Por Welliton Resende
A burocracia é uma forma de organização humana que se baseia na racionalidade, isto é, na adequação dos meios aos objetivos (fins) pretendidos, afim de garantir a máxima eficiência possível no alcance desses objetivos. As origens da burocracia como forma de organização humana- remontam à época da Antiguidade (CHIAVENATO, 1993, p. 412).
Karl Marx estuda o surgimento da burocracia como forma de dominação estatal na antiga Mesopotâmia, China, Índia, Império Inca, Antigo Egito e Rússia. A burocracia emerge como mediação entre os interesses particulares e gerais em função do modo de produção asiático para explorar as obras hidráulicas de irrigação do solo, coordenando os esforços da sociedade de então e posteriormente explorando as comunidades subordinadas através da apropriação da terra pelo Estado e da posse do excedente econômico. O modo de produção asiático caracterizou-se pela intervenção do Estado na economia, tendo como base a burocracia. Seja ao nível estatal ou de cooperação privada, a burocracia mantinha sob sua tutela a classe comerciante, a campesina e a aristocracia territorial, que dependiam dela para manter as obras hidráulicas e a nomeação para a administração pública.
Contudo, a burocracia- tal como ela existe hoje, como a base do moderno sistema de reprodução - teve sua origem nas mudanças religiosas verificadas após o Renascimento. Weber salienta que o sistema moderno de produção, eminentemente racional e capitalista, não se originou das mudanças tecnológicas nem das relações de propriedade , como afirmava Marx, mas de um novo conjunto de normas sociais morais, às quais denominou de "ética protestante": o trabalho duro e árduo como dádiva de Deus, a poupança e o asceticismo que proporcionaram a replicação das rendas excedentes, uma vez que seu dispêndio e consumo em símbolos materiais e improdutivos de vaidade e prestígio eram proibidos.
Verificou-se que o capitalismo, a burocracia (como forma de organização) e a ciência moderna constituem três formas de racionalidade que surgiram a partir dessas mudanças religiosas ocorridas inicialmente nos países protestantes- como a Inglaterra e a Holanda- e não em países católicos. As semelhanças entre o protestante ( principalmente o calvinista) e o comportamento capitalista são impressionantes, afirmou Chiavenato (1993).
Para Weber (1998), a burocracia só se consuma quando recebe a legitimidade dos subordinados e a partir daí passa a funcionar como administração. Nesta perspectiva, Weber vê a burocracia como forma de dominação. Na verdade, na vida cotidiana, dominação é, em primeiro lugar, administração. A presença do quadro administrativo é o instrumento da instalação do poder, pois uma dominação de uma pluralidade de pessoas requer um quadro administrativo, que garanta a execução de ordens gerais.
Por sua vez, a legitimidade de uma dominação implica obediência à ordem recebida, como se tivesse feito do conteúdo da ordem, a máxima de sua conduta sem levar em conta a opinião própria sobre o valor ou desvalor desta ordem. Afirma Weber (1998, p. 138) que: Todas as dominações procuram despertar e cultivar a crença em sua legitimidade. Dependendo da natureza da legitimidade pretendida difere o tipo de obediência e do quadro administrativo, destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação.
Entre os diferentes tipos de dominação estudados por Weber, a burocracia se insere na dominação legal-burocrática. Essa dominação possui um caráter racional, fundamentado na crença da validade dos regulamentos estabelecidos racionalmente e na legalidade dos chefes designados nos termos da lei. Assim a relação entre dominantes e dominados se estabelece, não por vontade própria, mas por estar previsto, em estatuto, que determina quem deve mandar e quem deve obedecer. Quem manda, assim o faz para obedecer ao estatuído.
O dominante, que está apenas exercendo uma função como dever objetivo do cargo que ocupa, deve agir impessoalmente, sem interferência subjetiva, sem consideração a pessoas, sem influência de qualquer espécie. Deve agir de maneira estritamente formal, segundo regras racionais. Para Max Weber (1995, p. 350) o dever de obediência está graduado numa hierarquia de quadros com subordinação dos inferiores aos superiores e prevê um direito de queixa que é regulamentado. A base do funcionamento técnico é a disciplina, ou seja, cada um no seu posto exercendo uma função.
As ordens serão legítimas quando não se ultrapassar a ordem jurídica impessoal da qual ele recebe o seu poder de comando e a obediência se deve somente aos limites fixados nesta mesma ordem. Assim há, na dominação burocrática, a estratificação dos estratos em grande complexidade, marcada pelo princípio de “dividir para reinar”. Há na administração burocrática um processo de nivelamento de dominantes e dominados porque, na verdade, todos obedecem a um estatuto previamente estabelecido. As classes laboriosas e as classes dirigentes são apenas variantes do cidadão - a dominação fica dissimulada e esta planificação surge como instrumento para exercer o poder e justificar seu exercício.
É uma forma sutil e perfeita pela qual o autoritarismo se impõe no mundo capitalista. Na forma burocrática de administrar aplica-se o princípio absoluto da separação entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção. Substitui-se assim o governo das pessoas pela administração das coisas e a racionalidade que a governa faz surgir a crença de uma razão inscrita nas próprias coisas, na medida em que esta razão estabelece uma sociedade inteligível de ponta a ponta. As idéias de organização, controle, administração e planificação transformam o universal abstrato em ação adequada a fins.
A burocracia não é um aparelho qualquer à disposição de dirigentes políticos; é um aparelho centralizado. A centralização diz respeito tanto ao recrutamento quanto a administração de um pessoal colocado sob a autoridade se não das mesmas regras, pelo menos de regras que dependem dos mesmos princípios. E por ser centralizada é que este tipo de administração tende a uma codificação mais ou menos rigorosa que procura dar coerência a uma massa de leis, decretos, regulamentos prolíficos e confusos.Administrar/dominar via burocracia é estabelecer obediência por meio de um quadro administrativo: cria-se uma infinidade de direitos e deveres, instala-se uma hierarquia entre o séquito e este corpo administrativo.
E isto possibilita a estabilidade da dominação. Neste sentido, vemos que Weber estabeleceu as estratégias usadas pelos dominantes para assegurar a dominação e fazer com que os dominados aceitem-na. A burocracia é um fenômeno básico da modernidade. Este instrumental liga-se ao processo de racionalização que marca as estruturas capitalistas a partir da constituição de empresas de caráter racional. Ainda no dizer de Weber (1998) o que em definitivo criou o capitalismo foi uma concepção racional que invadiu a empresa, a contabilidade, o direito, a economia, a vida enfim.
A burocracia, então, pode ser definida da seguinte forma: aparato técnico-administrativo, formado por profissionais especializados, selecionados segundo critérios racionais e que se encarregavam de diversas tarefas importantes dentro do sistema. A análise de Weber também aponta que a burocracia, existiu em todas as formas de Estado, desde o antigo até o moderno. Contudo, foi no contexto do Estado moderno e da ordem legal que a burocracia atingiu seu mais alto grau de racionalidade.
SegundoWeber, as principais características de um aparato burocrático moderno são:
Funcionários que ocupam cargos burocráticos são considerados servidores públicos;
Funcionários são contratados em virtude competência técnica e qualificações específicas;
Funcionários cumprem tarefas que são determinadas por normas e regulamentos escritos;
A remuneração é baseada em salários estipulados em dinheiro;e,
Funcionários estão sujeitos a regras hierárquicas e códigos disciplinares que estabelecem as relações de autoridade.
No decorrer dos anos, e principalmente após a eclosão de duas guerras mundiais no Século XX, o Estado se viu na obrigação de reerguer-se política, econômica e socialmente. Nesse momento, surgiu o Estado Social atrelado a políticas Keynesianas, que tinha como deveres, além dos já consagrados no período liberal, educação, moradia, saúde etc. À medida que o Estado foi assumindo maiores obrigações,naturalmente foi crescendo o número de pessoas que realizam seu trabalho. Este era o Estado burocrático.
Segundo o pensamento de autores alinhados com o pensamento de de que a economia e o mercado tinham suas próprias regras, o gigantismo estatal causou a inflação e tantos outros males, como o favorecimento de empresas privadas com recursos públicos. Este é o pensamento é do neo-liberalismo , iniciado com Hayek, na Suíça, no ano de 1947 e que passou a predominar no cenário global com a ascensão ao poder de Margareth Tatcher, na Inglaterra (1979) e de Ronald Reagan, nos EUA (1980).
Com o passar dos anos, este pensamento foi tomando conta do panorama mundial e, após a queda do muro de Berlim e o Consenso de Washington, no ano de 1991, passou a prevalecer em vários países da Europa e das Américas. A partir de então, a concepção de Estado foi sendo alterada pera o modelo gerencial. Para Salvador (2010) o
estado capitalista representa a condensação da luta de classes presente
na sociedade civil burguesa. O Estado, nesta lógica, resguarda a
contradição fundamental da ordem do capital: a apropriação privada da
riqueza social a partir da exploração da força de trabalho.
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