimento pela pressão da comunidade internacional de negócios e dos organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial.3 Este último enfatiza, em todos os seus projetos de financiamento, a importância da criação de capacidade de Estado e de instituições (state capacity building institution building) e a adoção de práticas voltadas para o "bom governo" (governance).

Nesse contexto, a questão da transparência passa a ter destaque, visto que a corrupção apresenta-se como um fenômeno que enfraquece a democracia, a confiança no Estado, a legitimidade dos governos e a moral política. 






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