A "governamentalidade" de Focault



Por Welliton Resende

Modernamente, as novas formas de governamento não são mais operadas por meio da exclusão ou da reclusão dos sujeitos. O que vigora é um processo de inclusão que se sustenta na circulação dos sujeitos pelo espaço aberto, por meio de novas estratégias que modulam a conduta.

Fases históricas de governamento:

1)Antiguidade e Idade média (exclusão pode meio da eliminação ou da segregação do corpo anormal); Ex: Expulsão, afastamento, desaparecimento social, extermínio, eliminação e morte (poder soberano).
2)Modernidade (práticas de inclusão por reclusão, ou seja, os processos de institucionalização do corpo anormal desenvolvidos pela sociedade disciplinar);e,
3)Contemporaneidade (práticas de inclusão por circulação, as quais exigem novas estratégias de condução das condutas dos sujeitos para que possam circular no espaço aberto).

Assim, mediante esses processos de exclusão, um tecnologia de poder que expulsa, que exclui, que elimina, que afasta, que marginaliza, enfim, um poder que se expressa por meio de suas formas negativas.  

Para Focault (2001), entre o final do séc. XVII e início do séc. XVIII ocorre a emergência de uma nova forma de poder, "(...) um poder que é, enfim, um poder positivo, um poder que fabrica, que observa, que sabe, um poder que se multiplica a partir de seus próprios efeitos. (...) um poder que não age pela separação  em grandes massas confusas, mas por distribuição de acordo com as individualidades diferenciais. Um poder que não é ligado ao desconhecimento, mas ao contrário, a toda uma série de mecanismos que asseguram a formação, o investimento, a acumulação e o crescimento do saber. (FOCAULT, 2011, p.60).



Dos tratados de conselhos aos príncipes da Idade Média e da Antiguidade greco-romana aos tratados da arte de governar, do século XVI ao XVIII, surgem os problemas do governo. De acordo com Foucault (2007, p. 278), trata-se da “problemática geral do governo em geral”. 

Os problemas de governo geram três tipos de governo: 1) O governo de si mesmo, que diz respeito à moral; 2) a arte de governar adequadamente uma família, que diz respeito à economia; 3) a ciência de bem governar o Estado, que diz respeito à política” (2007, p. 280).
Até o início do século XVIII, a arte de governar foi, de certa forma, travada por algumas situações. Passada essa fase de entraves e bloqueios, conseguiu, enfim, um processo de desbloqueio e de avanços, dados alguns fatores sociais e históricos, em específico, por sua relação com a emergência do problema da população (elimina o modelo da família)

Num primeiro momento, a população “permitirá eliminar definitivamente o modelo da família e centralizar a noção de economia em outra coisa”. A família deixa de ser modelo de governo e passa a ser instrumento fundamental para o governo da população. “Portanto, aquilo que permite à população (poder disciplinar) desbloquear a arte de governar é o fato dela eliminar o modelo da família (poder soberano)” (FOUCAULT, 2007, p. 289).
A população aparece como objetivo e instrumento do governo não sendo mais vista como força do soberano. São os interesses individuais e coletivos que se tornam, nessa perspectiva, o alvo e o instrumento fundamental do governo.  

A população se torna objeto do governo em relação a suas observações, seu saber, sendo considerada por este para que consiga “governar efetivamente de modo racional e planejado”. Nas palavras de Foucault (2007, p. 290), “em suma, a passagem de uma arte de governo para uma ciência política, de um regime dominado pela estrutura da soberania para um regime dominado pelas técnicas de governo, ocorre no século XVIII em torno da população e, por conseguinte, em torno do nascimento da economia política”.
Questões relacionadas à soberania e à disciplina não foram extintas. Ao contrário. Conforme pondera Foucault (2007, p. 291), “a idéia de um novo governo da população torna ainda mais agudo o problema do fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a disciplina. 

Na modernidade (poder disciplinar), as práticas de inclusão por reclusão do corpo anormal são: hospitais, prisão, fábrica, escola, escolas especiais, etc.

Devemos compreender as coisas não em termos de substituição de uma sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de governo. Trata-se de um triângulo: soberania-disciplina-gestão governamental, que tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus mecanismos essenciais”. 

Em síntese, o filósofo afirma que procurou mostrar a profunda relação histórica entre os movimentos de governo, população e economia política, movimentos que passaram da soberania, como força única e exclusiva do soberano, ao aparecimento da população, como objetivo e instrumento do governo e, por fim, à economia política como ciência e técnica de intervenção. (Soberania/aparecimento da população/economia política)
Vale ressaltar aqui o que Foucault, ao final de todas essas discussões, afirma entender por governamentalidade (2007, p. 291-292):
1 – o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.
2 – a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros – soberania, disciplina, etc. – e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes.
3 – o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado.
Por fim, esse filósofo (2007) destaca que “o importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, não é tanto a estatização da sociedade mas o que chamaria de governamentalização do Estado” (p. 292). 

Para ele, o Estado, da forma que existe hoje, deve-se à sua governamentalidade, tanto interior quanto exterior, às suas táticas gerais de governamentalidade. “Este Estado de governo que tem como alvo a população e utiliza a instrumentalização do saber econômico, corresponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de segurança” (p. 293).

FOUCAUTL, M. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. 24. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007. 

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