Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa

Resenha da obra de Evelina  Dagnino


 Por Welliton Resende


O processo de construção democrática enfrenta hoje no Brasil um dilema cujas raízes estão na existência de uma confluência perversa entre dois processos distintos. 

Quais são esses processos convergentes?

-(I) processo de alargamento da democracia;

-(II) ação conjunta entre Estado e sociedade civil para o aprofundamento democrático (antes antagônicos).

Com a eleição de Collor foi implementado o ajuste neoliberal e o Estado isentou-se progressivamente do seu papel de garantidor de direitos, através  do encolhimento das suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil. Assim, o projeto neoliberal requer uma sociedade civil ativa e propositiva.

A sociedade civil é considerada como um "polo de virtudes democratizantes" e o Estado como a "encarnação do mal". Essa visão simplifica a imensa complexidade do processo de construção  democrática e das relações que o constituem. Desse modo, o conflito entre Estado e sociedade civil derivaria dessa clivagem (distinção).

O projeto neoliberal encontra no Brasil um contendor relativamente consolidado, embora evidentemente não hegemônico, capaz de obstruir um campo de disputa, que é o projeto participativo. Os movimentos sociais têm a sua representatividade oriunda  dos interesses difusos da sociedade, aos quais "dariam voz".

O processo de construção da cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é, especialmente, um processo de transformação  de práticas arraigadas na sociedade como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisição formal e legal de um conjunto de direitos e, portanto, ao sistema político-jurídico.

Desse modo, essa lógica transforma os cidadãos/portadores de direitos nos novos vilãos da nação: inimigos das reformas desenhadas para encolher as responsabilidades do Estado. O reconhecimento dos direitos, considerados no passado recente como indicador de modernidade, torna-se símbolo do "atraso", um "anacronismo" que bloqueia o potencial modernizante do mercado (Telles,2001).

Aqui encontramos uma poderosa legitimação da concepção de mercado como instância alternativa da cidadania. Esse deslocamento de "cidadania" e "solidariedade" obscurece sua dimensão política e corrói às referências à responsabilidade  e ao interesse públicos, constituídos com tanta dificuldade pelas lutas democratizantes do nosso passado recente.

A distribuição dos serviços e benefícios sociais passa cada vez mais a ocupar o lugar dos direitos e da cidadania, obstruindo não só a demanda por direitos, mas, obstando a própria formulação dos direitos e da cidadania e a enunciação da questão pública.

O projeto neoliberal operaria não apenas como uma concepção de Estado mínimo, mas também com uma concepção minimalista da política e da democracia, arrematou Evelina Danigno.





 

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