sexta-feira, 22 de março de 2019

Resenha do livro: Elegia para uma Re(li)gião

(Oliveira, 1981)

Por Welliton Resende
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A experiência da SUDENE desde sua fundação parece excessivamente marcada pela força ou fraqueza de alguns de seus personagens principais: de Celso Furtado a Miguel Arraes. É preciso entender tais personagens como personas no sentido de Marx: representam forças sociais que representavam, e dos processos contraditórios a que o embate e o confronto dessas classes davam lugar. Este trabalho tenta entender esses processos.


Não se encontrará nesse trabalho uma teoria do planejamento. A impossibilidade de uma teoria do
planejamento reside essencialmente em que este- o planejamento- é uma forma: aqui, parece encontrar-se uma contradição radical, pois precisamente os esforços de teorização fazem-se, na maior parte dos casos, sobre as formas que os processos sociais assumem.


A postura teórica deste trabalho recusa os "modelos", por entender -no que suscitará divergências- que essa forma de conflito social, que é o planejamento, não constitui apenas uma capa nova que recobre um corpo antigo, ou uma retórica.

Essa mudança essencial de forma de conflito que é o planejamento revela uma das facetas mais
características do capitalismo monopolista, a sua dilacerante tendência anárquica de grandes proporções, suas novas formas de relação com o operariado, o campesinato e, por que não adiantar desde logo, sua oposição com a Nação.

É uma forma típica de "rationale" do capitalismo monopolista, e ao mesmo tempo do Estado anti-Nação, que tenta reconstruir pelo planejamento a "comunidade ilusória", pela qual diz representar a Nação.

Já passou o tempo em que se confundia planejamento em qualquer latitude, em qualquer sistema social, como se planejamento fosse a mesma coisa em economias capitalistas e socialistas: o planejamento não é a mesma coisa em qualquer espaço do capitalismos monopolista. Planejamento é, sem sombra de dúvida, uma forma técnica de divisão do trabalho; mas não é apenas isto, nem principalmente isto. Enquanto forma técnica da divisão do trabalho, num sistema capitalista, é uma forma técnica da divisão do trabalho improdutivo que comanda o trabalho produtivo; já num sistema socialista, é ele uma forma indissociável do novo caráter da propriedade dos meios de produção. Enquanto forma técnica no sistema capitalista contínua e explícita, até onde as condições sociais o permitem, a manutenção e até radicalização, da expropriação e separação entre trabalhadores e meios de produção.

Considerar, ainda mais, que o grande capital internacional-associado possa desempenhar algum papel
civilizatório no Nordeste, na segunda metade do Século XX, não é apenas uma ilusão ou uma escapatória: trata-se de uma colocação rigorosamente infeliz, pois no Século XIX, o novo, o socialismo, mesmo nas mãos de Marx não passava de uma pré-visão, na década de 70 do Século XX o socialismo é mais que uma previsão: é uma possibilidade concreta.

A SUDENE foi um empreendimento de audácia inédita na história nacional. Ela anunciava dois embates: se os vencedores tivessem sido as forças populares, o Nordeste o Brasil de hoje seriam bem diferentes; tendo sido vencedores as forças do capitalismo monopolista, chamadas a socorrer combalidos latifundiários e barões do açúcar, essa vitória também mudou o curso da história. A SUDENE, na sua ambiguidade, anunciava as duas possibilidades.

Não há de pensar que a SUDENE de hoje é a de ontem e a de sempre. A de hoje encarna apenas a vontade social do capitalismo monopolista e do Estado no Brasil; não encarna mais as aspirações populares.

Breves considerações e marco teórico

É inegável o fascínio que a experiência da SUDENE exerceu e continua a exercer no Brasil, e mais
remotamente na América Latina. Essa experiência pareceu a cientistas sociais, técnicos e políticos, um caminho extremamente inovador, em todos os sentidos. A experiência da SUDENE teve e tem, como é moda dizer-se, "leituras" diversas, para as categorias citadas, divergentes e até antagônicas; este é apenas um, dentre outros aspectos, que denota a riqueza da experiência. Entretanto, quase nenhuma literatura tentou aprofundar a questão da criação da SUDENE no contexto econômico, político e social do Brasil de fins da década de cinquenta e começo dos sessenta.

Este trabalho centra suas possibilidades de compreensão e desvendamento da emergência de um padrão "planejado", por oposição ao espontâneo, de condução e orientação das atividades econômicas, no método dialético. O padrão "planejado" não é, desse ponto de vista, senão uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito, envolvendo as diversas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e políticos.

O planejamento não é encarado, portanto, apenas como uma técnica de alocação de recursos, em qualquer nível, nem como uma panaceia. Resumindo, poder-se-ia dizer que a ambição deste trabalho é a de vir a ser uma "economia política" do  planejamento regional para o Nordeste do Brasil.

Marco de um sistema capitalista de produção, a possibilidade do planejamento é dada pelo caráter mesmo das relações de produção e portanto sociais que fundam esse sistema: o cálculo econômico, antes mesmo de ser reconhecido pela teoria econômica, é o fundamento das decisões dos agentes econômicos do capitalismo, a burguesia, no caso.

O planejamento não pode realizar a superação da contradição básica do sistema de produção capitalista, que se instala no coração da própria mercadoria: a antítese dialética entre valor e mais-valia, entre trabalho morto e trabalho vivo, trabalho pago e trabalho não-pago. Em verdade, ele não é mais que a forma de racionalização da reprodução ampliada do capital. Pode operar, exatamente nesse sentido, na mudança da forma da mais-valia que deve ser resposta para a continuidade do ciclo.

Como exemplo, o Estado foi capaz de transformar parte da mais-valia, que são os impostos, e fazê-los retornar ao processo produtivo sob controle da burguesia. Isto, e somente isto, é que o planejamento pode fazer num sistema capitalista.
O autor recusa a compreensão da emergência do planejamento regional no Nordeste do Brasil sob o enfoque dos "desequilíbrios regionais", para examiná-los sob a ótica da divisão regional do trabalho no Brasil, vale dizer sob a ótica do processo de acumulação do capital e de homogeneização do espaço econômico do sistema capitalista do Brasil.

A abordagem que se centra sobre os resultados dos desenvolvimentos diferenciais interregionais , e não sobre o processo de constituição desses diferenciais. Poder-se-ia dizer com Paul Baran que "não é o planejamento que planeja o capitalismo, mas o capitalismo que planeja o planejamento"...

O exame da divisão regional do trabalho, e nas suas mutações, sob o controle hegemônico da produção capitalista no Brasil, propicia o entendimento da natureza do conflito que levou à criação da SUDENE. Assim, pelo exame do desenvolvimento desigual inter-regional, da desigualdade de caráter e de ritmos dos conflitos sociais nas diversas regiões que polarizavam e expressavam as contradições da expansão capitalista no Brasil, pelo exame dos diferenciais de acumulação global em todo o país, e finalmente pela investigação do que é uma região num contexto hegemonicamente controlado pelos setores mais avançados da produção capitalista.

O exame de um caso como a SUDENE pode fornecer no limite elementos para uma teoria do planejamento regional em países como o Brasil, cuja estrutura de produção é reproduzida sob as leis imamentes do movimento do capital, hierarquicamente subordinada ao capital internacional. Nesse sentido, as regiões seriam definidas pelo caráter diverso das leis de sua própria reprodução e pelo caráter de suas relações com a demais.

Tendo em vista o caráter desigual da luta de classes e do conflito social no Nordeste em relação ao que se passava no Centro-Sul, a própria SUDENE pensava muito mais no fortalecimento e expansão da burguesia regional que se somaria às demais frações burguesas nacional e internacional no processo de expansão capitalista em todo o país.

Conceito de região econômica e política

A mais enraizada das tradições conceituais de região é, sem dúvida alguma, a geográfica no sentido amplo, que surge de uma síntese inclusive da formação sócio-econômica-histórica baseada num certo espaço característico.

O autor privilegia o conceito de região que se fundamente na especificidade de reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classes peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas da luta de classes e do conflito social em escala mais geral.

Existe uma tendência para a completa homogeneização da reprodução do capital e de suas formas, sob a égide do processo de concentração e centralização do capital, que acabaria por fazer  desaparecer as "regiões", no sentido proposto por esta investigação. Desse modo, o processo de reprodução do capital é desigual e combinado.

A diferença significativa entre as formas de expansão internacional do capital no período colonial e no período imperialista é o fato de que no período imperialista essas classes dominante locais que emergiram em contradição com o capital internacional têm interesses coincidentes com a forma de reprodução do capital internacional. Essas classes sociais dominantes locais são absolutamente necessárias para a "nacionalização" do capital. sem o que o capital internacional não existiria senão como abstração.

No atual estado da divisão internacional do trabalho no capitalismo, a possibilidade desses conflitos resultarem antagônicos é cada vez mais reduzida. A recuperação possível da noção de conflito entre nações somente pode ser viável quando incorporarem os interesses populares como se opondo à coalização imperialismo classes dominantes locais, e, portanto, passarem a reconhecer que a Nação na periferia do mundo capitalista somente pode ser construída pelas classes populares, e seu vi-a-ser é o socialismo.

Uma região seria o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e por consequência uma forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos de reposição.
É possível reconhecer a existência de espaços econômico-político-sociais onde o capital comanda as leis da reprodução sem no entanto penetrar propriamente na produção. Nesse sentido, as diversas formas de reprodução do capital conformariam "regiões" distintas.

O planejamento emerge aqui como uma "forma" da intervenção do Estado sobre as contradições entre a reprodução do capital em escala nacional e regional, e que tomam a aparência de conflitos inter-regionais; o planejamento não é, portanto, a presença de um Estado mediador mas, ao contrário, a presença de um Estado capturado. Nem ainda o planejamento é uma forma "neutra" dessa presença; ele é no mais das vezes uma forma transformada da própria luta de classes daquela reprodução e as mesmas formas das relações de produção.

O que preside o processo de constituição das "regiões" é o modo de produção capitalista, e dentro dele, as "regiões" são apenas espaços sócio-econômicos onde as formas do capital se sobrepõe às demais homogeneizando a "região" exatamente pela sua predominância e pela consequente constituição das classes sociais cuja hierarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são personas do capital e de sua contradição básica.

Conceito da região "Nordeste" do Brasil

O conceito econômico e político de "região" é de natureza dinâmica por definição, fundamentado que está no movimento de reprodução do capital e das relações de produção. O conceito geográfico de região se baseia em características físicas.
Os limites territoriais-administrativos dos Estados que compõem o Nordeste brasileiro estão carregados da própria história da formação econômico-política nacional e suas diferenciações. O Nordeste como "região" é reconhecível a partir de meados do Século XIX, e sobretudo neste século.
No período colonial, a região era reconhecida pelo lócus da produção açucareira. Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte eram espaços de produção açucareira. A Bahia, por sua vez, apropriava o capitalismo mercantil e nesses termos era uma outra "região".
Existiram vários "nordestes": "açucareiro", "algodeiro", "pecuário", 'latifundiários" e "das secas".
Com o surgimento das formas de diferenciação do capital, se expande e se consolida o industrial, e também emerge o financeiro, e a intervenção do Estado na economia assume outro caráter prejudicando a forma de reprodução agroexportadora. Quando as necessidades da acumulação tornaram imperiosa a convivência do capital industrial com a oligarquia do café a "região" do café passa a ser a "região" da indústria.
A conversão da "região" do café em "região" da indústria começa a redefinir a própria divisão regional do trabalho em todo o conjunto nacional. Ao Nordeste coube o papel de ser a reserva do exército industrial de reserva e as migrações supriram os postos de trabalho criados pela industrialização e contribuir para manter os salários baixos de toda a massa trabalhadora.

Os diferenciais de taxa de lucro começam a drenar o capital que ainda se formava no Nordeste e a mudança da política econômica inviabilizou a reprodução do capital na região nordestina.
As contradições da reprodução do capital e das relações de produção em cada uma ou, pelo menos, nas duas principais "regiões" do Brasil começam a aparecer como conflito entre as duas "regiões", uma em crescimento, outra em estagnação. Nesse contexto e tendo por objetivo a atenuação e pelo menos a contenção da intensificação das disparidades regionais, a correção dos "desequilíbrios regionais", que nasce o planejamento regional para o Nordeste.

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