terça-feira, 12 de junho de 2012

Jorge Hage: "Tenho carta branca para investigar tudo"

Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU)

Objetivo com os interlocutores, o ministro Jorge Hage Sobrinho, chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) desde 2006, não brinca em serviço. Está envolto na implantação da Lei de Acesso à Informação, que divulga os documentos e gastos públicos, e toca os planos de estruturação da pasta - a começar pelos concursos para fiscalizar o uso do dinheiro público federal no país inteiro.

Esta entrevista, tentada há quatro meses, ele concedeu em meio a outro encontro para tratar do projeto do governo na Câmara que pune empresas corruptoras na administração pública. Hage garante ter autonomia para investigar tudo e diz que tenta, mas não pode mudar a cultura de 500 anos de fisiologismo.

Baiano nascido em 1938 e formado em Direito, Hage é mestre em Administração Pública e em Direito Público. Atuou como advogado, consultor da OEA e professor e pró-reitor da UFBA. Foi prefeito de Salvador, deputado estadual e deputado federal Constituinte. Atuou na magistratura do Distrito Federal de 1991 a 2003, quando entrou na CGU. Eis suas ideias:

A Lei de Acesso à Informação é um avanço na administração pública brasileira, mas o senhor já disse que Estados e municípios estão na pré-História nesta implantação. Por que?

Esta lei representa o início de uma revolução na administração pública. Nenhuma revolução se faz por lei, mas as leis deflagram um processo efetivo de mudança, como as leis recentes do Consumidor, Maria da Penha e Ficha Limpa. É fundamental a sociedade fiscalizar e cobrar dos poderes constituídos a efetividade dessas normas. O governo federal, responsável direto pelo cumprimento da lei, vai responder por essa implementação. Já em Estados e nos 5, 6 mil municípios há heterogeneidade enorme. Temos administrações organizadas nas Capitais, mas no interior há problemas.

Seis meses para Estados e municípios se adaptarem foi prazo curto demais?

É um prazo absurdamente curto para as mudanças radicais que esta lei traz. Nenhum país teve prazo tão curto. Fizemos enorme esforço, uma operação de guerra preparando a legislação. Felizmente, tudo deu certo e funcionou. Os SIC’s (Serviços de Informação ao Cidadão) dos ministérios e estatais funcionam sem problemas. Agora, vamos à fase da unificação de entendimentos e interpretação dos dispositivos legais.

Mas sigilo eterno de documentos já não existe mais. Quais pontos obscuros atrapalham a execução da lei?


Há coisas muito claras na lei, como sigilo eterno que acabou e o prazo de 5 anos para documentos reservados, 15 anos para secretos e 25 anos para ultrassecretos, este último prorrogável só uma vez e por igual período. Mas há outras normas que não são “preto ou branco”. A norma diz caber ao poder público a gestão transparente da informação com amplo acesso – alguém pode entender como quiser o “amplo”. A regra da informação “atualizada” não diz se é a cada 24 horas, se é em tempo real, por mês. Isso exige detalhamento, e boa parte resolvemos com o decreto regulamentador, primeiro grande passo da concretização das normais legais.

A lei diz que tem que divulgar tudo. Seria invasão de privacidade listar nomes e salários dos servidores?


A presidente Dilma Rousseff entendeu que tem que divulgar remuneração junto ao nome do servidor. No decreto, ela incluiu a remuneração nominalmente identificada, divulgada na internet e de maneira individualizada. Isso não fere privacidade coisa nenhuma, não tem privacidade com dinheiro público. Se o seu salário é pago com impostos, temos direito de saber o que o governo faz com cada centavo. A regra é a publicidade. É mudança de paradigma na transparência dos gastos. Até porque o não nominal já divulgamos há muito tempo.

O cidadão pode ir à prefeitura, à Câmara, à Assembleia e pedir dados de um projeto de lei, como foi aplicado o orçamento, o destino de cada verba...

A lei vai além disso: muitas informações o órgão tem dever de espontaneamente colocar no site. Vamos colocar no portal da transparência de todo mundo. Programas, projetos, remuneração, estrutura organizacional, obras, transferência de recursos, execução orçamentária, licitações em andamento, editais, resultado de licitação, contratos assinados, notas de empenho, tudo isso o órgão deve divulgar no site sem ninguém precisar pedir.

A Lei de Acesso vem contra as caixas-pretas nos poderes, como a do Judiciário, a do funcionalismo público?


Sem dúvida. Não vou me referir ao Judiciário. Nossa atribuição é o Executivo e não temos ingerência em outros poderes.

No episódio dos gastos do cartão corporativo, se a Lei de Acesso existisse não haveria regalias.

Não precisa mais, porque no cartão de pagamento já demos transparência na internet há anos atrás e já desapareceu da agenda da imprensa. Este é o exemplo concreto de que a transparência é o melhor remédio. O portador do cartão sabe que está sendo vigiado.

A CGU tem se mostrado mais proativa, toma o controle interno como uma cultura. Há trabalho preventivo mais até do que a punição só após o dano concretizado. É esta a sua filosofia?


Sem dúvida. A principal função do controle interno é prevenir o ilícito. Se não se consegue evitar, temos a função punitiva na Corregedoria para servidores e empresas. Claro que a punição administrativa não deveria ser só a pena máxima ao servidor e a declaração de inidoneidade da empresa. Mas nós não podemos colocar na cadeia o servidor ou o empresário. Isso depende do Judiciário, e aí está o problema, porque as coisas no Judiciário não funcionam, não chegam ao final os processos, e não é por culpa dos juízes não cumprirem a lei.


O problema são os recursos...

Falo porque fui juiz por 12 anos. O problema é que a legislação permite uma infinidade de recursos protelatórios e os criminosos da corrupção e do peculato são os que têm dinheiro para contratar os melhores escritórios de advocacia. Solução para isso: a PEC que acaba com os dois últimos recursos – o extraordinário no STF e o especial no STJ. É muito difícil o Congresso aprovar, daí surgiu substitutivo do senador Aloysio Nunes retirando o efeito suspensivo dos recursos sobre a sentença. Aprovar isso é grande contribuição ao combate à corrupção no Brasil.

A presidente Dilma baixará decreto estendendo a Lei Ficha Limpa para todos os níveis do Executivo federal.

Fizemos a proposta do decreto, discutimos com os ministérios e a Advocacia Geral da União fez o exame final. Espero que a presidente o assine brevemente. Hoje a presidente já se preocupa com estes requisitos, mas os escalões mais embaixo não são nomeados por ela.

Foram 162 servidores federais demitidos em 2012. Não é preocupante?


Absolutamente. Se você considerar que há 500 mil servidores civis na atividade, sem contar estatais, ter 3.600 demitidos em nove anos é um percentual ínfimo, na casa de 0%. A maioria imensa dos servidores não tem nada a ver com corrupção. São exceções que temos de continuar punindo.

O governo federal deve diminuir os 21 mil comissionados?

Olha, não é muita gente levando em conta que só de pessoal civil são 500 mil, quase todos concursados. Dentro dos 21 mil em comissão, mais de 50% são recrutamento interno dentre concursados. Não vejo maior problema nisso. Há decreto do governo estabelecendo os percentuais de recrutamento dentro das carreiras.

Como a CGU dá conta de controlar 37 ministérios, tanta gente...

Temos que controlar cerca de mil órgãos e entidades federais. Fora isso, recursos federais transferidos para 26 Estados e 5.600 municípios, para onde vamos pelo programa de sorteio. Também há fiscalizações por denúncias e as solicitadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. São milhares de fiscalizações por ano e temos apenas 2.200 servidores para o país inteiro. É pouquíssimo. Temos as áreas de auditoria, corregedoria e prevenção, ouvidoria... O pessoal que faz fiscalização não chega a mil para cuidar de todo esse universo. Estamos batalhando por concursos há quatro anos, e o próximo está marcado para junho, com 250 vagas.

Tem carta branca para investigar tudo?

Total. Nunca sofri a menor interferência, a menor limitação, nem da presidente Dilma nem do ex-presidente Lula. Aliás, se tivesse recebido, teria pegado meu boné e ido embora há muito tempo.

A Lei de Acesso ajudará a Comissão da Verdade a acessar documentos?
São duas coisas casadas. Para qualquer documento que precise a comissão tem a base da Lei de Acesso para fazer valer.

Como a CGU vai controlar uso da máquina nesta campanha eleitoral?

Não tenho preocupação especial. Há muitas eleições não temos maiores problemas na área federal.

Qual o legado quer deixar na CGU?

O avanço máximo do país em matéria de moralização da vida pública, de aprimoramento dos controles e de contribuição para a redução da impunidade.

O patrimonialismo, o fisiologismo, um dia terão fim neste país?

É uma cultura de 500 anos que não se muda em um ano. Em oito anos você consegue avançar bastante. É um processo gradual de aprimoramento. Além do papel do Executivo, são necessárias outras medidas, como financiamento público de campanha e reforma profunda da legislação processual brasileira.

Ministro não comenta as investigações da Delta

Alvo da CPI do Cachoeira, a construtora Delta pode ter inidoneidade declarada pela CGU e ficar fora de novos contratos com o governo federal, mas Jorge Hage não comenta a crise. “Não posso fazer julgamento antecipado. Não posso falar uma palavra sobre processo pendentes do meu julgamento dentro de algum tempo”. O ministro articula na Câmara a aprovação ágil de um projeto do governo responsabilizando as pessoas jurídicas por corrupção no setor público. “Estamos examinando quais emendas serão acolhidas”. O que ele acha das relações do contraventor Cachoeira com governos estaduais e federal? “Não posso me manifestar sobre ações do Congresso”, resume.

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