A crítica à burocracia de Maurício Tragtenberg



Por Welliton Resende

A opção epistemiológica pelo método marxiano pressupõe a utlização de três movimentos simultâneos: crítica, construção do novo conhecimento e ação com vistas à transformação da realidade. Nessa perspectiva dialética, a análise empreendida por Maurício Tragtenberg, busca identificar especificidades históricas, a partir do aprofundamento e generalização da burocracia na sociedade moderna, capitalista.

Para Tragtenberg, a administração entendida enquanto organização formal burocrática se encontra plenamente realizada no Estado; isso equivale dizer que ela surge em formações sociais pré-capitalistas, séculos antes de sua aparição nas grandes empresas privadas. Cumpre ressaltar que é na fase industrial da sociedade moderna onde surgem as empresas burocratizadas: a ampliação da divisão social do trabalho faz surgir a necessidade de ideologias que justifiquem as relações de  produção burguesas. A chamada Teoria Geral da Administração (originária da obra de Taylor) é um modelo explicativo do início do século XX – passagem do capitalismo liberal ao monopolista – que expõe a emergência da burocracia como poder funcional e político. Contudo, ela já pode ser  encontrada no modo de produção asiático, que englobava todas as antigas sociedades do continente, além do México e Peru pré-coloniais:

A burocracia enquanto classe dominante (detentora dos meios de produção), elemento de mediação com a sociedade global, exercendo o poder político, perfila-os ante a História como uma forma de dominação burocrático-patrimonial ou modo de produção asiático. No modo de produção asiático, o
déspota oriental representa a confluência de um processo social, que se inicia com a burocracia,  surgindo das necessidades técnicas (irrigação de terra arável), finalizando como poder de exploração, efetuando-se assim a transitividade da burocracia cumprindo funções de organização e supervisão
para o monopólio do poder político. (TRAGTENBERG, 2006, p. 30).


Apesar de reconhecer os interesses de classe e a perspectiva burguesa de Hegel, Tragtenberg busca em sua obra uma base analítica para reconhecer a existência da burocracia enquanto poder administrativo e poder político. Nesse processo, já reside de modo implícito sua crítica radical às frações da classe burocrática e ao Estado, seja ele capitalista ou “socialista”:

A burocracia representa no esquema hegeliano certas corporações ou sua combinação. Além de ser um instrumento das classes dominantes, a burocracia tem efeitos de permanência subsistindo com nível relativo de autonomia. Esse nível atualmente é encontrado na burocratização das lideranças sindicais e dos Estados socialistas. A corporação é a burocracia da sociedade civil e do Estado, sua hierarquia de formas, de apresentação. Ela se opõe como sociedade civil ao Estado, ao Estado da sociedade civil, às corporações. O mesmo espírito que na sociedade criou a corporação cria no Estado a burocracia. A burocracia é mesmo uma corporação, aparece como realidade no bonapartismo e na Prússia. No capitalismo de Estado, no regime democrático liberal, aparece como agente da vontade geral, como um universal que encobre determinações privatistas. A burocracia protege uma generalidade imaginária de interesses particulares. As finalidades do Estado são as da burocracia e as finalidades desta tornam-se finalidades do Estado. (TRAGTENBERG, 2006, p. 28).

Aqui, ele enfatiza sua distância e crítica ao modelo weberiano, o qual seria insuficiente para compreender tais sociedades, ao compará-las com o capitalismo privado:

Enquanto Weber, na sua análise da burocracia, preocupa-se com a enumeração de critérios que a constituem, parece-nos fundamental estudá-la em sua dinâmica interna, isto é, a maneira pela qual ela estrutura suas raízes na sociedade e o princípio em torno do qual ela aumenta seu poder. Enquanto
na indústria capitalista a burocracia em Weber define-se como órgão de transmissão, isso não se dá numa estrutura em que um partido único detém o monopólio do poder total, pois o burô político do Partido Comunista da URSS não se reduz à transmissão e execução. O acesso aos cargos do partido
nãodepende de conhecimento técnico ou profissional, não é necessário ser remunerado pelo partido para ter cargo importante. A burocracia participando da apropriação da mais-valia participado sistema de dominação. (TRAGTENBERG, 2006, p. 235-236).

Para o sociólogo brasileiro, há como conter o irrefreável e quase indestrutível domínio da classe burguesa e sua forma de organização: a alternativa estaria no processo de autonomização das classes e grupos sociais explorados e oprimidos, os quais em seu processo de luta esboçam novas e superiores relações sociais no combate encarniçado ao capitalismo e suas instituições.

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