Um dos melhores quadros da esquerda, o ex-presidente do PT Salvador Fernandes analisa os fluxos e refluxos de alguns partidos do campo democrático-popular na relação com a oligarquia Sarney, em três momentos importantes: a captura do PMDB nos anos 1980, o adesismo do PCdoB (1985 - 2000), o controle do PV e a intervenção no PT a partir de 2010.
Salvador Fernandes, ex-presidente do Diretório Estadual do PT/MA |
Fonte: Jornal Pequeno
No cenário atual, Fernandes critica a composição da frente liderada pelo comunista Flavio Dino e dá por perdida a Resistência Petista no Maranhão, diante dos compromissos entre o PT e o PMDB no plano nacional. Mas, nem tudo está perdido. Salvador vê esperança nos novos partidos de esquerda. Veja a entrevista.
Perfil:
Salvador Jackson Nunes Fernandes: economista, servidor concursado da Controladoria Geral da União (CGU), no cargo de analista de finanças e controle. Filiado ao PT desde 1980, foi titular da Secretaria Geral e da Secretaria de Finanças do partido e presidente do Diretório Regional do PT no Maranhão (gestões 1996-1997 e 1998-1999).
Blogue – Como você analisa o processo de ingerência do senador José Sarney no PT do Maranhão?
Salvador Fernandes – Do ponto de vista libertário, representa uma avassaladora derrota político-partidária de um grupo de militantes que dedicou três décadas de suas vidas construindo uma agremiação independente, que, no terreno local, tinha como principal motivo existencial o enfrentamento aos desmandos de uma oligarquia, que construiu e consolidou a sua legitimação à custa da ignorância, em parte planejada, da maioria de uma população originária ou descendente do mais absoluto atraso rural.
Blogue – Seria possível a ingerência local sem o consentimento do PT nacional?
Salvador Fernandes – Sim, mas num quadro de disputa política interna que dividia o partido entre os adesistas oligárquicos e os que defendiam o alinhamento partidário com as forças de oposição. A partir da intervenção da Direção Nacional em 2010, quando foi preterida a decisão estadual de apoiar a candidatura de Flávio Dino ao Governo do Estado, com o subsídio dos derrotados na refrega interna local, ficou clara a opção política daqueles que têm o controle partidário nacional. Assim, o isolamento dos agrupamentos anti-Sarney dos fóruns de decisão partidária e dos espaços institucionais representou a sentença de morte das possibilidades políticas de mudanças nos rumos do PT maranhense.
Blogue – Existe um campo – a Resistência Petista – que não se alinhou à aliança com o PMDB no Maranhão. A Resistência tem força para influenciar a direção nacional do PT?
Salvador Fernandes – Lamentavelmente, não creio nessa possibilidade. A posição político-eleitoral do PT maranhense será definida pela coordenação nacional de campanha de Dilma Rousseff, com base no entendimento político do ex-presidente Lula sobre a importância da função do Senador José Sarney no quadro da disputa nacional eleitoral de 2014.
Blogue – Como você avalia a desfiliação dos deputados estadual Bira do Pindaré e federal Domingos Dutra do PT?
Salvador Fernandes – São duas lideranças de significativa influência no quadro de disputa interna petista. É verdade que essas desfiliações enfraqueceram o campo denominado Resistência Petista, mas, do ponto de vista político, são duas vozes em retirada que simbolizam o sentimento de indignação de muitos sujeitos sociais que repugnam a subserviência do PT maranhense aos interesses oligárquicos.
Blogue – Já houve casos semelhantes no Maranhão, situações em que a oligarquia Sarney beneficiou-se da adesão ou se apropriou de partidos do campo democrático-popular?
Salvador Fernandes - Vários. Como registro de adesismo, cito o caso do PCdoB que, no período de 1985 a 2000, apoiou candidatos e participou de governos estaduais da oligarquia. Destacam-se os dois primeiros governos de Roseana Sarney, quando o partido ocupou vários espaços institucionais da administração estadual - alguns de relevo. A sigla tratava o governo oligárquico como uma administração progressista. Exemplo de apropriação, tem-se o emblemático episódio do PV que, desde sua gênese local, fez parte da cesta de siglas partidárias a serviço do grupo Sarney.
Blogue – O MDB também passou por um processo semelhante ao PT no Maranhão? Como e quando isso ocorreu? Quais eram as personagens desse período?
Salvador Fernandes – Durante o bipartidarismo imposto pela ditadura militar, o MDB nacional era o pólo aglutinador das forças progressistas brasileiras. Na seção maranhense não foi diferente. Porém, a partir do início da década de 1980, após a permissão legal de organização de outros partidos, parte significativa de sua militância progressista deixou, por questões ideológicas, o MDB maranhense em direção ao PT, PDT, PCdoB e PCB. Nesse rearranjo partidário ocorrido ao longo da década de 1980 e início da década de 1990, atores importantes como Jackson Lago abraçou o trabalhismo brizolista e Freitas Diniz e Haroldo Saboia filiaram-se ao PT. Estes são alguns exemplos de lideranças progressistas que exerceram influência e cargos eletivos na antiga sigla. A saída dos agrupamentos de centro-esquerda, os quais davam dinamismo ao rebatizado (P)MDB e o colocava em oposição acirrada à oligarquia, bem como o acordo nacional entre José Sarney e a maioria peemedebista dirigida por Ulisses Guimarães - arranjo político que alçou Epitácio Cafeteira ao Governo do Estado e possibilitou José Sarney ocupar, na chapa majoritária nacional, o cargo de vice-presidente e posteriormente presidente da República, após o prematuro falecimento do titular Tancredo Neves - levou à descaracterização da renomada agremiação da resistência democrática. Em poucos anos o PMDB tornou-se umas das peças-chave do jogo político oligárquico, nas dimensões estadual e nacional.
Blogue – Como você interpreta os movimentos de Flavio Dino para disputar o governo do Maranhão?
Salvador Fernandes - Não me surpreende, embora não concorde com a amplitude da coalizão eleitoral em formação. Afinal, esta sempre foi a tática apregoada pelo PCdoB em relação, nos marcos da democracia burguesa, às disputas eleitorais e à ocupação dos espaços institucionais. Outro elemento discordante, na candidatura oposicionista, a exemplo do que ocorreu na eleição de Jackson Lago ao Governo do Estado, é que os comunistas, apesar de seu qualificado candidato, arroubam-se como únicos protagonistas do processo político. Portanto, os erros e acertos na condução dos acordos político-eleitorais vão para conta do excessivo centralismo partidário, marca das organizações leninistas. Considero tal prática política ultrapassada, principalmente diante dos anseios por mudanças democráticas de vários segmentos sociais maranhenses, expressos nos motivadores resultados alcançados, pelo pré-candidato Flávio Dino, nas pesquisas eleitorais de intenções de votos.
Blogue – Qual o perfil da aliança costurada por Dino?
Salvador Fernandes – Desenha-se a constituição de uma aliança bem mais ampla do que aquela que elegeu o saudoso Jackson Lago. Configura-se uma base de sustentação majoritariamente conservadora cujo recorrente patrimonialismo consistirá num travo às perspectivas de mudanças. Corre-se, mais uma vez, o risco do engessamento político-administrativo. Porém, ao mesmo tempo, e dependendo do grau de autonomia política do núcleo dirigente governamental, pode-se estar abrindo as portas de um novo ciclo político no Maranhão pautado na transparência, na gestão democrática e na inversão de prioridades.
Blogue – Recentemente, circulou na mídia nacional a versão de que Lula e Dilma se afastaram de José Sarney e apoiariam Flavio Dino para o governo do Maranhão. Essa versão tem consistência e futuro até 2014?
Salvador Fernandes – No Maranhão, o cenário ideal para a candidata Dilma é ter o apoio ostensivo dos dois candidatos majoritários da base governista federal. Para isso, a coordenação nacional de campanha da presidente buscará amenizar os tensionamentos locais, inclusive propondo um acordo local que envolva cargos em órgãos e entidades das duas esferas de Governo, vagas no Senado e na Câmara dos Deputados. Caso contrário, não vejo o PCdoB e o candidato Flávio Dino com cacife político-eleitoral suficiente que persuada Lula a explicitar um rompimento político com o senador José Sarney, o que levaria a sérios embaraços com o restante da cúpula nacional do PMDB.
Blogue – Por que você se afastou da vida partidária?
Salvador Fernandes – Por duas razões básicas. Primeiro, não poderia continuar priorizando a intensiva militância partidária em detrimento da minha vida profissional. Nunca comunguei da ideia do militante profissional por toda vida, principalmente num ambiente de relativa democracia e múltiplas possibilidades de militância cidadã. Depois, talvez a principal causa, pelo enraizamento progressivo de todas as mazelas da política tradicional no cotidiano partidário. De célula da sociedade que se propunha, a toda hora, a transformar os métodos político-administrativos conservadores, foi tornando-se progressivamente cúmplice e praticante dos mesmos vícios.
Blogue – Como você interpreta o novo campo da esquerda no Maranhão, liderado pelo PSOL e PSTU?
Salvador Fernandes – É apropriado que se diga que boa parte dessa militância saiu das fileiras petistas. São partidos com diferenças, entre elas a compreensão sobre as disputas institucionais, mas que congregam uma parcela da cidadania que acredita em transformações sociais significativas por outros caminhos democráticos, distintos daqueles delineados pelos tradicionais partidos de centro-esquerda, cujo principal expoente é o Partido dos Trabalhadores.
Blogue – Da mesma maneira que Sarney tomou o PMDB, se apropriou do PT no Maranhão. A História se repete como farsa ou tragédia?
Salvador Fernandes – Trágica, para aqueles militantes e eleitores que, por anos a fio, acreditaram nessas corporações como instrumentos de mudanças sociais. Sob farsa e sem dignidade, para aqueles que estão se locupletando (ou se locupletaram) de benesses momentâneas decorrentes do desenfreado adesismo às determinações oligárquicas
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