Grandes pensadores: Maria da Glória


(Gohn, 2012)


1-Trajetória dos estudos anteriores: as teorias da modernização, da marginalidade e da dependência na América Latina

A teoria sobre a modernização que proliferou nos anos de 1950 a 1960 partia de modelos comparativos entre os processos históricos ocorridos nos países de industrialização avançada  e a América Latina, para citar um dos exemplos. Ressalte-se que ela levou a abordagens evolucionistas e etapistas. (EE)

A questão da "marginalidade social" foi tratada como uma problema cultural a ser resolvido por intermédio de processos de educação formal ou com o tempo- quando os países se desenvolvessem ou o "bolo" econômico desenvolvimentista crescesse.

A maioria da teorias da CEPAL (Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina) estava fundada naquele paradigma dualista de interpretação da realidade social: uma face moderna e outra atrasada.

A novidade da teoria da dependência elaborada por Cardoso e Faletto (1970) foi justamente chamar a atenção para as especificidades da América Latina, argumentando que nela o desenvolvimento deveria ser visto no contexto da dinâmica global da economia. Criou-se uma outra via que fugia do dilema etapista/dualista da teoria da modernização e do determinismo da teoria do imperialismo, onde tudo era interpretado como mera consequência das diretrizes econômicas dos países dominantes.

Fases econômicas da América Latina e do Brasil: (a) sistema primário exportador orientado para fora; (b) sistema de substituições das importações orientado para dentro; e (c)internacionalização dos mercados nacionais (Cardoso e Falleto, 1970).

Para os autores a estrutura social e política vai-se modificando na medida em que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto da sociedade (Cardoso e Falleto, 1970).

  
"Os países Latino-americanos são incapazes de encontrarem uma via própria para o desenvolvimento econômico e social. Seus governos formados por amplas alianças (setor agrário, industrial e burocrático), não são capazes de criar uma alternativa própria de desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que as massas (povo), é incapaz de se organizar politicamente e fazer a revolução socialista.
Para FHC a solução seria o desenvolvimento-associado (abrindo o mercado interno para fora), ou a revolução socialista. Mas como a segunda alternativa não teria apoio nem no proletariado brasileiro. A única alternativa é o desenvolvimento-associado. (Cardoso e Falleto, 1970)
A teoria da dependência possibilitou releituras abrindo caminho para a análise crítica da teoria da marginalidade feita por Kovarick (1975): os marginais eram produtos do próprio modelo capitalista implantado nos países subdesenvolvidos; o problema não era integrá-los ou não- como afirmava a teoria da modernização a respeito da marginalidade- mas entendê-los dentro da lógica do próprio processo de acumulação, pois eles- pessoas alijadas do mercado formal de trabalho, atuando junto ao setor de serviços- desempenhavam um papel estratégico para esta mesma acumulação.

A marginalidade passou a ser analisada a partir de então não somente como resultado de processos de exclusão, mas também como condição prévia à acumulação, num processo de superexploração da força de trabalho nos centros urbanos e de disponibilidade de um grande exército de mão de obra desqualificada, oriunda do campo.

De acordo com Kowarick (1985), a marginalidade é uma categoria antiga já percebida pelos estudiosos na Idade Média como fenômeno transitório, quando os proletários potenciais se transformaram, não em reais trabalhadores, mas numa massa de indigentes. Portanto, inerente ao modo de produção capitalista são os mecanismos que originam a marginalidade, criando desempregados, subempregados para a formação do exército industrial de reserva. Todavia, no capitalismo dependente latino-americano, as formas tradicionais de produção, como as economias de subsistência do setor agrícola, o artesanato rural e a indústria a domicílio e, também, a criação de “novas” formas, fazem parte de um modo de produção claramente capitalista articuladas no processo de acumulação. Um subdesenvolvimento que gera uma superexcludência, por não ser capaz de integrar sua força de trabalho.

O campo sempre foi o celeiro disponível para repor continuamente os trabalhadores da cidade, ou para completar os ciclos de produção na cidade por meio de expedientes na economia informal que barateavam os custos da própria reprodução da força de trabalho.

Nesse cenário, as principais lutas sociais se desenrolavam ao redor de sindicatos- atrelados à estrutura estatal mas com poder de interlocução entre os trabalhadores da economia formal, os empresários e o Estado.

TEORIA DA MODERNIZAÇÃO (cepal)
TEORIA DA DEPENDÊNCIA (especificidades da AL) (Cardoso e Falleto, 1970)
TEORIA DO IMPERIALISMO
TEORIA DA MARGINALIDADE (Kovarick, 1975)

2-Hipóteses sobre o porquê do uso dos paradigmas europeus nas pesquisas sobre movimentos sociais

A teoria da dependência e da marginalidade (DM) estrutural abriram caminho para que se focalizassem outros processos singulares da realidade latino-americana. Neste cenário de repressão das lutas sociais, surgiram inicialmente movimentos de resistência à dilapidação da força de trabalho e depois de clamores pela redemocratização do país.

Uma nova via de estudos se ampliou  nas ciências sociais, a dos movimentos sociais. Nesta mesma época os ecos dos movimentos sociais ocorridos nos anos de 1960 na Europa e nos Estados Unidos ainda se faziam presentes na América Latina, mas neste continente foram os movimentos populares que ganharam centralidade.
  MOVIMENTOS POPULARES X MOVIMENTOS SOCIAIS
A reestruturação e a expansão dos programas de pós-graduação no país possibilitou a criação de tais espaços. A onda de estudos sobre os movimentos populares surgiu nesse contexto e as bases teóricas existentes eram as já desenvolvidas na Europa.

A teoria da dependência não se desenvolveu na direção de explicar a sociedade civil, porque estava centrada mais nas explicações do modelo institucional, em nível macro, de desenvolvimento da sociedade como um todo, implementado pelas políticas estatais. E os movimentos não se enquadravam nos caminhos da institucionalidade existente.

O contato com algumas teorias europeias, com a de Castells, proporcionou os elementos teóricos necessários à nova geração de pesquisadores. A produção do conhecimento e a elaboração de estratégias políticas se cruzaram. Os estudos ficaram mais no plano descritivo porque a visibilidade aparente dos dados que se coletavam e se registravam era o que mais se destacava, num processo muito vivo, em que os discursos dos novos atores eram supervalorizados.

Havia uma base teórica que consistia mais num guia de orientação político-estratégica  para as ações futuras do que num referencial explicativo sobre o passado imediato. A produção latino-americana sobre os movimentos sociais muitas vezes esteve bastante permeada por pressupostos ideológicos de partidos políticos. Isto ocorreu porque certos movimentos sociais no final dos anos 1970 e início dos 80 eram expressões políticas de forças políticas nacionais. As reflexões teóricas embasaram-se mais nas teorias europeias por ser esta mais crítica e articulada a pressupostos da esquerda. Ignorou-se a extensa produção norte-americana por ser considerada funcionalista, conservadora e utilitarista (UFC).

A influência teórica europeia inicial se fez predominantemente por meio do paradigma marxista, e isto também se explica pela predominância  deste paradigma nos meios acadêmicos, principalmente nas universidades públicas e nas chamadas comunitárias, nos anos de 1970; e pelos projetos concretos de luta para a redemocratização naquele período, elaborados pela esquerda a partir de leituras gramscianas.

Mas houve grande confusão também entre a realidade dos fatos e a teorização da realidade. Como grande parte dos cientistas sociais do período estava engajada em lutas sociais concretas, a teorização e o delineamento das tarefas necessárias na luta social se confundiram. Disto resultou uma certa rigidez do pensamento, que, pretendendo ser crítico, se tornou algumas vezes dogmático (verdade absoluta, pedantesco, doutoral, sentencioso).

A abordagem marxista foi sendo substituída pela dos novos Movimentos Sociais ao longo dos anos de 1980. Assim, vários analistas brasileiros, que sempre estigmatizaram toda e qualquer abordagem americana como funcionalista-conservadora (UFC) e se filiavam às europeias por considerá-las progressistas e críticas (PC), absorveram vários conceitos  e categorias do paradigma norte-americano por desconhecer o debate que ocorria no cenário internacional e as interações que estavam ocorrendo.

O próprio conceito de redes sociais, bastante utilizado no Brasil a partir dos anos de 1990, tem uma longa trajetória dentro da teoria das redes sociais, desenvolvidas nos Estados Unidos. A produção norte-americana desenvolveu a partir dos anos de 1970 um diálogo com a produção europeia que provocou um enriquecimento da reflexão teórica para os dois lados. Este diálogo, expresso em inúmeros debates, não foi abordado no Brasil, o país de maior produção de estudos sobre os movimentos sociais na América Latina.

Enquanto isso as teorias marxistas estagnaram e declinaram ao longo dos anos de 1980. A dos Novos Movimentos Sociais cresceu e se firmou neste mesmo período, para depois também se estagnar nos anos de 1990. Este cenário levou uma certa "orfandade teórica" aos analistas latino-americanos nos anos de 1990, por estarem bastante presos ao referencial europeu.

3-Estudos sobre os movimentos sociais  na América Latina depois de 1970

Nos países mais industrializados, os movimentos surgiram em princípio nos grandes centros, articulados a redes movimentalistas em que se destacavam a Igreja, os sindicatos e alguns partidos de oposição ao regime político da época.

Dos grandes centros eles se espalharam para outras regiões. Nos países de estrutura econômica de base mais agrária, os pequenos vilarejos aglutinaram as ações, com caráter mais de rebeliões, mais próximas dos modelos clássicos de rebeliões populares (Wolf, 1969). Os repertórios utilizados também criaram agendas diferenciadas para os movimentos sociais: questões étnicas, suprimento de gêneros e serviços sociais de primeira necessidade, demandas por terra e moradia, por educação, e demandas consideradas "modernas" ao redor de questões de gênero- com destaque para as lutas de mulheres em todas as frentes (Navarro, 1989).

O Brasil concentrou a maioria dos movimentos nas últimas três décadas, talvez devido a sua extensão territorial, ao número de sua população e ao grau de desenvolvimento industrial do país, particularmente na região sul.

No México destacaram-se os zapatistas, principalmente nos anos de 1970, e os chiapas nos anos de 1990. Enquanto os zapatistas foram caracterizados como anticapitalistas por protestar contra os agentes do capitalismo agrário que violaram as terras e as culturas de seus ancestrais (Zamosc, 1989), os chiapas utilizaram a internet e toda a infraestrutura do capitalismo para denunciar a mesma opressão que sofrem há séculos (Castells, 1996).

Na Bolívia, os movimentos de populações pobres de origem indígena foram os predominantes, como dos Aymaras, além de inúmeros movimentos e protestos de trabalhadores de minas (Nash, 1989).

O Peru foi palco de um dos movimentos sociais mais controversos da realidade latino-americana, o Sendero Luminoso, caracterizado como guerrilha rural. Em dezembro de 1996 e janeiro de 1997, o Movimento Revolucionário Túpac Amaru, criado em 1983, desenvolveu uma das mais audaciosas ações no continente latino-americano do século XX: a invasão e o aprisionamento de mais de seiscentas pessoas que participavam de uma festa em homenagem ao imperador japonês, na casa do embaixador do Japão no Peru. A ação foi organizada por cerca de quinze membros da organização.

Na Argentina destaca-se um grande número de movimentos de direitos humanos, sendo o das "Mães da Praça de Maio" o mais significativo da história da transição política do país.

4-O que um paradigma teórico latino-americano sobre os movimentos sociais deve considerar em termos de categoria histórica

4.1-Diferenças históricas da realidade latino-americanas

Em primeiro lugar, destaquemos o passado colonial, escravocrata e/ou de servidão indígena (CESI), baseado na monocultura  e/ou exploração intensiva dos seus recursos naturais. No século XX apenas alguns dos países latinos se industrializaram, de forma parcial, dependente e atrelada às necessidades dos carros-chefes da economia internacional capitalista desenvolvida (Oliveira, 1972).

Em segundo lugar, o tipo de Estado nacional configurado foi fruto de lutas internas intensas em que a maioria das elites políticas sempre foi representante dos interesses econômicos subordinados ao grande capital internacional. Nos períodos de transição para a democracia o problema não era apenas a reapropriação do Estado pela sociedade civil, mas também de regulamentação das regras de civilidade e cidadania.

O povo aparece na obra como mero espectador ou no máximo figurante das principais decisões nacionais (Proclamação da República, Abolição da Escravidão, Independência do Brasil, etc). Para Fernando Henrique mesmo os operários da cidade não somavam ou formavam uma parcela significativa da população, sendo assim, impossível adjetivá-los de proletários (Cardoso e Falleto, 1970).
 
O passado colonial-imperial, a subsequente república dos coronéis e depois os líderes populistas (CCP) levaram ao desenvolvimento de uma cultura política na sociedade latino-americana em que se observa uma "naturalização" das relações sociais entre os cidadãos e o Estado, ou seja, a relação de dominação expressa em termos de clientelismo e paternalismo passou a ser a norma geral, vista como natural pela própria população.

A partir de 1960 a aliança com o capital internacional levou a mudanças no modelo econômico e gerou modelos políticos específicos: foi a era dos regimes militares autoritários que sobreviveram por duas décadas em vários países latinos. O final dos ano de 1970 e os anos de 1980 foram períodos que entraram para a história como uma fase de redemocratização. Por intermédio da mobilização e da pressão da sociedade civil e política, os Estados nacionais latino-americanos redirecionaram suas políticas internas.

Os regimes militares foram substituídos por regimes civis, em processos negociados nos parlamentos ou por via eleitoral. Os movimentos sociais cresceram em número, ganhando cores, tipos e matizes, e lograram visibilidade em sua luta pela redemocratização ou por causas específicas (Brant, 1975).

A cultura política latino-americana  se transformou, neste período, ganhando aspectos novos, baseados numa visão de diretos sociais  coletivos e da cidadania coletiva de grupos sociais oprimidos e/ou discriminados.

Nos anos de 1990 o panorama do capitalismo nos países ocidentais se alterou, passando a ter uma nova redivisão internacional do trabalho; as fronteiras nacionais perderam importância e a produção industrial passou a ser feita de forma fragmentada, com a ocorrência de processos produtivos em que as vantagens fiscais, econômicas e creditícias de modo geral sejam mais propícias à acumulação; a economia formal declinou e a informal cresceu, os sindicatos perderam poder de forma generalizada, o desemprego passou a ser uma realidade tanto nos países onde historicamente sempre existiu, no chamado "Terceiro Mundo", como no Primeiro Mundo desenvolvido.

Reengenharias foram feitas, primeiro nas empresas privadas e depois nas públicas. O novo período passou a ser chamado era da globalização. As novas políticas sociais passaram a ser analisadas, por seus conteúdos, como neoliberais (Sader e Gentili, 1995).

Fases econômicas da América Latina e do Brasil: 
I FASE -sistema primário exportador orientado para fora; 
II FASE-sistema de substituições das importações orientado para dentro; e.
III FASE-internacionalização dos mercados nacionais 

4.2-Elementos para uma teoria sobre os movimentos latino-americanos

Os principais pontos a ser considerados na formulação de um paradigma latino-americano são:

1-Diversidade de movimentos sociais existentes relacionados aos mesmos temas e problemas. (SINTRAF e STR)

2-Hegemonia dos movimentos populares  diante dos outros tipos de movimentos sociais. (MST)

A maioria dos movimentos populares lutaram por terra, casa, comida, equipamento coletivos básicos. Ou seja, necessidades sociais materiais elementares à sobrevivência, diretos sociais básicos elementares. Na Europa e nos Estados Unidos os movimentos sociais com caráter mais popular (por aglutinarem demandas e a participação das classes populares) giraram em torno das questões dos direitos civis.    DIREITOS SOCIAIS BÁSICOS X DIREITOS CIVIS

3-Os "novos" movimentos sociais- de mulheres, ecológicos, de negros etc. ocorreram em toda a América Latina, mas com grandes diferenças em relação aos europeus e norte-americanos.

Os movimentos latino-americanos ocorreram em sociedades civis marcadas por tradições de relações clientelistas e autoritárias, por Estados cartoriais e com sistemas judiciários inoperantes. Modelando tudo isto, a tradição de cultura política democrática é quase inexistente e valores como o machismo e o preconceito racial escamoteado são variáveis de longa data.

4-Os movimentos populares que se destacaram e se tornaram conhecidos internacionalmente foram os que estavam sob o manto protetor da Igreja Católica em sua ala progressista, da Teologia da Libertação.

A religião é de modo geral um valor muito importante na vida do homem latino-americano. O passado colonial moldou uma cultura em que religião é sinônimo de esperança. As camadas populares sempre buscam a religião. A Igreja Católica sempre teve uma presença marcante na América Latina, dentro da correlação das forças políticas existentes.

5-Nos anos de 1960, com o Concílio do Vaticano II, a Igreja Católica mudou o eixo de sua política na América Latina.

A partir do Concílio ela desenvolveu estratégias para voltar-se para a sociedade civil, passando a ser, ela própria, um agente ativo na organização dessa sociedade, por meio de pastorais e comunidades eclesiais de base (Casanova, 1994). Havia um "inimigo" bem claro a se combater: as ditaduras militares.

Paralelamente, nos anos de 1990, as atenções das agências patrocinadoras de fundos de apoio financeiro e de pessoal para trabalho de base, articuladas às Igrejas, voltaram-se para o processo de redemocratização do Leste Europeu.

Os movimentos e as ONG's latinas passaram a viver a mais grave crise econômico-financeira  desde que foram criadas. E alteraram seus procedimentos. Passaram a buscar a autossuficiência financeira. A economia informal- então florescente e estimulada pelo novo modelo de globalização- passou a ser uma das principais saídas. Com isto, o plano das demandas e pressões passou para o segundo lugar e o das atividades produtivas ganhou centralidade.

Assim o movimento dos seringueiros, por exemplo, não lutará apenas por seus direitos ou contra a opressão dos grandes donos de terras, das madeireiras. etc. Lutará basicamente para vender seus produtos em mercados mais competitivos.

Os índios pressionarão pela demarcação das terras mas também querem vender castanhas, ervas etc. no mercado nacional e internacional, a preço justo e certo, e não como mercadoria "alternativa", a preços baixos.

6-A problemática dos imigrantes tem gerado uma série de movimentos sociais na Europa.

7-Dado o passado colonial latino-americano, a questão indígena tem sido fonte de conflitos e movimentos sociais.

Na América Latina vamos encontrar parte da população indígena vivendo como miseráveis nas periferias das grandes cidades ou em pequenos povoados, em situação de degradação de suas tradições e costumes, parcialmente aculturados. No caso brasileiro, como a maior parte da população indígena vive em áreas da floresta amazônica, a tendência será o aumento de conflitos, dado o interesse econômico pela região e a demandas dos povos da floresta em geral pela terra. O número de ONGs internacionais envolvidos nesta questão é muito grande, dando visibilidade mundial às lutas e demandas dos mais recônditos e obscuros povoados e aldeias do planeta.

8-A questão do preconceito racial contra os afro-americanos, bastante acirrada nos Estados Unidos desde a Guerra Civil, tem formas totalmente distintas na América Latina.

Aqui se vivencia a chamada discriminação subliminar: salários mais baixos, empregos piores etc.

9-A relação dos movimentos sociais  com o Estado sempre variou em função de objetivos estratégicos e das articulações mais amplas dos próprios movimentos sociais.

Ser contra o Estado foi uma estratégia dos movimentos nos anos de regime militar. Depois a relação mudou e ocorreu uma divisão entre os movimentos: alguns apoiando e outros continuando a luta contra o governo constituído.

10-A problemática da integração social, bastante discutida nos paradigmas americanos e europeus, não é uma variável importante na realidade latino-americana.

Os movimentos populares são formas de resistência e os novos movimentos sociais são lutas pela inclusão e não pela integração social, dois fenômenos sociais distintos.
          INCLUSÃO X INTEGRAÇÃO

11-A institucionalização dos conflitos sociais tem sido a principal estratégia da sociedade política para responder aos movimentos sociais.

A cada onda de movimentos surgem uma série de leis e novos órgãos públicos para cuidar da problemática. Mas a institucionalização jurídica- por suas características de rigidez, normatizações e tratamento supostamente igualitário-, não captando a especificidade dos problemas segundo as camadas sociais envolvidas, não tem resolvido os problemas e apenas contribui para aumentar a descrença popular no poder do Estado como instância supostamente promotora do bem comum.

O que a cultura política latino-americana institucionalizou aos longo dos séculos  foi a crença no poder dos canais e estruturas  informais e uma descrença nas estruturas formais. Dado que na realidade cotidiana dos processos de relações com o poder público as coisas funcionam bem e melhor pelas vias paralelas do que pelas vias normatizadas, legais, tudo o que institucionalizado padece da descrença, porque de fato há problemas de hierarquias, burocracias, incompetências, demora etc. (HBID)

Antes de se ter a lei, a solução era dar um "jeitinho". Depois, com a lei, as coisas continuaram a não se resolver rapidamente, dada a burocracia e a não complementação para a implementação das próprias leis. Alguns movimentos passaram a ser desacreditados, e o famoso "jeitinho" de resolver as coisas por intermédio de relacionamentos pessoais passou a ser reacionado, numa clara demonstração do poder de relações informais.

12-Ao contrário do que afirmam algumas teorias americanas e europeias, as ideologias não morreram e são elementos fundantes da própria ideia de movimento social na América Latina.

Um conjunto de crenças e representações e são elas que dão suporte a suas estratégias e desenham seus projetos político-ideológicos. Aqui se trata da vertente marxista-gramsciana que trata a ideologia no campos das práticas sociais, como conjunto de ideias que dão suporte a projetos estratégicos de mudança da ordem das coisas na realidade social.

Ideologias são formadas por um conjunto de crenças e representações (CR) que dão suportes a projetos estratégicos de mudança da ordem das coisas na realidade social.


13-Os partidos políticos têm desempenhado um papel extremamente importante junto aos movimentos sociais em geral.

14-a preocupação das teorias americanas e europeias com os discursos e significados (DS) dos movimentos, objetivando captar suas mensagens ideológicas, faz com que fixem suas atenções nos líderes e deixem de lado aspectos mais relevantes, tais como a forma pelas quais tais mensagens são construídas, em termos de forma, conteúdo e processo (FCP).

15-Na América Latina não é possível entender a problemática dos movimentos sociais se não incluirmos as categorias dos intelectuais no cenário.

16-O fato de sempre destacarmos a problemática das classes sociais não significa que compartilhemos da visão que atribui a cada classe ser a representantes exclusiva dos interesses exclusivos.

17-Na América Latina a articulação entre diferentes lutas e movimentos sociais é um fato recente.


GOHN, Maria da Gloria. “Características e especificidades dos movimentos sociais latino-americanos”. In: Teorias dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2012. (p. 211-267).

Comentários