"Mel na chupeta"

Cena do filme "O bebê de Rosemary" de Polansky (1968)


O Estado de São Paulo

Em um novelo de desfaçatez este que se desenrola a partir da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF). A sem-cerimônia com que se com­portaram os já famosos "bebês de Rosemary", isto é, os funcio­nários apadrinhados por Rosemary Noronha, a antiga chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, seria, de si, suficiente para causar es­tupor.

"Eles não paravam de co­meter crimes. É o tempo intei­ro, é o modus operandi deles, está na vida deles, eles só fazem isso o tempo inteiro", disse a procuradora Suzana Fairbanks, referindo-se aos irmãos Paulo Rodrigues Vieira, da Agência Nacional de Águas; Rubens Car­los Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil; e Marcelo Ro­drigues Vieira, empresário, to­dos presos sob acusação de inte­grar uma quadrilha que comer­cializava facilidades no governo federal.

À corrupção desenfrea­da, porém, some-se o "descui­do" - digamos assim - do minis­tro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, que tinha como seu ad­junto o agora notório José Weber Holanda Alves, mesmo sa­bendo que esse servidor públi­co, agora afastado de suas fun­ções por suas relações com a máfia dos pareceres, havia sido investigado por grossas irregu­laridades no INSS, onde traba­lhava como procurador-geral Adams diz agora que não tem mais "confiança profissio­nal" em seu ex-adjunto, mas acha que o "ser humano Weber" vai "esclarecer tudo" e que "as pessoas muitas vezes fazem opções erradas, e a vida traz esses percalços".

O advogado-geral conhece Weber há dez anos, tempo suficiente para sa­ber que o nome dele aparece em ao menos cinco casos de ir­regularidades no INSS e que o amigo foi objeto de sindicância da Controladoria-Geral da União em 2008 porque seu pa­trimônio foi considerado des­proporcional à sua renda. Ele era suspeito de participar de esquema com contratos do INSS com a Fundação Universidade de Brasília. Weber barrou a in­vestigação na Justiça Federal.

Mas a equipe da AGU recorreu e, em outubro de 2011, um ad­vogado da União salientou que "as responsabilidades (de Weber) são caracterizadoras de in­fração administrativa". Apesar disso, nessa mesma época, Adams não viu nenhum incon­veniente em dar a Weber cada vez mais espaço e representatividade na AGU.

Agora, sabe-se que o presti­giado Weber nem mesmo preci­sava redigir pareceres para a quadrilha - eles vinham pron­tos. Em um dos casos, Paulo Vieira, apontado pela PF como chefe do esquema, mandou pa­ra o então advogado-geral ad­junto o parecer em que a AGU facilita o reconhecimento da utilidade pública, para fins pri­vados, de um projeto do ex-se­nador Gilberto Miranda para a construção de um complexo portuário de R$ 2 bilhões em Santos.

Em 30 de outubro pas­sado, Paulo Vieira enviou a Weber um e-mail com a redação do parecer, bem explicadinho: "Segue em anexo nova minuta, que ao que me parece atende às preocupações do parecerista. Todas as modificações es­tão em vermelho para facilitar a análise da questão", escreveu Paulo. A prática de preparar an­tecipadamente os pareceres era corriqueira. Numa conver­sa com Miranda, Paulo diz que é fácil dar andamento aos pro­cessos, "principalmente se le­var pronto, principalmente se levar mel na chupeta".

Esse ambiente nada republi­cano obviamente não resulta apenas de desvios de caráter. A cultura do oportunismo corrup­to é fruto principalmente do in­chaço da máquina estatal, por meio da criação desenfreada de cargos e ministérios e sua dis­tribuição de acordo com crité­rios exclusivamente políticos.

Quanto maior o Estado, maior é a sua permeabilidade aos mal­feitos. Mesmo diante de um es­cândalo cuja essência é o des­controle administrativo, po­rém, o governo petista não pa­rece nem um pouco inclinado a conter seu ímpeto estatista - ou de "partidarizar" o Estado.

Acaba de passar na Comissão de Constituição e Justiça do Se­nado um projeto de lei que cria 90 cargos de confiança nos ór­gãos da Presidência da Repúbli­ca. Para o Executivo, trata-se de um imperativo para o "me­lhoramento" do funcionamen­to da Presidência. Mas, como se vê agora, pode servir tam­bém para produzir escândalos.

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