Entendendo Mészáros

Ele pirou a cabeça de todos com "a ordem sociometabólica do capital e o estado em falência"



Por Welliton Resende

O filósofo marxista Itsván Mészáros (1930) se debruçou sobre os grandes problemas do estado.  Seu questionamento acerca da viabilidade do estado no sentido de conseguir resolver as suas crises é brilhante, contemporâneo e verossímil.

"A base da violência em nossa sociedade é a ordem sociometabólica do capital", afirmou. Ela  produz um operário parcelar (fordismo), descontínuo e, acima de tudo, inteiramente subordinado ao capital. Um trabalhador que, por medo de perder o emprego, defende não apenas a produtividade do capital, mas, até mesmo, a demissão dos seus companheiros.

Há uma relação entre a forma como produzimos nossas condições materiais diretas de vida, através das horas que dedicamos todos os dias ao trabalho, com as horas que alocamos para outras atividades. A questão fundamentalmente social da alocação do nosso tempo regulam o metabolismo social da produção.

O funcionamento saudável da sociedade depende da natureza das ações produtivas materiais e da modalidade do processo geral  de tomada de decisão política que complementa o processo sociometabólico. 
 
O estado serve apenas como um espaço da disputa capitalista e a solução é erradicá-lo por completo. Mészáros afirma que o estado fenece (vai extinguir-se), porque vive um momento de "estado de falência" por conta das suas próprias limitações ambientais para a reprodução do capital, acirrando a disputa pelo “trabalho excedente”.


Um dos sinais mais agudos do verdadeiro fracasso dos Estados centrais é que, com suas aventuras de guerra contínua,  proclamadas em nome dos "direitos humanos", "da democracia" e "liberdade", eles tentam impor aos "estados falidos", arbitrariamente denunciados como tais, a modalidade de dominação colonialista direta, historicamente anacrônica e que falhou dramaticamente ao ser experimentada na história real.

O círculo vicioso das determinações inerentemente antagônicas do capital- que, em nosso tempo, coloca em risco a sobrevivência da humanidade, não só em termos militares, mas também no plano ecológico- sem alterar radicalmente a nossa modalidade de controle sociometabólico ao erradicar completamente o capital do processo de reprodução social.

A prevalência da exploração de classe, sob qualquer forma, a mais iníqua expropriação e apropriação dos frutos do trabalho excedente forneceram a base material, na qual o avanço histórico teve de ser perversamente postulado.

"Riqueza é tempo disponível e mais nada" (panfleto  de 1821).

A questão fundamental é a expropriação e a apropriação alienada  do trabalho excedente e a estrutura do comando político geral das determinações regulatórias alienadas de hoje. O trabalho excedente e o Estado permanecem ou caem juntos. O tempo disponível da humanidade não pode ser liberado sem isso. Essa é a montanha que devemos escalar e conquistar.

Os defeitos estruturais  do sistema capitalista nunca poderiam ser superados sem enfraquecer, e até mesmo minar a eficácia  do próprio sistema autoexpsansionista, que é, por sua natureza mais íntima, orientado para a expansão e impulsionado pela acumulação,e, claro, vice-versa, de acordo com as circunstâncias prevalecentes.

Apenas a universalidade formal das determinações de Estado imperativas poderia  completar o modo da reprodução sociometabólica do capital como um sistema.

Com a destrutividade das armas atuais, as guerras não produziriam mais vencedores e praticamente nenhum benefício. Desse modo, por ser um componente importante para viabilidade da ordem centrífuga do capital, agora perde totalmente o significado. Desse modo, com a crise estrutural do sistema do capital em nossa época, nós atingimos também os limites a esse respeito.



O cobertor  cada vez mais curto estaria criando resistências estruturais à sobrevivência do Estado. Segundo o filósofo, teríamos chegado ao limite da “expansão da reprodução sociometabólica”  mediada pelo Estado, como historicamente ele  se configurou desde o início da Era Moderna.

O principal aparato de manutenção do estado, "a lei", funcionaria apenas para afirmar-se como força ou “lei do mais forte. Desse modo, deveria  ser substituída por uma nova ordem sociometabólica. "A lei do mais forte" ou "lei sobreposta" seria substituída pela “lei autonomamente determinada”.


Outras ideias dele:

-Condena o   “fetiche” da democracia representativa e seu “vazio legislativo” e constata seu “fracasso em todos os  países, para não mencionar a sua transmutação periódica em formas ditatoriais”. 

-Rejeita a ideia de "anarquia utópica sem lei" as tais "comunidades utópicas de vila bucólica".

-A proclamação constitucional e imposição juridicamente incontestável da ‘lei  do mais forte’ pode continuar, tanto se for feita da maneira ditatorial mais cruel ou com o ‘rosto sorridente’ das formações estatais liberal-democráticas do sistema do capital.

-A imposição da ‘lei do  mais forte’ sobre a sociedade não pode continuar para sempre.

-A hora da verdade chega quando os limites absolutos do sistema do capital são ativados em uma forma historicamente determinada, comprometendo a viabilidade  das correções necessárias das formações estatais do sistema em todas as suas formas dadas  e imagináveis.

-Colocou  em xeque “a ilusão da democracia liberal”  como promessa de gestão eficiente do capitalismo e como gerência de um Estado Moderno  que prometia o bem-estar eterno para todos, a  paz e o progresso.  O sistema capitalista tem limites que tornam impossíveis correções necessárias.

-Bebe na fonte do "regulacionismo". Segundo a abordagem regulacionista, o capitalismo é um sistema naturalmente instável, sujeito a crises cíclicas. Porém, ele consegue se reproduzir durante um determinado período, através da criação de um aparato regulatório que, uma vez aceito pelos agentes econômicos, tende a agir de forma anticíclica. Desta forma, a abordagem regulacionista é uma crítica ao marxismo ortodoxo, uma vez que, segundo os teóricos da regulação, as crises do capitalismo não redundam em sua superação.

-Não se contrapõe ao Estado de direito. Pelo contrário. A única lei que pode se sustentar, nesse  contexto, é “a lei que damos a nós mesmos”, ou seja, a “democracia substantiva”, uma categoria que prescinde a “igualdade substantiva” na esfera política. 

-O desafio é resgatar o Estado daqueles que se apropriaram dele para seus  interesses capitalistas. 

-Perde-se tempo na discussão sobre  o tamanho do Estado, quando o debate deveria ser o “tipo”, isto é, as determinações qualitativas das estruturas regulatórias e de tomada de decisões. 

-A desigualdade social  estaria corroendo o Estado, “protetor da hierarquia social”. Essa seria a montanha desafiadora à frente da Humanidade do século XXI.

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