Os novos espaços de participação pós-Constituição de 1988


Welliton Resende, auditor federal e mestrando em Desenvolvimento Regional.

Por Welliton Resende

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Na Constituição Federal de 1988 encontram-se claros sinais da luta pela democratização da gestão pública, quando nela se garantiu, por exemplo, o princípio da gestão descentralizada e participativa. Nesse sentido, os artigos 5, 10, 29, 31, 34, 35, 37, 58, 70, 74, 162, 194, 195, 198, 204, 216, 225 e 227, da Carta Constitucional asseguram novos espaços de participação da população, por meio de organizações representativas, no processo de formulação e controle das políticas públicas em todos os níveis da gestão administrativa (municipal, estadual e federal).

Essa nova configuração instituiu mecanismos de intervenção nos processos de tomada de decisão, tornando as políticas públicas mais porosas. Foram criadas arenas inovadoras de interação entre governo e sociedade social, através de canais e estratégias de participação - o chamado controle social. Essa participação pode ocorrer por meio de diversos canais. Os mais comuns são os conselhos gestores de políticas públicas que atuam nos estados e municípios (Conselhos de Assistência Social, de Saúde, de Educação etc) e a participação direta nas diversas fases em que se realizam os atos que compõem os processos de elaboração e discussão das leis orçamentárias previstas no art. 165 (PPA, LDO e LOA). 


Com consequência dessa nova institucionalidade, os anos de 1990 serão marcados, no Brasil, por uma generalização do discurso da participação. Os mais diversos atores sociais, tanto no âmbito da sociedade quanto do Estado, reivindicam a participação social, a democracia participativa, o controle social sobre o Estado e a realização de parcerias entre o Estado e a sociedade civil. Rocha (2009) aponta que temas como participação, democracia, controle social e parceria não são conceitos com igual significado para todos os atores sociais e enfatiza a necessidade premente de refazer alguns percursos históricos que construíram conceitos e práticas de participação política no Brasil. 


Rocha (2009) entende que esse processo de mudança no cenário político brasileiro, que resultou na criação do modelo de gestão pública descentralizada e participativa, não foi construído nem espontânea e nem pacificamente. É que já havia uma herança anterior, feita de experiências acumuladas de participação (nos anos de 1980), advindas do campo democrático, em particular as desenvolvidas pelos movimentos sociais e suas organizações. Diuturnamente, a sociedade civil tem que lidar com um Estado tradicionalmente privatista, que sempre manteve relações simbióticas e corporativas com grupos privilegiados. O autor afirma que há um histórico de mistura promíscua entre o público e o privado, marcada pela exclusão de conquistas sociais e democráticas coletivamente construídas, apesar de os segmentos sociais definirem persistentemente seu lugar como atores nessa história (ROCHA, 2009).


Nesse contexto, a participação da gestão dos interesses coletivos passa a significar também participar do governo da sociedade, disputar espaços de definição e gestão das políticas públicas, questionar o monopólio do Estado como gestor da coisa pública, construir espaços públicos, afirmando a importância do controle social sobre o Estado, pela gestão participativa, a co-gestão, e a interface entre o Estado e a sociedade (DAGNINO, 1994). 


A participação na esfera pública é importante pelo conteúdo pedagógico, principalmente para a construção de uma ética social que contribua significantemente para o reordenamento da gestão pública e propicie a passagem de uma cultura de favores a uma cultura de direitos. A participação promove e desenvolve as próprias qualidades que lhes são necessárias, já que, conforme Pateman (1992, p. 61), “quanto mais os cidadãos participam melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo”. Ou seja, a participação dos cidadãos na vida pública torna-lhes aptos para intervir nos processos de discussão e deliberação de seus interesses, sendo, então, uma condição necessária à democratização da gestão pública.


Nesse entendimento, o surgimento de novos atores sociais, a força emergente e insurgente das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC's), a limitação da representação política ao processo eleitoral e a importância de uma participação mais direta deram origem, por exemplo, às reflexões sobre a democracia participativa e deliberativa, assentada na ideia da transformação do cidadão num ator político e consciente, que supera o papel de mero expectador e pensa comunitariamente pela constituição de espaços públicos, como fóruns, conselhos, ouvidorias, portais da transparência, orçamento participativo, etc.


Um outro espaço de intervenção da sociedade propiciado pela Constituição Federal de 1988 decorre do art. 165. Ao estabelecer os instrumentos de planejamento da gestão pública, por meio das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), o constituinte deu um passo firme no caminho da participação social e popular na formulação das políticas governamentais. É por meio das leis orçamentárias que o Poder Executivo é autorizado pelo Poder Legislativo a realizar o gasto público. Além disso, os orçamentos previstos no § 5º, I e II, do artigo citado, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Daí decorre a importância da participação que significa, segundo Teixeira (2001, p. 27),

‘fazer parte’, ‘tomar parte’, ‘ser parte’ de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. Referir ‘a parte’ implica pensar o todo, a sociedade, o Estado, a relação das partes entre si e destas com o todo e, como este não é homogêneo, diferenciam-se os interesses, aspirações, valores e recursos de poder.


Para o controle social das diversas fases em que se realizam os atos que compõem o processo orçamentário, a Magna Carta prevê que comissões permanentes do Congresso Nacional, em razão da matéria de sua competência, realizarão audiências públicas com entidades da sociedade civil (art. 58, II). Por sua vez, a Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), em favor da transparência na gestão fiscal, determina a execução de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão do PPA, da LDO e da LOA (art. 48, parágrafo único).

Está implícita nesta prerrogativa a ideia de uma cidadania ampliada, que transcenda, a reivindicação do acesso, inclusão e pertencimento ao sistema político e alcance o direito de participação na definição desse sistema. Santos Júnior (2001, p. 94) analisa que parece pertinente que o envolvimento dos cidadãos na gestão pública incide diretamente sobre as possibilidades e os padrões de interação entre o governo e a sociedade, de forma que a participação social é condição indispensável tanto para a formulação de demandas quanto para a própria interação política entre a sociedade e as instituições governamentais. 


Como exposto, a Constituição Federal de 1988 regulamentou a participação da sociedade civil como um elemento dos processos decisórios nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal) e introduziu-se uma série de mecanismos permitindo que representações de segmentos sociais tivessem acesso à gestão pública e tomassem parte nos referidos processos, sinalizando o fato de que a participação social deve exercer uma influência significativa na formulação, implementação, controle e avaliação das políticas públicas.




REFERÊNCIAS

DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: ______ (Org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.

______. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

ROCHA, Roberto. Gestão descentralizada e participativa. Revista Pós Ciências Sociais. v. 1 n. 11 São Luis/MA, 2009.

TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: desafios da participação cidadã. São Paulo: Cortez, 2001.




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