Grandes mestres: Juan Martínez Alier

ALIER, J. M. “Correntes do ecologismo”. In: O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007. (p. 21-39).


O crescimento do movimento ecologista ou ambientalista representa uma explosão do ativismo surgido em uma sociedade de redes (como a denomina Manuel Castells).

A sociedade de redes propicia a explosão do ativismo, porque ela se  tornou a forma organizacional predominante de todos os campos de atividade humana e fez com que a globalização de intensificasse" (Castells, 2011).



O ecologismo ou ambientalismo se expandiu como uma reação ao crescimento econômico. Convém ressaltar que nem todos os ambientalistas se opõem  ao crescimento econômico. Alguns até apoiam em razão das promessas tecnológicas (Alier, 2007).

Assim, o movimento ecologista possui três correntes principais  e diversos elementos em comum:
1.Culto ao silvestre;
2.Evangelho da ecoeficiência;e,
3.Ecologismo dos pobres.

1ª Corrente: CULTO À VIDA SILVESTRE

Trata-se da defesa da natureza intocada, do amor pelos bosques primários e pelos cursos dágua. Essa teoria foi representada há mais de cem anos por John Muir e pelo Sierra Club dos Estados Unidos. Em seguida, Aldo Leopold (1887-1948) em sua obra “Sand County Almanac” em 20 páginas da última secção desenvolve uma revolucionária maneira de entender o Homem, a Natureza, e a Ética: "a ética da terra". Leopold direcionou a atenção não só para a beleza do meio ambiente como também para a ciência da ecologia. As florestas possuíam várias funções: o uso econômico e  a preservação da natureza.

De maneira geral, o "culto ao silvestre" não ataca o crescimento econômico e até mesmo admite a sua derrota na maior parte do mundo industrializado. No entanto, discute uma "ação de retaguarda" que visam manter os espaços de natureza original. O "culto ao silvestre" surge do amor às belas paisagens e de valores profundos, jamais para os interesses materiais. A biologia da conservação, desenvolvida em 1960, fornece a base científica para esta primeira corrente ambientalista.

Dentre as vitórias da primeira corrente destacam-se a Convenção da Biodiversidade ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 e a notável Lei de Espécies em Perigo dos Estados Unidos, cuja retórica prioriza a preservação sobre o uso mercantil. A transição da biologia descritiva para a conservação normativa faz parte de um movimento para tentar frear a eclosão da sexta grande extinção da biodiversidade no planeta terra que caminha a passos largos. Os indicadores de pressão humana sobre o meio ambiente evidenciam que uma proporção cada vez menor de biomassa está disponível (matéria orgânica que pode ser transformada em energia) para espécies que não sejam a humana ou associados aos humanos.

Justificam a preservação da natureza: razões científicas, motivos estéticos e até utilitários (espécies comestíveis e medicinais para o futuro), o instinto da "biofilia humana"(atração pela natureza como princípio evolutivo), o argumento de que as demais espécies possuem direito à vida e motivos religiosos.

Eventos bíblicos são pontuados como o episódio da Arca de Noé e a tradição cristã de São Francisco de Assis, que se preocupou com os pobres e com alguns animais. Além disso, nas Américas do Norte e do Sul a natureza possuía um valor sagrado nas crenças indígenas que sobreviveram à conquista europeia.

Nesta corrente, a sacralidade da natureza ou de parte dela assume uma conotação importante, assim como outros valores são incomensuráveis (que não se pode medir) ante o econômico. Nesse quesito, basta que o sagrado intervenha na sociedade de mercado para o conflito tornar-se inevitável da mesma forma  que os mercadores invadiam o templo ou as indulgências eram vendidas na igreja.

O "culto ao sagrado" tem sido representado no ativismo ocidental  pelo movimento da "ecologia profunda" (Deval e Sessons, 1985) que propugna uma atitude biocêntrica ante a natureza, contrastando com a postura antropocêntrica superficial.

A principal corrente política dessa corrente consiste em manter reservas naturais, denominadas parques nacionais ou naturais, ou algo semelhante, livres da interferência humana. Assim, algumas áreas tolerariam a presença humana por meio de manejo consorciado com populações locais.

Noutro diapasão, os fundamentalistas silvestres afirmam que a exclusão é o ideal e se assentam na ideia de que uma reserva ambiental toleraria visitante, mas não habitantes humanos.

Os biólogos e filósofos ambientais atuantes nesta corrente são apoiados por organizações bem estruturadas como a Worldwide Found of Nature (WWF).

O cientista político Ronald Inglehart (1977) defende o "pós-materialismo", ou seja, está ocorrendo uma mudança cultural na direção de novos valores sociais, que implica um maior apreço pela natureza à medida que a urgência das necessidades materiais diminui em função de já terem sido satisfeitas. Contrariamente a Inglehart, Alier (2007) defende que o ambientalismo ocidental não cresceu em função de a economia ter alcançado uma etapa "pós-materialista", mas exatamente ao contrário pelas preocupações muito materiais decorrentes da crescente contaminação química e os riscos e as incertezas suscitadas pelo uso da energia nuclear.

Os Amigos da Terra da Holanda conquistaram um reconhecimento importante no início dos anos 1990 devido a seus cálculos  sobre o "espaço ambiental", demonstrando que esse país estava utilizando recursos ambientais e serviços  muito maiores do que os oferecidos pelo seu próprio território (Hille, 1997). De resto, o conceito de "dívida ecológica" foi incorporado no final dos anos 1990 aos programas e campanhas internacionais dos Amigos da Terra.

Isto posto, o "culto ao silvestre" ou "à vida selvagem", preocupado com a preservação da natureza selvagem, sem se pronunciar sobre a indústria ou a urbanização, mantendo-se indiferente  ou em oposição  ao crescimento econômico, muito preocupado com o crescimento populacional e respaldado  cientificamente pela biologia conservacionista.


2ª Corrente: O EVANGELHO DA ECOEFICIÊNCIA

A primeira corrente, a do "culto ao silvestre", tem sido desafiada durante muito tempo por uma segunda corrente preocupada com os efeitos do crescimento econômico, não nas áreas de natureza original como também na economia industrial, agrícola e urbana.(IAU)

A atenção desta corrente está direcionada aos impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura moderna. A segunda corrente se preocupa com a economia na sua totalidade. Muitas vezes defende o crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo.

Seus signatários acreditam no "desenvolvimento sustentável", na "modernização ecológica" e na "boa utilização" dos recursos. Preocupa-se com os impactos da produção de bens e com o manejo sustentável dos recursos naturais, e não pela perda de atrativos da natureza ou dos seus valores intrínsecos.

A extinção de aves, rãs ou borboletas "bioindica" problemas, tal como a morte de canários nos capacetes dos mineiros de carvão (no passado as aves eram utilizadas nas minas para acusar emanações de gases venenosos).

A modernização ecológica (ET) caminha sobre duas pernas: uma econômica, com ecoimpostos e mercados de licenças de emissões; a outra, tecnológica, apoiando medidas voltadas para a economia de energia e de matérias-primas.

MODERNIZAÇÃO ECOLÓGICA: ECONÔMICA/TECNOLÓGICA

Assim, a ecologia se converte em uma ciência gerencial para limpar ou remediar a degradação causada pela industrialização. A "ecoeficiência" tem sido descrita como "o vínculo empresarial com o desenvolvimento sustentável". Ela conduz a programa extremamente valioso de investigação, de relevância mundial, sobre o consumo de matérias-primas e energia na economia e sobre  as possibilidades de desvincular o crescimento econômico da sua base material.

Tese de Trevelyan: "O apreço pela natureza se expandiu de modo proporcional à destruição das paisagens provocada pelo crescimento econômico (Guha e Alier, 1997).

Assim, o "credo da ecoeficiência", preocupado com o manejo sustentável  ou "uso prudente" dos recursos naturais e com o controle da contaminação, não se restringindo aos  contextos industriais, mas também incluindo em suas preocupações a agricultura, a pesca e a silvicultura. Essa corrente se apoia na crença de que as novas tecnologias e a "internalização das externalidades" constituem instrumentos decisivos da modernização ecológica. Essa vertente está respaldada pela ecologia industrial e pela economia ambiental.

3ª Corrente: A JUSTIÇA AMBIENTAL E O ECOLOGISMO DOS POBRES

Tanto a primeira quanto a segunda corrente ecologista são desafiadas hoje em dia por uma terceira corrente que conquistou notoriedade como ecologismo dos pobres, ecologismo popular ou movimento de justiça ambiental. Também tem sido denominada de ecologismo de livelihood, do sustento, da sobrevivência humana (Gari, 2000) e, inclusive, como ecologia da libertação (Peet e Watts, 1996).

A terceira corrente assinala que desgraçadamente o crescimento econômico implica maiores impactos no meio ambiente, chamando a atenção para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos. Nesse sentido, observa-se que os países industrializados dependem de importações provenientes do Sul para atender parcela crescente e cada vez maior das suas demandas por matérias primas e bens de consumo.

Os Estados Unidos importam metade do petróleo que consomem. A União Europeia importa uma quantidade de materiais (inclusive energéticos)  quase quatro vezes maior do que exporta. Ao mesmo tempo, a América Latina exporta uma quantidade seis vezes maior de materiais (inclusive energéticos) do que aquela que é importada.

O resultado em nível global é que a fronteira do petróleo e do gás, a fronteira do alumínio, a fronteira do cobre, as fronteiras do eucalipto e do óleo de palma, a fronteira do camarão,  a fronteira do ouro, a fronteira da soja transgênica...todas avançam na direção de novos territórios. Isso gera impactos que não são solucionados pelas políticas econômicas ou por inovações tecnológicas e, portanto, atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que muitas vezes protestam e resistem (ainda que tais grupos não sejam denominados de ecologistas). Alguns grupos ameaçados apelam para os direitos territoriais indígenas e igualmente para a sacralidade da natureza para defender e assegurar seu sustento.

O eixo principal dessa corrente não é uma referência sagrada à natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada com os direitos das demais espécies e das futuras gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje. Esta corrente não compartilha os mesmos fundamentos éticos (nem estéticos) do culto ao silvestre. Sua ética nasce de uma demanda por justiça social contemporânea entre os humanos.

Esta terceira corrente assinala que muitas vezes os grupos indígenas e camponeses têm coevolucionado sustentavelmente com a natureza e têm assegurado a conservação da biodiversidade. O debate iniciado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre os chamados "direitos dos agricultores" contribui para a tendência de defesa dos agricultores, hoje organizada na Via Campesina e apoiada por ONGs globais.

A luta nos Estados Unidos pela justiça ambiental é um movimento social organizado contra casos locais de "racismo ambiental", possuindo fortes vínculos  com o movimento dos direitos civis de Martin Luther King dos anos 1960. Até muito recentemente, a justiça ambiental como um movimento organizado permaneceu limitado ao seu país de origem, muito embora o ecologismo popular ou ecologismo dos pobres constituam denominações aplicadas a movimentos do Terceiro Mundo que lutam contra os impactos ambientais que ameaçam  os pobres, que constituem a ampla maioria da população em muitos países.

Estes incluem movimentos de base camponesa cujos campos ou terras voltadas para pastos têm sido destruídos pela mineração ou por pedreiras; movimentos de pescadores artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou outras formas de pesca industrial, que simultâneamente destroem seu sustento e esgotam os bancos pesqueiros; e, por motivos, contrários às minas  e fábricas por parte de comunidades afetadas pela contaminação do ar ou que vivem rio abaixo dessas instalações. Essa terceira corrente recebe apoio da agroecologia, da etnoecologia, da ecocologia política e, em alguma medida, da ecologia urbana e da economia ecológica. Também tem sido apoiada por sociólogos ambientais.

Essa terceira corrente está crescendo em nível mundial pelos inevitáveis conflitos ecológicos distributivos. À medida que se expande a escala da economia, mais resíduos são gerados, mais os sistemas naturais são comprometidos, mais se deterioram os direitos das gerações futuras, mais o conhecimento dos recursos genéticos são perdidos.
                                                 (Escala da economiaX danos ambientais)
As novas tecnologias talvez possam reduzir a intensidade da utilização  de energia e de matérias-primas por parte da economia. Mas somente depois de já terem causado destruição, sem contar que com isso podem desencadear um "efeito Jevons" (à medida que as novas tecnologias conseguem elevar a eficiência de um dado recurso natural, o seu uso total pode aumentar ao invés de diminuir). Da forma como o problema está colocado, as novas tecnologias não representam necessariamente uma solução para o conflito entre a economia e o meio ambiente. Pelo contrário, perigos desconhecidos incorporados às novas tecnologias engendram (dão origem) em muitos momentos conflitos de justiça ambiental. Estes seriam os casos emblemáticos tanto da localização de incineradores -cujo funcionamento pode gerar dioxinas-, como de áreas voltadas para armazenar resíduos radioativos ou, ainda, do uso de sementes transgênicas.

O movimento por justiça ambiental dos Estados Unidos assumiu consciência de si mesmo no início dos anos 1980. Sua "história oficial" destaca a primeira aparição em 1982.Quanto aos primeiros discursos acadêmicos, datam do início dos anos 1990. No Brasil, as lutas encabeçadas por Chico Mendes nos anos 1970 e 1980 constituíam conflitos por justiça ambiental, mas não é necessário e tampouco precedente interpretar esses movimentos nos termos de um racismo ambiental. Embora existam pontos de contato e pontos de desacordo entre esses três tipos de ambientalismo, uma coisa une a todos: é a existência de um poderoso lobby antiecologista, possivelmente mais forte no Sul do que no Norte. No sul, os ambientalistas são em muitas ocasiões atacados pelos empresários e pelo governo, considerados serviçais de estrangeiros cujo objetivo é estancar o desenvolvimento econômico. Na Índia, os ativistas antinucleares são considerados contrários à pátria e ao desenvolvimento. Na Argentina, os escassos ativistas antitransgênicos também são tidos como traidores pelos exportadores agrícolas.

O movimento pela justiça ambiental, o ecologismo popular, o ecologismo dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local, regional, nacional e global causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo acesso às florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio ecológico desigual, questões estudadas pela ecologia política. Em muitos contextos, os atores de tais conflitos não utilizam um discurso ambientalista. Essa é uma das razões pelas quais a terceira corrente do ecologismo  não foi, até os anos 1980, plenamente identificada.

(Alier, 2007)
(Castells, 2011)

Comentários