A homologia casual entre burocracia weberiana e transparência pública



Por Welliton Resende*

Diametralmente oposto ao conceito popular, a burocracia é visualizada geralmente como uma organização onde o papelório se multiplica e se avoluma, impedindo as soluções rápidas ou eficientes, o apego exacerbado e procrastinador de funcionários a rotinas e normas, causando ineficiência à organização. O leigo passou a denominar burocracia aos defeitos do sistema (disfunções) e não ao sistema em si mesmo.

O conceito de burocracia para Max Weber é exatamente o contrário. A burocracia é a organização eficiente por excelência. E para conseguir essa eficiência, a burocracia precisa detalhar antecipadamente e nos mínimos detalhes como as coisas deverão ser feitas.

Segundo Marx Weber, a burocracia tem as seguintes características principais:
1.Caráter legal das normas e regulamentos;
2.Caráter formal das comunicações;
3.Caráter racional e divisão do trabalho;
4.Impessoalidade nas relações;
5.Hierarquia de autoridade;
6.Rotinas e procedimentos estandartizados;
7.Competência técnica  e meritocracia;
8.Especialização da administração que é separada da propriedade;
9.Profissionalização dos participantes;e,
10.Completa previsibilidade do funcionamento.

Do exame às características da burocracia, constata-se que a transparência é meio e fim de pelo menos três: caráter legal das normas e regulamentos,  caráter formal das comunicações e completa previsibilidade do seu funcionamento. A transparência, enquanto princípio normativo, é uma atividade administrativa cujo efeito líquido tem dois propósitos principais: a)proporcionar informação e compreensão necessárias para que os diversos atores possam se conduzir; e, b)proporcionar atitudes necessárias que promovam a motivação, cooperação e satisfação desses atores.

No que concerne ao caráter legal, em um estado democrático como o Brasil, é direito do cidadão conhecer o caminho que trilhou o dinheiro dos seus impostos. A clareza na gestão é  dever da Administração, principalmente depois da publicação da Lei de Acesso à Informação (LAI), em 2011. No entanto, é rasa a visão de quem pensa que a transparência pública é novidade no país. A Constituição Federal de 1988, por exemplo,  já colocava o direito de acesso aos dados públicos como um dos direitos fundamentais dos cidadãos. Depois dela foram publicados vários decretos, leis e portarias que tratavam sobre o tema: o rito processual do habeas data, a  Lei que instituiu os pregões presencial e eletrônico, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Lei de Conflito de Interesses, entre outros. Conforme Chiavenato (1993):

A burocracia é uma organização ligada por normas e regulamentos previamente estabelecidos por escrito. Em outros termos, é uma organização baseada em uma espécie de legislação própria (Como a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica do Município) que define antecipadamente como a organização burocrática deverá funcionar. Essas normas e regulamentos são escritos. Também são exaustivos porque procuram cobrir todas as áreas da gestão, prever todas as ocorrências e enquadrá-las dentro de um esquema previamente definido capaz de regular tudo que ocorra dentro da gestão. As normas e regulamentos são racionais porque são coerentes com os objetivos visados. Nesse sentido, a burocracia é uma estrutura social racionalmente organizada. As normas e regulamentos são legais porque conferem às pessoas investidas da autoridade um poder de coação sobre os subordinados e também os meios coercitivos capazes de impor a disciplina. As normas e regulamentos são escritos para assegurar uma interpretação sistemática e unívoca. Desta maneira, economizam-se esforços e possibilitam a padronização dentro da organização (CHIAVENATO,1993, 420).


A transparência pública trata, portanto, do aumento da visibilidade dos gastos efetivados pelo governo com qualidade de informação e em espaço temporal. Esses dados se referem a qualquer informação pública ou sob custódia dos órgãos e entidades da Administração Pública, desde que não sejam sigilosos. Além disso, quando a transparência pública é eficaz a sociedade pode acompanhar os serviços prestados e identificar quando houver fraudes que impeçam o desenvolvimento do país. Portanto, se coaduna intrinsecamente com os princípios do caráter formal das comunicações e da completa previsibilidade do seu funcionamento:

A burocracia é uma organização ligada por comunicações escritas. As regras, decisões e ações administrativas são formuladas e registradas por escrito. Daí o caráter formal da burocracia: todas as ações e procedimentos são feitos para proporcionar comprovação e documentação adequadas. Além disso, a interpretação unívoca das comunicações também é assegurada. Como muitas vezes certos tipos de comunicações são feitos reiterada e constantemente , a burocracia lança mão de rotinas e de formulários para facilitar as comunicações e para rotinizar o preenchimento de sua formalização (CHIAVENATO, 1993, 420).

A consequência desejada da burocracia é a previsibilidade do comportamento dos seus membros. O modelo burocrático de Weber parte da pressuposição de que o comportamento dos membros da organização é perfeitamente previsível: todos os funcionários deverão comporta-se de acordo com as normas e regulamentos da organização, a fim de que esta atinja a máxima eficiência possível. Tudo na burocracia é estabelecida no sentido de prever antecipadamente todas as ocorrências e rotinizar sua execução, para que a máxima eficiência do sistema seja plenamente alcançada (CHIAVENATO, 1993,425).

Por fim, pode-se concluir que há uma inequívoca homologia casual entre a burocracia weberiana e o princípio da transparência pública.



Resende é auditor federal e mestrando em Desenvolvimento Regional. Interaja com ele no insta: @welliton.resende






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