Deixando de enriquecer a China e os Estados Unidos: desenvolvendo as regiões do Brasil


Por Welliton Resende

A globalização é entendida aqui como o processo pelo qual o capital-dinheiro na forma da moeda hegemônica-o dólar norte-americano- se coloca como pressuposto e resultado de todas as economias nacionais. Chesnais (1996) chama isso de "mundialização do capital".

A fase mais visível do "pressuposto e resultado do capital" se coloca mais visível nas economias submundiais, nome dado às novas formas de divisão do capital.

Em relação aos países, o Japão aplica seus excedentes monetários em títulos da dívida norte-americana, ou seja, o dólar é pressuposto e resultado também para a economia nipônica. Os mastodontes da economia mundial, China e Índia, que estão mudando a divisão mundial do trabalho,  se alimentam do mercado de oferta de capitais para alavancar suas formidáveis expansões e o dólar volta como resultado da exportação de manufaturas chinesas e serviços indianos.

A Rússia permanece imersa em um turbilhão de acumulação primitiva. Segundo Kurz a conversão de uma economia  de "socialismo de caserna" em economia capitalista é um problema político irresoluto.

Apenas o comércio não transforma  uma moeda nacional em mundial. Ela deve funcionar como reserva mundial de valor, ou como diria Lenin, deve ser moeda imperialista. Existe uma acumulação  comandada pelo capital financeiro ou uma acumulação à dominância financeira (CHESNAIS,1996).

Em verdade, a forma financeira descolou-se  da forma capital-produtivo e a divisão mundial do trabalho é agora comandada pelo oferta do do capital-dinheiro, que escolhe localizações as localizações espaciais do capital-produtivo.

O que quer dizer capital-dinheiro como pressuposto e resultado dos produtos da economia de economias submundiais?

Nas antigas periferias como as latino-americanas, incluindo o Brasil, a dívida externa é uma espécie de adiantamento sobre o produto futuro, que é o caso de todo o crédito,  necessário porque a moeda nacional não tem mais qualidade de reserva de valor.

Em sentido contrário, na China e na Índia a dívida externa não aparece como cordão umbilical  à ligá-las à mundialização porque estão internalizando os capitais mundiais como investimentos diretos na forma de Joint-Ventures e há um controle político dessa internacionalização da mundialização.

Nas periferias latino-americanas a devastação neoliberal apequenou os Estados nacionais, que já são presas fáceis dos constrangimentos externos e já sofreram a desterritorialização da política. Assim, a a mundialização é, de fato, a especialização do capital-produtivo determinada pelo capital financeiro.

 A taxa de lucro da economia norte-americana é que regula o movimento da competitividade mundial e, por isso, a antigas periferias veem-se devastadas  por recorrentes crises fiscais, na forma de superávits primários, enquanto os novos mastondontes  respondem na forma  de excepcionais taxas de crescimento  que encobrem uma formidável  taxa de exploração da força de trabalho para lograr a "perequação"(divisão igual) da taxa de lucro exigida pela própria mundialização.

Nos mastodontes, a mundialização exponencia o crescimento às vezes à custa de um regime político fortemente centralizado e totalitário (China). O crescimento da taxa de exploração é condição sine qua non   para todos que correm atrás no processo acelerado e descartável do progresso técnico-científico, que é a forma mais técnica de acumulação do capital. Os mastondontes se beneficiam em larga escala do progresso técnico e de salários execráveis.

A mundialização impõe a destruição dos precários direitos do trabalho, conquistadas a duras penas nas periferias latino-americanas, logrados, na verdade, ao preço de ditaduras modernizadoras como a de Vargas e do regime militar.

O termo coneito-periferia (PREBISH, 1949) descrevia e interpretava uma divisão internacional do trabalho que se sustentava na assimetria entre produtores de manufaturados produtores primários. Sob a égide do acordo de Bretton Woods (1944), os países da periferia realizavam políticas autônomas, não precisavam converter suas moedas, havia uma regra monetária reguladora, havia previsibilidade no médio prazo  e na América Latina deu origem ao desenvolvimentismo.

A desterritorialização operada pela mundialização dividiu o Estado-Nação periférico. Restou o Estado e quase desapareceu a Nação. Onde esta persiste é devido à força do Estado na velha junção dos termos. A doutrina neoliberal do Estado mínimo esconde, na verdade um Estado máximo, que opera no controle da força de trabalho rebaixando o estatuto dos direitos e propiciando as condições institucionais para a elevação da taxa de exploração;e, de outro, é uma forma de capital-financeiro para capital-mundializado , através de isenções, subsídios e toda sorte de incentivos.

A dívida interna é sustentada por esse capital financeiro por meio de um regime de câmbio flutuante que cobre os riscos cambiais. A política fiscal restritiva, por meio do superávit primário, restringe o crescimento autõnomo.

A desterritorialização é uma desnacionalização da política e uma despolitização da economia. A desnacionalização da política é a transferência para agências de governança mundial (FMI, BIRD, OMC) das formulações de políticas econômica, moeda, câmbio e fiscal, e o estatuto da propriedade pública e privada.

A despolitização da economia, por sua vez, significa que os conflitos internos entre classes e setores e o Estado estão submetidos às condicionalidades externas.

A formação da nação é substituída por um consenso forçado. Por nação entende-se que seja o agrupamento político autônomo que ocupa território com limites definidos e cujos membros respeitam instituições compartidas (leis, constituição, governo).

A política como administração já não depende da correlação de forças entre as classes, mas sujeita-se ao movimento da taxa de lucro mundial. Este é o sorriso irônico da deusa da História: de Vargas à FHC.

Sempre é bom destacar que essa reprodução também assumiu contornos regionais, com São Paulo assumindo o papel "mastondonte" e o Nordeste periferia. Foi então que a SUDENE elevou a "questão regional" ao estatuto de uma "questão nacional".

As políticas implementadas pela SUDAM, SUDENE e FINOR atestaram, de fato, uma transferência de empresas, filiais ou sucursais, das mais importantes do Centro-Sul. Concentraram-se, sobretudo, na Bahia, secundariamente, em Pernambuco e numa última fase no Ceará.

No começo dos anos de 1980 passou a haver um progressivo abandono pelo Estado de políticas regionais consistentes de desenvolvimento. Até que na década de 1990, com o governo FHC e o período neoliberal, foram desativadas as instituições regionais de planejamento, acabou com o FINOR e a FINAM e retirou a maior parte dos incentivos fiscais.

Do ponto de vista da forma de produção e reprodução da base material capitalista, não há mais "região" do ponto de vista de uma circularidade auto-sustentável da produção. Houve uma convergência na forma de dominação de classes (antigos baronatos) e a dominação é exercida  por aqueles que controlam as transferências de recursos da União para os municípios. Portanto, a grande estrutura da dominação de classes é superior e externa à "região".

Portanto, a acumulação de capital à dominância financeira reduziu a economia brasileira à condição de uma economia submundial, sem potência própria para autodirigir seu processo de acumulação de capital produtivo.

Na década de 1990, com a intensa financeirização e mundialização do capital produtivo, uma escolha locacioal é determinada pelos aportes de capital financeiro providos pelo Estado nacional e estaduais. Essas empresas apresentam como característica taxas de ocupação muito baixas (poucos postos de trabalho), doações públicas e gordos créditos fiscais e incentivos de toda sorte, municipais.

Como exemplo, do total do investimento da GM para se instalar no Rio Grande do Sul o Governo Federal doou R$ 340 dos R$ 370 milhões necessários. FHC doou R$ 700 milhões de dólares para a Ford se instalar na Bahia e não no RS.(Olívio Dutra-PT). Em síntese, não há qualquer lógica locacional apoiada em paradigmas de especialização regional.

Uma especialização que se intensificou no Nordeste foi o turismo de sete dias, os famosos "pacotes" que apenas favorecem as empresas que comandam e que geralmente se localizam no Centro-Sul e o que fica são migalhas na região nordestina.

A competição por investimentos e geração de emprego, determinada pela financeirização, provoca uma espécie de "balcanização" das regiões. A localização e a consequente divisão regional do trabalho é cada vez mais indeterminada, sendo seus elementos mais fortes a financeirização que escolhe os locais para o capital produtivo e, na contramão do senso comum, a decisão política, a orientação política dos Estados.

A acelerada urbanização brasileira está em primeiro lugar na industrialização e em segundo na des-ruralização da produção com a expulsão dos trabalhadores do interior dos estabelecimentos produtivos. A concentração de renda provocou uma verdadeira corrida para as cidades com o trabalho "informal" como processo perverso de criação de uma força de trabalho "supérflua" e na adoção de um padrão de transportes baseado nas rodovias. Isso gerou um darwinismo social, onde os mais aptos que sobrevivem e tiram proveito da selva urbana brasileira.

A metrópole brasileira transformou-se em um Estado de Exceção. O "informal" como exceção do emprego; o mutirão como exceção da moradia e do desemprego; o bolsa-família como exceção do não-salário; as políticas focadas são excessão da universalização; o soberano é o narcotraficante e o miliciano.

Pode-se concluir que a estrutura produtiva baseada no modelo de "substituição de importações" trouxe como consequencia uma monstruosa concentração de renda. Nesse sentido, o equívoco da Sudene foi estimular uma industrialização que começava pela produção de bens-salários.

Para o desenvolvimento regional faz necessário uma política baseada em investimentos em ciência básica e alta tecnologia; a renovação e radical modernização das universidades públicas com a criação de institutos especializados; instrumentos financeiros altamente diferenciadores; o uso discriminatório dos incentivos governamentais; a atração de empresas de nova geração.

Os novos setores, definidos como prioritários na política industrial do governo, fármacos, semicondutores, indústrias de software,  são muito adequados para se localizarem no Nordeste. A possibilidade de desfrutar um alto padrão de vida com condições ecológicas privilegiadas e as belezas naturais são vantagens para novos investidores.

Qualquer programa de desenvolvimento que se basear nos recursos naturais locais, nas chamadas "vocações regionais", estará fadado ao fracasso, ou a ver repetir as velhas especializações: fábrica de redes no Ceará, azeite de coco babaçú no Maranhão...ou os tais "arranjos produtivos locais" serão botar água em cesto.

Por fim, as ações e os incentivos do Estado não podem ser mais um cheque em branco. Devem ser feitos contratos de ida-e-volta, com a privatização do público (uso de incentivos estatais) e a publicização do privado, onde as empresas se comprometerão com metas sociais, de empregos, de prioridades para os grupos menos favorecidos, de respeito e estímulo às condições ambientais, de salários indiretos, e de crescente participação dos trabalhadores na gestão do empreendimento.

Claro que tudo isto encontra-se na contramão das tendências "neoliberais", mas o programa brasileiro não deve seguir a miragem de China e Índia de salários aviltados.




Referência:

Francisco de Oliveira. As contradições do ao: Globalização, nação, região, metropolização.


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