Introdução a uma sociologia reflexiva

Pierre Bourdieu (1930-2002, França)
Por Welliton Resende




O texto de Bourdieu vai trazer reflexões acerca de como o sociólogo deve atuar e é divido em quatro partes:

(I)-Ensinar um ofício;

Esta reflexão está centrada no fazer pesquisa, um fazer que se entende muito mais na perspectiva de um ofício, resgatando inclusive a metáfora da oficina. Para Bourdieu o ensinar e o pesquisar não são dotes naturais ou capacidades místicas exclusivas, mas um trabalho, um ofício que pode ser aprendido e ensinado, um aprender-fazer muito mais prático do que teórico ou expositivo. 

O “homo academicus gosta do acabado”, ou seja, gosta de pesquisas prontas e conclusivas e busca enfatizar, em geral, aquilo que são os resultados da pesquisa, dando pouca atenção ao processo, evitando apresentar as formas pela qual aquela pesquisa se realizou. 

Defende uma espécie de desarme científico-intelectual, e isso se pratica quando o pesquisador expõe suas dificuldades, hesitações, empecilhos que surgiram ao longo do processo, bem como apresentar de forma detida como aquela pesquisa se realizou, quais os métodos, entre outros aspectos que expõem o pesquisador à crítica da comunidade. 

Bourdieu já se demonstra aqui como um racionalista, que percebe a ciência como um ato racional e pensante:

I-que carece de esforço;

-rigor metodológico; e,

- cuidado na construção do objeto científico, objeto esse que não pode ser confundido com objetos de interesse social. 

ERC

Essa postura se configura como uma posição de pesquisador-não-nulo, um sujeito que está totalmente imbricado com a pesquisa e que não somente aguarda passivo da realidade as informações pretensamente verdadeiras.

Para Bourdieu é preciso construir o objeto, ter um insight sociológico que tire da realidade mais que as aparências, fazendo assim um contraponto importante ao mito da neutralidade científica ou mesmo ao ideário de pesquisador-passivo-nulo que Durkheim defendeu em As Regras do Método Sociológico. 

(II)- Pensar relacionalmente;

É importante que o pesquisador não tenha um pensamento setorista e isolador em relação a teoria e ao método e em relação ao contexto do objeto

Aqui o pesquisador precisa cultivar o hábito de perceber as indissociáveis relações que existe entre teoria e método, configurando tessituras entre aquilo que se pensa e aquilo que se faz, ou busca fazer nesse contexto de pesquisa. 

Bourdieu sustenta que “as opções técnicas mais empíricas são inseparáveis das opções mais teóricas  de construção do objeto” (2007, p. 24) o que também surge como contraponto à percepção cartesiana de fragmentação e separação. 

Outro pensar relacional está na consideração de que os métodos podem coexistir em harmonia na construção do saber sociológico. Para ele as técnicas de recolha de dados não precisam ser colocadas isoladamente em uma mesma pesquisa.

Para ele a pesquisa é uma atividade séria e complexa, que requer rigor, vigilância das condições, e adequação ao problema. Cada pesquisa precisa ter uma percepção artesanal, ou participante do pesquisador, onde esse deve construir o objeto e perceber a melhor forma de coleta de dados e adequações metodológicas. 

Outro pensar relacional está na percepção do objeto dentro de seu contexto e que “o objeto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades” (2007, p. 27). 


(III)-Superar o senso comum; 

Para ele “construir um objeto científico é, antes de mais e sobretudo, romper com o senso comum” (2007, p. 34).  

O sociólogo pesquisador precisa superar o senso comum e estabelecer relações de profundezas empírico-metodológicas e teóricas que permitam construir um objeto válido e superar as aparências da realidade. 
 

(IV)- A objetivação participante (pedagogia de pesquisa).


Bourdieu vai fazer toda uma reflexão da posição do sociólogo, sua profissão, e vai resgatar a ideia de um habitus academicus que as vezes não percebe os limites da experiência social e cria establishment sociológicos que em inúmeras vezes se perde na “ilusão da compreensão imediata” (2007, p. 45). 

Bourdieu vai propor o que ele chama de Pedagogia da Pesquisa, pedagogia essa que será marcada por uma postura por ele chamada de objetivação participante. Essa reflexão sobre a objetivação vai estar na percepção sustentada por ele de que o objeto precisa ganhar suas considerações teóricas a partir da participação com o objeto, ou seja, o pesquisador não pode chegar ao objeto com uma espécie de camisa de força teórica, movida pelos seus interesses, e então deixar de perceber as peculiaridades do objeto que muitas vezes, ao decorrer da pesquisa, vai solicitar do pesquisador novos olhares teóricos e novas abordagens e técnicas metodológicas; ou também deixar de considerar outros objetos por causa de um determinante interesse prévio. 

Ele considera que  “é sem dúvida o exercício mais difícil que existe, porque requer a ruptura das aderências e das adesões mais profundas e mais inconscientes, justamente aquelas  que, muitas vezes, constituem o interesse do próprio objeto estudado para aquele que o estuda, tudo aquilo que ele menos pretende conhecer na sua relação com o objeto que ele procura conhecer” (2007, p. 51).

Em síntese, ele se preocupa com o cuidado que o pesquisador deve ter em relação a origem do interesse sobre o objeto e a necessidade de abertura para novas hipóteses, preservando uma postura de flexibilidade, e de que é preciso compartilhar com o objeto as diretrizes de como se perceberá o próprio objeto. 

É imprescindível adotar uma postura de abertura com rigor, com esforço, dando mais atenção à pesquisa em si, tentando se desvencilhar das hierarquias acadêmicas e dos efeitos retóricos e preservando uma forte vontade de obter a verdade.


As estratégias desenvolvidas ao longo desta pesquisa foram no sentido
de construir o objeto de estudo com ênfase na sociologia reflexiva proposta por Bourdieu (2004), o pensar relacional à pesquisa de campo, no sentido de mobilizar-se todas as técnicas pertinentes ao objeto em questão, prelecionando ainda que o campo caracterizar-se-ia por ser “uma estenografia conceitual” de um modo de construção do objeto que vai comandar–ou orientar–todas as opções práticas da pesquisa. Desse modo, Bourdieu (2004) busca-se romper com o que chama de “monoteísmo metodológico”.
 
Entrelaçando teoria e prática, objetiva-se, conforme proposto por Bourdieu, o pensar relacional à pesquisa de campo, no sentido de mobilizarem-se todas as técnicas pertinentes ao objeto em questão orientando dessa maneira as opções metodológicas desenvolvidas nesta pesquisa.
 
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 24-25 p.

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