O Estado moderno como instituição capitalista



Por Welliton Resende

O Estado moderno como instituição foi demarcado desde o período denominado por Marx (1988) de “acumulação primitiva” do capital, fase que compõe a pré-histórica do modo de produção capitalista; e tem sua consolidação com o ciclo das revoluções burguesas ocorridas entre os séculos 17 e 19, onde a burguesia chega ao poder graças ao amadurecimento econômico e social que convergiu para seu poderio.

Nesse entendimento, o propalado Estado moderno exerce a função de complementação ao capital numa íntima relação de dependência ontológica à totalidade social. Portanto, nos marcos da sociabilidade burguesa o Estado atende as necessidades reprodutivas do sistema do capital através de uma ação corretiva compatível com os parâmetros e limites estruturais que lhe são imanentes. Trata-se de explicitar, aqui, com base em Marx e Mészáros, a relação de complementariedade exercida pelo Estado no interior do sistema sociometabólico do capital, pois este “é o complemento perfeito das exigências internas desse sistema [...] antagonicamente estruturado” (MÉSZÁROS, 2002, p. 122).


Marx (1995, p. 79), referindo-se ao Estado moderno, demonstra a incapacidade deste compreender os fundamentos dos problemas sociais imanentes à lógica sociorreprodutiva do capital. O autor salienta que a base causal dos males sociais é sempre concebida pelo universo burguês, e por sua forma de Estado correspondente, ora como “um defeito de administração e de assistência” ora como culpa dos indivíduos particulares que passam a ser culpabilizados por sua condição de miserabilidade social, pagando, barbaramente, o preço de sua pobreza. 

Por sua vez, a justificação do pauperismo, expresso na desigualdade inerente à organização vigente dessa formação socioeconômica que se traduz na valorização crescente do capital e no aumento significativo da miséria relativa do trabalhador, é procurada em leis da natureza, pois “o Estado jamais encontrará no ‘Estado e na organização da sociedade’ o fundamento dos males sociais”: 

Por isso, o Estado não pode acreditar na impotência interior da sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode descobrir apenas defeitos formais, casuais, da mesma, e tentar remediá-los. Se tais modificações são infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição natural, independente do homem, uma lei de Deus, ou então a vontade dos indivíduos particulares é por demais corrupta para compreender aos bons objetivos da administração (MARX, 1995, p. 81).

Isto posto, em sua modalidade moderna, o Estado representa o poder politicamente organizado da classe burguesa para a garantia de seus interesses hegemônicos. Seu papel vital é a garantia e a proteção das condições gerais de extração da mais-valia do trabalho excedente.  

Sob a égide da globalização, a violência do capital torna-se mais aguda e devastadora, sobretudo, nos países de economia periférica. Globalização pode ser entendida aqui como o processo pelo qual o capital-dinheiro na forma da moeda hegemônica- o dólar norte-americano- se coloca como pressuposto e resultado de todas as economias nacionais. Chesnais (1996) chama isso de "mundialização do capital".

 Nas periferias latino-americanas a devastação neoliberal apequenou os Estados nacionais, que já são presas fáceis dos constrangimentos externos e já sofreram a desterritorialização da política. Assim, a a mundialização é, de fato, a especialização do capital-produtivo determinada pelo capital financeiro. A mundialização impõe a destruição dos precários direitos do trabalho, conquistadas a duras penas nas periferias latino-americanas, logrados, na verdade, ao preço de ditaduras modernizadoras como a de Vargas e do regime militar (OLIVEIRA, 1993).

A desterritorialização operada pela mundialização dividiu o Estado-Nação periférico. Restou o Estado e quase desapareceu a Nação. Onde esta persiste é devido à força do Estado na velha junção dos termos. A doutrina neoliberal do Estado mínimo esconde, na verdade um Estado máximo, que opera no controle da força de trabalho rebaixando o estatuto dos direitos e propiciando as condições institucionais para a elevação da taxa de exploração;e, de outro, é uma forma de capital-financeiro para capital-mundializado , através de isenções, subsídios e toda sorte de incentivos.


A desterritorialização é uma desnacionalização da política e uma despolitização da economia. A desnacionalização da política é a transferência para agências de governança mundial (FMI, BIRD, OMC) das formulações de políticas econômica, moeda, câmbio e fiscal, e o estatuto da propriedade pública e privada. A despolitização da economia, por sua vez, significa que os conflitos internos entre classes e setores e o Estado estão submetidos às condicionalidades externas.

 

Comentários