sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Aposta arriscada na impunidade


Por Sérgio Seabra*

Entrou em vigor no último dia 29 a lei que responsabiliza a pessoa jurídica por atos lesivos à administração pública nacional e estrangeira (Lei nº 12.846/2012). Chamada informalmente de Lei Anticorrupção, esse é mais um grande passo no combate à corrupção no Brasil, pois pune de forma severa um dos grandes responsáveis e que, até então, só era atingido de forma indireta: o corruptor. Pela nova lei, as empresas poderão ser punidas com multas de até 20% do seu faturamento bruto ou R$ 60 milhões, quando não for possível calculá-lo. Na esfera judicial, as sanções incluem o perdimento dos bens e até a dissolução compulsória da empresa.

Além do componente punitivo como instrumento inibidor da corrupção, a lei inova ao estabelecer incentivos para a conduta ética e íntegra por parte das empresas. Aquelas que comprovadamente investirem em boas práticas, especialmente nas transações com o setor público, caso venham a ser responsabilizadas, podem ter a multa reduzida substancialmente.

Desde que foi aprovada, em agosto de 2012, venho constantemente sendo questionado se essa é uma lei que "vai pegar". Observando o movimento, no último ano, de grandes empresas e multinacionais com atuação no Brasil, que já estão nitidamente se reestruturando com vistas a criar ou aperfeiçoar seus sistemas e programas internos de prevenção de práticas ilícitas, poderia até dizer que a lei já "pegou" antes mesmo de entrar em vigor. Contudo, apesar desses indícios, uma análise mais robusta se faz necessária.

Entendo que essa lei só não "pegaria" se, a despeito da severidade das punições introduzidas, as empresas continuassem com as práticas ilícitas nas suas transações com o setor público. A meu ver, isso só aconteceria se as empresas acreditassem que seus atos ilícitos não seriam detectados e que, se detectados, não seriam punidos. Assim, a reposta à pergunta se a lei irá "pegar" depende de como nossa sociedade tem de fato atuado em relação às duas expectativas mencionadas. Os avanços registrados nos últimos anos em relação a esses dois aspectos me deixam otimista.

A possibilidade de que atos ilícitos venham a ser detectados tem aumentado bastante por dois fatores: pelo fortalecimento dos órgãos de controle interno e externo, bem como das polícias, conjugado com o aprimoramento de técnicas investigativas e o uso de tecnologia de informação e cruzamento de dados nas auditorias; e pelo aumento da transparência dos gastos públicos. Os portais de transparência e a Lei de Acesso à Informação facilitaram o controle social e por parte da imprensa. Hoje é bem mais difícil que um ato ilícito praticado por uma empresa contra a administração pública não venha a ser detectado.

Quanto à punição na esfera administrativa, a criação, em 2005, do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal e seu constante fortalecimento tornaram mais célere a aplicação de sanções administrativas tanto para servidores públicos quanto para empresas. O número de servidores federais demitidos por atos de corrupção chegou a 4.349, de 2003 a maio de 2013. E aproximadamente quatro mil empresas estão impedidas de contratar com o poder público.

Esses avanços e a entrada em vigor da chamada Lei Anticorrupção deixam um recado muito claro para as empresas: é muito melhor investir em ética e integridade nas suas relações com o poder público do que apostar na impunidade.


Seabra é Secretário de Transparência e Prevenção à Corrupção da CGU.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe, comente e concorra a um livro autografado pelo prof. WR.