Por Welliton Resende
O sistema político tem que assumir a articulação das necessidades públicas relevantes, dos conflitos latentes, dos problemas recalcados, dos interesses que não se deixam organizar, etc.
Sociedade civil: o seu núcleo institucional é formado por associações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. Compõem-se de movimentos, organizações e associações que captam ecos dos problemas sociais condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera política.
Desse modo, o núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro das esferas públicas.
Cohen e Arato observam "dual polítcs" nos novos movimentos sociais. Segundo eles, perseguem objetivos "ofensivos" (através de uma ofensiva eles tentam lançar temas de relevância para toda a sociedade) e "defensivos" (tentam preservar certas estruturas da associação e da esfera pública).
A sociedade civil pode ter opiniões públicas próprias capazes de influenciar o complexo parlamentar ( e os tribunais), obrigando o sistema político a modificar o rumo do poder oficial.
A esfera pública tem o papel de fazer a mediação entre o sistema político e os setores privados. Ela representa uma rede supercomplexa que se articula com pontos de vista funcionais, temas, círculos públicos, etc. Assumem também a forma de esfera pública mais ou menos organizada, no entanto, acessível a um público leigo.
Tipos: literárias, eclesiais, artísticas, feministas, "alternativas", episódicas, organizadas ou abstratas (quem frequenta teatro ou um show de rock, por exemplo).
No interior de um esfera pública geral, definida através de sua relação com os sistema político, as fronteiras não são rígidas em princípio.
Frases:
"A democracia se funda no entendimento entre as pessoas. E esse entendimento só vai ser possível se cada ser humano estiver aberto para ouvir o outro jogando limpo e honesto na discussão".
"Justamente porque os seres humanos não costumam ser honestos na discussão, que é preciso estabelecer regras para que o entendimento possa existir".
"O entendimento só pode vir por meio da única coisa que todos têm: a razão".
"Se abandonarmos as paixões, somos capazes de discutir qualquer assunto".
"Dicas para usar racionalmente os argumentos:
-Só discutir se houver igualdade; e,
-Usar argumentos que possam ser aceitos."
Um papo com Habermas
1) O que é Esfera Pública?Harbemas-Ela surgiu entre o final do século 18 e início do século 19, a partir dos seguintes fatores:
a) historicamente, o surgimento da esfera pública restringiu-se aos países da Europa Ocidental, onde a burguesia havia se transformado, ou estava em vias de se transformar, em classe dominante.
b) o período coincide com a ascensão dos direitos de cidadania, sobretudo aqueles associados com os direitos civis e políticos, que garantiram liberdade cívica de participação, de expressão e de livre associação.
c) a categoria sociológica chamada de "público" (em contraposição à "esfera da vida privada") se forma como consequência direta das lutas das classes burguesas contra o absolutismo em alguns países; e, em outros, em prol do fortalecimento do governo constitucional (como é o caso da Inglaterra, onde a classe burguesa já dominava o aparelho de Estado). Em ambos os casos, o processo resultou na ampliação das garantias constitucionais em torno dos direitos de cidadania e, no longo prazo, na constituição do governo representativo (ou democrático).
2) Qual a dinâmica da formação da esfera pública burguesa?
Harbemas-As associações voluntárias formaram as bases do surgimento da esfera pública e, por conseguinte, dos interesses propriamente públicos.
a) a vida gregária (bandos, grupos) da burguesia do final do século 18, frequentadora dos cafés, das livrarias, dos bares de elite, etc.; estimulou a criação de uma série de associações voluntárias de caráter filantrópico, educacional, artístico e recreativo, entre outras.
b) essas associações voluntárias eram livres da ingerência da burocracia estatal e vieram a ser o sustentáculo de uma teia de relações sociais organizadas, que serviram para formular demandas políticas de interesse dessa classe social. Ou seja, a participação dos indivíduos não se dava na condição de homens de negócio ou profissionais em suas transações privadas, mas como sujeitos conscientes de pertencerem a um determinado grupo social, que tinha aspirações e interesses coletivos.
c) a partir das interações sociais entre os membros da classe burguesa, propiciadas pelas associações voluntárias, surgiram demandas, tipicamente públicas, em prol de benfeitorias locais. Em muitos países, as associações voluntárias burguesas fomentaram o surgimento do "governo local" (ou municipalidade).
3) Qual o papel dos órgãos de imprensa, das notícias, da esfera pública e da sociedade civil?
Harbemas-O surgimento e o dinamismo da vida burguesa baseada na associabilidade foram acompanhados:
a) do desenvolvimento do capitalismo e, paralelamente, do desenvolvimento dos órgãos de comunicação social, naquela época sob predomínio da imprensa escrita.
b) os órgãos de comunicação propiciaram o estímulo à interação social entre as esferas públicas burguesas. É por esse motivo estabeleceu-se uma homologia causal entre a movimentação de mercadorias, em razão do desenvolvimento dos mercados capitalistas, e a movimentação das notícias pelos órgãos de imprensa.
c) o dinamismo da vida burguesa baseada na associabilidade, aliado ao dinamismo dos órgãos de comunicação, propiciou o surgimento de um espaço alternativo de expressão da liberdade e de opiniões e formulações de demandas políticas. No conjunto, esses processos deram origem à sociedade civil e, posteriormente, à chamada opinião pública, que se constituem em espaços ou esferas independentes do Estado.
4) Qual a relação entre a esfera pública burguesa e o conflito social?
Harbemas-O meu trabalho de pesquisa social foi desenvolvido na década de 1950 e sofreu inúmeras críticas a partir do momento em que mais pesquisas sociais, com o mesmo enfoque, foram elaboradas. Algumas críticas dirigidas à ela podem ser apresentadas do seguinte modo:
a) a esfera pública burguesa era restrita e impunha obstáculos à integração de outros públicos (ou, seja, impedia o acesso de outras classes sociais). O homem e o cidadão de bem eram identificados com os indivíduos de posse; ou seja, os ricos.
b) a vida baseada na associabilidade e as associações voluntárias burguesas eram espaços restritos às elites locais. Mas, além das restrições de classe, havia restrições em torno das diferenças de gênero (sexo). Os homens monopolizavam o espaço e a esfera pública que foi se formando.
c) no transcurso do século 19, os conflitos sociais de tipo classista se agravaram devido ao surgimento do proletariado, e isso deixou em evidência que a esfera pública burguesa era um espaço social que servia aos interesses políticos específicos de uma classe dominante que não estava disposta a ampliar o acesso ao poder político, na direção da integração das classes sociais subalternas.
5) Qual o conceito de Esfera Pública burguesa (ou liberal)?
Harbemas- a esfera pública surgiu como decorrência da expansão da vida baseada na associabilidade da classe burguesa. Ela define práticas sociais bem específicas, que denomino de "comunicação racional" (ou ação comunicativa), que se expressa no discurso democrático em espaços específicos: as associações voluntárias (salões, cafés, livrarias, entre outros espaços).
A esfera pública burguesa, também chamada de esfera pública liberal, era um espaço de sociabilidade restrito ao público burguês, indivíduos de posses que dispunham de formação educacional.
Nos primórdios da ordem social moderna havia uma diferenciação básica envolvendo as esferas do Estado e da vida privada. O surgimento da esfera pública burguesa rompe com essa dicotomia tradicional ao constituir uma nova instância formadora da sociedade civil. Surge, então, a distinção Estado/sociedade civil.
A consolidação da esfera pública liberal levou a sociedade civil a se contrapor ao poder político discricionário, abrindo caminho para a democratização e constitucionalização do poder político estatal e também governamental.
6) A Esfera Pública liberal confronta outros públicos?
Harbemas- o avanço do movimento operário no cenário europeu politizou o conflito social que radicava nas diferenças de classe social (burguesia versus proletariado). Ao criar consciência de classe, o movimento operário empenha-se na luta para se emancipar e esse processo faz surgir uma nova esfera pública, que se contrapõe à esfera pública burguesa.
O período que vai do último quartel do século 19 até as primeiras décadas do século 20 é marcado pela radicalização dos conflitos de classes. A organização política do proletariado inaugura uma nova etapa na luta pela ampliação dos direitos de cidadania e democratização do poder político.
A polarização entre capitalismo e socialismo é a característica principal desse período histórico. Nesse contexto, não havia espaço nem condições políticas para o surgimento de movimentos sociais de novos tipos, como os movimentos de minorias raciais, étnicas, movimentos juvenis e movimentos feministas, dos homossexuais, entre outros. Esses movimentos de novos tipos só aparecerão na cena política no transcurso da segunda metade do século 20.
7) Houve mesmo o avanço do Estado e a degeneração da Esfera Pública Liberal?
Harbemas- o Estado liberal europeu, que emerge pós Segunda Guerra Mundial, é um Estado intervencionista, ou seja, welfare state. Assim, a sociedade de massa e os conflitos sociais dela decorrentes exigiram interferências cada vez maiores do Estado na sociedade. Essa interferência do Estado se dá na área econômica, com a regulação dos mercados e o planejamento de longo prazo; e na área social, com a ampliação dos serviços públicos (para assegurar os direitos sociais).
A progressiva intervenção estatal na economia e na área social vai gerar um processo de mudança estrutural da esfera pública, que também pode ser considerada como a degeneração da esfera pública, devido ao desaparecimento da distinção entre Estado e sociedade. A esfera pública perde sua base social de sustentação, pois o Estado intervém na economia e na sociedade.
A degeneração da esfera pública é um processo que ocorre paralelamente à regulação dos mercados e à implementação de políticas públicas de caráter social por parte do Estado. Desse processo surgem vínculos entre a burocracia estatal e os grupos sociais organizados. Os grupos econômicos e os sindicatos trabalhistas mais influentes são integrados na estrutura estatal.
Para compreender melhor o entrelaçamento entre a burocracia estatal e os grupos econômicos e sociais, saliento o fato de que as tentativas, em alguns países europeus, de desmonte do Estado de bem-estar fracassaram devido aos fortes e complexos vínculos consolidados entre Estado e sociedade. A título de comparação, embora o Brasil nunca tenha constituído um Estado de bem-estar amplo e robusto, as fortes vinculações entre burocracia estatal e grupos econômicos e sociais podem ser percebidas quando a questão envolve os investimentos estatais na área de infra-estrutura e a questão mais atual dos fundos de pensão.
Reconheço o avanço, a ampliação e as conquistas da esfera pública nas sociedades democráticas e de massa, mas registro que a esfera pública perdeu sua função crítica, devido ao avanço do controle social exercido pelo Estado em praticamente todas as áreas. Um dos desdobramentos da degeneração da esfera pública fica evidenciado quando levamos em consideração que a opinião pública sofre manipulações pelos meios de comunicação de massa.
Leia mais https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/jurgen-habermas---a-teoria-sociologica-o-surgimento-da-esfera-publica.htm
Leia também https://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_p%C3%BAblica
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