Regulação tardia

Síntese do brilhante artigo da professora Aldaíza Sposati


Por Welliton Resende

O Brasil e outros países latino-americanos só reconheceram os direitos sociais e humanos no último quartil do século XX após lutas sangrentas contra as ditaduras militares que não praticavam a universalização da cidadania.

Até os anos 70 a construção de um novo modelo de regulação social que vincula democracia e cidadania é é descentrado da noção de pleno emprego ou de garantia de trabalho formal a todos. Esse modelo se afasta da universalização dos direitos trabalhistas e se aproxima da conquista de direitos humanos ainda que de modo incipiente.

Determinações supranacionais oriundas dos fundos de financiamento internacionais e reguladores da dívida pública orientam as políticas sociais. Desse modo, os direitos sociais foram de reconhecimento tardio no Brasil.

Por exemplo, o direito social à saúde só foi reconhecido nas últimas décadas do século XX por ocasião da Constituição de 1988.

Regulação social  tardia   é a definição dada por Aldaísa Sposati aos países em que os direitos sociais foram legalmente reconhecidos no último quartel do século XX e cujo reconhecimento legal não significa que estejam sendo efetivados, isto é, podem continuar a ser direitos de papel que não passam nem pelas institucionalidades, nem pelos orçamentos públicos.

Este "gap" (atraso, descompasso) cria uma distância do país que se mostra avançado e as condições reais da população que permanece excluída.

É falsa a afirmação de que o neoliberalismo não abalou a regulação social do Estado na América Latina. O impacto do neoliberalismo em sociedades de regulação tardia não ocorre pelo desmanche social, nem pela redução dos gastos sociais. Estas sociedades não viveram o Welfare State  porque sociedades ditatoriais 
não incluíam pactos democráticos de universalização da cidadania. Em síntese, são sociedades carentes de um contrato social alargado.

Adaílza chama de políticas sociais de terceira geração a combinação entre movimentos sociais, democracia política e democracia social.

O protecionismo humano é avesso às teorias de mercado que consideram toda e qualquer forma de proteção humana uma proposta de acomodação, deseducativa do ponto de vista do interesse do lucro e do consumo.

Sob o entendimento da hegemonia neoliberal, os programas sociais são geridos pelo princípio da alta rotatividade, deslocando-se para o indivíduo a responsabilidade em superar riscos sociais. Ou seja as permanências são tidas como "vistos temporários". Desse modo, ampliam-se nos seus relatórios o número de atendidos, mas nunca o de incluídos.

O fenômeno da exclusão social da sociedade de regulação neoliberal coloca um freio na expansão da universalização da cidadania.

No Brasil, há uma forte polêmica no sentido de caracterizar as iniciativas de aplicação de verbas públicas que significam a ampliação do controle social e da democracia, daquelas que se orientam pela refilantropização do social ou empecilho à efetivação dos direitos sociais.

Por determinação da CF de 1988 as políticas sociais devem ser geridas por conselhos de constituição paritária entre membros do governo e da sociedade civil. Estes representantes dos segmentos da sociedade são eleitos por processos submetidos ao controle social.

O papel inovador  das experiências do Orçamento Participativo como forma de avanço  democrático no controle da agenda social estatal através  da construção participativa das despesas estatais.

Um dos traços marcantes das sociedades de regulação social beveridgiana é a universalidade da "cidadania baseada na etnia". O Estado-Nação reconhece "seus filhos" como cidadãos, daí a prevalência da etnia e, por contraponto, da discriminação racial. O países de regulação tardia  construíram sua vida social com baixa discriminação ao estrangeiro. Pelo contrário, há a "supremacia do estrangeiro". Trata-se portanto de uma etnia ao revés do que é praticada no primeiro mundo.

A centralidade no mercado,  própria do neoliberalismo,  substituiu o conceito de cidadania pelo de consumidor, difundindo o conceito de regulação social àqueles que não tem capacidade própria de prover suas necessidades pelo consumo do mercado.

A conquista do direito social supõe o um pacto entre Sociedade-Mercado-Estado sob a égide da universalização da cidadania.

Nos países de regulação social tardia, o impacto neoliberal se traduz pela fragilidade desse pacto ou até mesmo pela sua inexistência, já que a cultura de direitos sociais a política social é substituída por ações sociais  e não, propriamente, por políticas sociais públicas duradouras.  Elas se transformam em "programas de governo" desmanchando a possibilidade de responsabilidade pública efetiva.

Os direitos sociais seguem fortes em seu enunciado pelos dispostos legais, mas têm sua prática fragilizada pelo baixo ou inexistente reconhecimento na burocracia estatal. Ou seja, um reconhecimento simbólico.

Características da gestão das políticas sociais sob a regulação social tardia

Nesses países é impossível separar o alcance da democracia do alcance dos direitos sociais. Assim, no momento em que os direitos sociais nesses países vão tomando forma o neoliberalismo se instala e o welfare state entra em crise. Ou seja, terão que remar contra a corrente ou firmar uma  luta contra-hegemônica.

Desse modo, há uma forte redução do alcance da política social. Perde-se a noção de universalidade para reinscrevê-la como limitada àqueles com baixa ou inexistente capacidade de consumo no mercado. Como se destina aos mais pobres, a má qualidade e a cobertura precária se instalam promovendo um efeito perverso nos resultados da gestão da política social.

Em verdade, o neoliberalismo trouxe um apelo prioritário à proteção do mercado e dos negócios. Simples assim.

Perde-se a noção de direito pela de benesse. Ocorre a refilantropização  dos direitos sociais através da associação do mundo dos negócios ao mundo social através de ações sociais de empresas (fundações sociais). A  estratégia é de fragilizar a política pública.

Outra ocorrência é o deslizamento da responsabilidade do Estado nacional para o Estado local. A diluição do alcance nacional dos direitos a processos locais (municipalização).

Características do trabalho nos países de regulação tardia

A noção de público não é incorporada como direito cidadão de todos, mas condição de acesso a quem não consegue ter condições de consumir serviços privados.

Nesse "novo modelo" não há um prévio reconhecimento universal da cidadania, ou um contrato social alargado. Desse modo, não são políticas sociais para cidadãos, são práticas e programas para necessitados.

No processo de regulação social tardia, os movimentos sindicais cedem lugar para os movimentos sociais. 

O neoliberalismo vem aguçar este processo dual de cidadania social e de "quase cidadania". 




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