Contas públicas aos olhos de todos
Por Carta Capital
Macapá tinha pouco mais de 170 mil habitantes quando o então prefeito João Capiberibe decidiu expor as contas do município em um quadro-negro afixado em frente à prefeitura, em 1990. Naquela isolada localidade, cortada pela linha do Equador e banhada pelas águas do Amazonas, os computadores ainda eram novidade e a internet, um sonho. Daí o improviso na prestação de contas, com as despesas e receitas atualizadas a giz. Não tardou para a notícia correr a cidade e ganhar destaque na mídia. Perseguido pela ditadura, o ex-militante da Ação Libertadora Nacional viveu quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil, após a anistia, aquela era a sua primeira experiência como gestor público eleito. Usou o mote da transparência para imprimir uma marca ao seu governo.
"A época, muitos aplaudiram a iniciativa, mas também havia certa desconfiança da população", relembra o hoje senador de 67 anos, eleito pelo PSB do Amapá. "Muitos achavam que os dados eram manipulados e a precária forma de divulgação reforçava as suspeitas. Mas aquele foi o primeiro Portal da Transparência do País", orgulha-se o parlamentar, autor da Lei Complementar 131/2009, que estabeleceu prazos para a União, estados e municípios abrirem todas as suas contas na internet. Uma forma de permitir à população o controle social das finanças públicas.
Em decorrência da chamada "Lei da Transparência", a partir de 27 de maio, todos os 5.570 municípios brasileiros deverão expor suas contas na web. Até então, somente as prefeituras com mais de 50 mil habitantes estavam obrigadas a fazê-lo. Na prática, quase 90% das cidades, onde vive perto de 36% da população brasileira, deverão se adequar à exigência. "A prefeitura que não cumprir a determinação pode ter os repasses da União suspensos. Os gestores também podem responder a processos por improbidade administrativa", diz Capiberibe. A lei já vale para os municípios maiores, mas só agora deve efetivamente cumprir sua função, prevê o senador. "É muito mais fácil a população acompanhar as contas de uma pequena cidade do que as de uma grande metrópole."
Passados quatro anos do prazo dado aos pequenos municípios, muitos governantes ainda enumeram dificuldades para colocar o portal no ar. É o caso da prefeitura de Guaramiranga, no interior do Ceará, que fornece algumas informações em seu site, mas não todos os dados determinados pela Lei da Transparência, como a execução orçamentária. Mesmo em seu segundo mandato, o prefeito Luiz Viana justificou ao Diário do Nordeste que está no início de uma nova gestão, e procurou a Associação de Prefeitos do Ceará e o Tribunal de Contas para assessorá-lo na empreitada.
Poderá contar ainda com o suporte da Controladoria-Geral da União, que anunciou, em janeiro, a intenção de realizar encontros para auxiliar os prefeitos a cumprir tanto a Lei da Transparência quanto a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio de 2012, mas amplamente desrespeitada. Essa última permite à população solicitar qualquer tipo de informação pública, de plantões médicos a contratos públicos, sem a necessidade de justificar o pedido.
"Para as prefeituras é mais complicado responder às demandas pontuais de cidadãos do que disponibilizar por conta própria as informações em seu site, por isso vale a pena reunir o máximo de dados nesses portais", diz Douglas Caetano, diretor da Consultoria em Administração Municipal (Conam), empresa que assessora mais de 130 prefeituras e órgãos municipais pelo País. De acordo com o executivo, o custo para desenvolver o site é baixo e a Conam oferece soluções que variam de 800 a 7 mil reais por mês. "As vezes, um gestor pede para omitir algum dado ou pergunta se é realmente necessário colocar todas aquelas informações. Tentamos convencê-los a dar o máximo de transparência, até para melhorar a imagem do governo. Se fizer a lição de casa, o prefeito poderá dizer: "Não tenho nada a esconder, está tudo no site"."
"Os políticos adoram a transparência, mas no governo dos seus adversários. O maior desafio, hoje, é assegurar a qualidade das informações que as prefeituras colocam em seus sites", afirma o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. A entidade criou o índice de Transparência, um ranking dos melhores e piores portais mantidos pelos governos estaduais, de acordo com 105 critérios. Em 2012, a nota média foi 5,74, ante 4,88 da primeira edição, realizada em 2010. Apesar da tímida evolução, a nota é considerada baixa. "Alguns sites não detalham os gastos ou o valor unitário de cada produto comprado. Outros não atualizam o site com frequência. E mesmo em portais de bom conteúdo, como o de São Paulo (nota 9,29), há informações escondidas ou com linguagem inacessível para leigos."
A ONG avaliou ainda a qualidade dos portais de 124 municípios paulistas com mais de 50 mil habitantes. A situação encontrada foi ainda mais preocupante. Cerca de 70% das cidades optaram por terceirizar para a iniciativa privada a tarefa de manter o site. Entre essas prefeituras, a nota média foi de 4,17, ante 3,45 das demais. "Apesar do desempenho um pouco melhor dos sites desenvolvidos por empresas, a qualidade deles é muito ruim. Por isso, recomendamos que o governo paulista auxilie os municípios nessa tarefa." Uma avaliação semelhante foi feita pelo Ministério Público da Bahia em 43 cidades do estado. As notas praticamente dobraram de 2011 para 2012, mas ainda assim causam preocupação. Entre as prefeituras com população entre 50 mil e 100 mil moradores, a média ficou em 2,08 no ano passado.
Graças aos portais de transparência, diversas irregularidades puderam ser identificadas e corrigidas pelo poder público. Ao revelar os nomes de beneficiários do Bolsa Família, por exemplo, foi possível verificar que centenas deles não tinham direito de receber os recursos. Vários espertalhões eram funcionários públicos que tiveram seus salários expostos na internet. Em 2008, as denúncias relacionadas ao uso indevido de cartões corporativos do governo federal levaram à demissão da então ministrada Igualdade Racial Matilde Ribeiro. Ela se enrolou ao tentar explicar despesas de viagem que somavam 160 mil reais, entre elas um gasto de 461 reais em um free shop, expostas no site do governo.
O criador da lei alerta que muitos órgãos públicos ainda mantêm suas contas numa caixa-preta. "Em dezembro, encaminhei uma representação à Procuradoria-Geral do Estado porque a Assembleia Legislativa do Amapá se recusa a divulgar todos os dados e tampouco responde às solicitações de informações que encaminhei com base na Lei de Acesso à Informação", diz Capiberibe. Em abril de 2012, o Ministério Público havia ingressado com uma ação para obrigar a Casa a divulgar, em tempo real, o detalhamento dos atos administrativos e das despesas pagas em seu Portal da Transparência. "Se a sociedade não estiver atenta e denunciar, com o tempo a lei pode virar letra morta", alerta.
Por Carta Capital
Macapá tinha pouco mais de 170 mil habitantes quando o então prefeito João Capiberibe decidiu expor as contas do município em um quadro-negro afixado em frente à prefeitura, em 1990. Naquela isolada localidade, cortada pela linha do Equador e banhada pelas águas do Amazonas, os computadores ainda eram novidade e a internet, um sonho. Daí o improviso na prestação de contas, com as despesas e receitas atualizadas a giz. Não tardou para a notícia correr a cidade e ganhar destaque na mídia. Perseguido pela ditadura, o ex-militante da Ação Libertadora Nacional viveu quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil, após a anistia, aquela era a sua primeira experiência como gestor público eleito. Usou o mote da transparência para imprimir uma marca ao seu governo.
"A época, muitos aplaudiram a iniciativa, mas também havia certa desconfiança da população", relembra o hoje senador de 67 anos, eleito pelo PSB do Amapá. "Muitos achavam que os dados eram manipulados e a precária forma de divulgação reforçava as suspeitas. Mas aquele foi o primeiro Portal da Transparência do País", orgulha-se o parlamentar, autor da Lei Complementar 131/2009, que estabeleceu prazos para a União, estados e municípios abrirem todas as suas contas na internet. Uma forma de permitir à população o controle social das finanças públicas.
Em decorrência da chamada "Lei da Transparência", a partir de 27 de maio, todos os 5.570 municípios brasileiros deverão expor suas contas na web. Até então, somente as prefeituras com mais de 50 mil habitantes estavam obrigadas a fazê-lo. Na prática, quase 90% das cidades, onde vive perto de 36% da população brasileira, deverão se adequar à exigência. "A prefeitura que não cumprir a determinação pode ter os repasses da União suspensos. Os gestores também podem responder a processos por improbidade administrativa", diz Capiberibe. A lei já vale para os municípios maiores, mas só agora deve efetivamente cumprir sua função, prevê o senador. "É muito mais fácil a população acompanhar as contas de uma pequena cidade do que as de uma grande metrópole."
Passados quatro anos do prazo dado aos pequenos municípios, muitos governantes ainda enumeram dificuldades para colocar o portal no ar. É o caso da prefeitura de Guaramiranga, no interior do Ceará, que fornece algumas informações em seu site, mas não todos os dados determinados pela Lei da Transparência, como a execução orçamentária. Mesmo em seu segundo mandato, o prefeito Luiz Viana justificou ao Diário do Nordeste que está no início de uma nova gestão, e procurou a Associação de Prefeitos do Ceará e o Tribunal de Contas para assessorá-lo na empreitada.
Poderá contar ainda com o suporte da Controladoria-Geral da União, que anunciou, em janeiro, a intenção de realizar encontros para auxiliar os prefeitos a cumprir tanto a Lei da Transparência quanto a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio de 2012, mas amplamente desrespeitada. Essa última permite à população solicitar qualquer tipo de informação pública, de plantões médicos a contratos públicos, sem a necessidade de justificar o pedido.
"Para as prefeituras é mais complicado responder às demandas pontuais de cidadãos do que disponibilizar por conta própria as informações em seu site, por isso vale a pena reunir o máximo de dados nesses portais", diz Douglas Caetano, diretor da Consultoria em Administração Municipal (Conam), empresa que assessora mais de 130 prefeituras e órgãos municipais pelo País. De acordo com o executivo, o custo para desenvolver o site é baixo e a Conam oferece soluções que variam de 800 a 7 mil reais por mês. "As vezes, um gestor pede para omitir algum dado ou pergunta se é realmente necessário colocar todas aquelas informações. Tentamos convencê-los a dar o máximo de transparência, até para melhorar a imagem do governo. Se fizer a lição de casa, o prefeito poderá dizer: "Não tenho nada a esconder, está tudo no site"."
"Os políticos adoram a transparência, mas no governo dos seus adversários. O maior desafio, hoje, é assegurar a qualidade das informações que as prefeituras colocam em seus sites", afirma o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. A entidade criou o índice de Transparência, um ranking dos melhores e piores portais mantidos pelos governos estaduais, de acordo com 105 critérios. Em 2012, a nota média foi 5,74, ante 4,88 da primeira edição, realizada em 2010. Apesar da tímida evolução, a nota é considerada baixa. "Alguns sites não detalham os gastos ou o valor unitário de cada produto comprado. Outros não atualizam o site com frequência. E mesmo em portais de bom conteúdo, como o de São Paulo (nota 9,29), há informações escondidas ou com linguagem inacessível para leigos."
A ONG avaliou ainda a qualidade dos portais de 124 municípios paulistas com mais de 50 mil habitantes. A situação encontrada foi ainda mais preocupante. Cerca de 70% das cidades optaram por terceirizar para a iniciativa privada a tarefa de manter o site. Entre essas prefeituras, a nota média foi de 4,17, ante 3,45 das demais. "Apesar do desempenho um pouco melhor dos sites desenvolvidos por empresas, a qualidade deles é muito ruim. Por isso, recomendamos que o governo paulista auxilie os municípios nessa tarefa." Uma avaliação semelhante foi feita pelo Ministério Público da Bahia em 43 cidades do estado. As notas praticamente dobraram de 2011 para 2012, mas ainda assim causam preocupação. Entre as prefeituras com população entre 50 mil e 100 mil moradores, a média ficou em 2,08 no ano passado.
Graças aos portais de transparência, diversas irregularidades puderam ser identificadas e corrigidas pelo poder público. Ao revelar os nomes de beneficiários do Bolsa Família, por exemplo, foi possível verificar que centenas deles não tinham direito de receber os recursos. Vários espertalhões eram funcionários públicos que tiveram seus salários expostos na internet. Em 2008, as denúncias relacionadas ao uso indevido de cartões corporativos do governo federal levaram à demissão da então ministrada Igualdade Racial Matilde Ribeiro. Ela se enrolou ao tentar explicar despesas de viagem que somavam 160 mil reais, entre elas um gasto de 461 reais em um free shop, expostas no site do governo.
O criador da lei alerta que muitos órgãos públicos ainda mantêm suas contas numa caixa-preta. "Em dezembro, encaminhei uma representação à Procuradoria-Geral do Estado porque a Assembleia Legislativa do Amapá se recusa a divulgar todos os dados e tampouco responde às solicitações de informações que encaminhei com base na Lei de Acesso à Informação", diz Capiberibe. Em abril de 2012, o Ministério Público havia ingressado com uma ação para obrigar a Casa a divulgar, em tempo real, o detalhamento dos atos administrativos e das despesas pagas em seu Portal da Transparência. "Se a sociedade não estiver atenta e denunciar, com o tempo a lei pode virar letra morta", alerta.
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